Presente em muitos dos nossos países africanos, os impactos em cascata das políticas de isolamento estão se transformando em crises sociais e econômicas profundas, onde os mais vulneráveis são e serão novamente os que mais sofrem as consequências. Nosso povo está lutando com acesso limitado aos cuidados da saúde, perda de empregos e renda, enfrentando cortes no abastecimento de eletricidade e água, dificuldades no pagamento de contas e até mesmo com o risco de despejo, onde o aluguel não pode mais ser pago. Por toda a África, uma grande crise alimentar pode estar se aproximando, à medida que os mercados informais são fechados e os meios de subsistência são impactados.
Neste momento de crise, nós, abaixo assinados movimentos sociais africanos, organizações da sociedade civil e aliados, saudamos os trabalhadores do mundo, enfermeiros, médicos e outros trabalhadores da saúde, nos mercados e supermercados, limpadores de rua, catadores e coletores de resíduos, trabalhadores domésticos e cuidadores, transportadores, caminhoneiros, trabalhadores do setor alimentício, camponeses, produtores de alimentos, aqueles que nos fornecem energia e todos aqueles que têm que trabalhar diariamente para alimentar suas famílias, pelo trabalho corajoso e pelos sacrifícios que estão fazendo, para manter todas as nossas vidas enquanto muitos de nós permanecemos em casa, fazendo também a nossa parte para conter o vírus.
Infelizmente a crise climática não vai parar enquanto o mundo estiver concentrado em lidar com a crise sanitária da Covid-19. Ambas são crises produzidas pelo homem, enraizadas na forma como os nossos sistemas políticos e econômicos tratam a Terra e os seus povos, movidos pela ânsia do lucro. A crise climática já estava devastando o nosso continente e tantas outras partes do globo quando o mundo mergulhou na pandemia sanitária da Covid-19. A África Austral ainda está se recuperando dos ciclones devastadores Idai e Kenneth do ano passado, enfrentando impactos climáticos debilitantes, incluindo secas, inundações, aumento do nível do mar, etc. O aumento da temperatura global previsto para a África é um prognóstico de colapso humano, social e ecológico.
As Corporações Transnacionais (CTNs) em conluio com governos africanos e outras elites, operando com impunidade e sem consideração pelas pessoas e pelo planeta, estão entre os principais culpados das atuais crises energética, climática, alimentar, de biodiversidade e ecológica. Suas atividades têm impactado a subsistência das comunidades locais, pela apropriação de terras e captura de recursos naturais, inclusive através de mercados de carbono e outras pseudo-soluções prejudiciais, e têm poluído nosso ar, água, terras, corpos e comunidades. A maior parte dos lucros gerados é muitas vezes transferida ilegalmente para fora da região e encontram caminhos para chegar nos diversos paraísos fiscais em todo o mundo. No entanto, à medida em que o preço do petróleo bruto cai abaixo de zero pela primeira vez na história, afirmamos que o fim da era do extrativismo, que prejudica as pessoas e o planeta, está à vista. É hora de dizer adeus ao desenvolvimento sujo dos combustíveis fósseis e à agricultura industrial nociva.
A crise atual causou uma queda temporária nas emissões de carbono e na poluição, devido à parada ou desaceleração de algumas indústrias, mas que chegam às custas de empregos e estratégias de subsistência de africanos e outros que contam com pouca ou nenhuma rede de assistência social. Esta não é a "transição justa" que temos exigido, junto com os nossos amigos do movimento sindical. Vemos também muitos governos removerem ou relaxarem procedimentos e regulações ambientais a fim de impulsionar desesperadamente o investimento a curto prazo, o que sem dúvida resultará numa maior degradação ambiental, no colapso da biodiversidade e no aprofundamento do ciclo da crise. No entanto, a forma como o ar tem se purificado em alguns locais em lock-down é uma prova notável de quão insustentável é a economia "normal" - e o desenvolvimento "normal". O planeta prosperará se escolhermos um caminho diferente para o desenvolvimento, os jovens verão um límpido céu azul pela primeira vez, milhões de pessoas com asma irão respirar mais facilmente, como estamos vendo agora.
Ajustes estruturais, medidas de austeridade, desmantelamento do Estado e dos serviços públicos, cortes na assistência social, privatização dos serviços essenciais e endividamento são as condições que limitam a capacidade dos Estados africanos para responder a tais crises. Isto está enraizado na história colonial e pós-colonial africana e na nossa relação com instituições financeiras neoliberais como o Fundo Monetário Internacional (FMI) e o Banco Mundial, que empurraram grandes empréstimos com altas taxas de juros, sob o pretexto de condicionalidades de ajustamento estrutural. Não devemos permitir que estas mesmas práticas sejam a nossa relação com o Novo Banco de Desenvolvimento (New Development Bank) ou com qualquer outra instituição do gênero. Todas as condicionalidades de apoio solidário e/ou empréstimos devem ser públicas, como parte de uma democracia nova e aberta.
A rápida resposta dos governos e outros atores à pandemia da COVID-19 também revela a verdadeira inação global em enfrentar seriamente a crise climática e outras crises. A análise é clara - lidar com a crise é fundamentalmente uma questão de vontade política para liberar grandes somas de recursos e alterar as políticas para enfrentamento da crise e redirecionar todos os esforços para a sua contenção e solução.
Não podemos voltar aos negócios como de costume. Precisamos imaginar um mundo diferente, uma África diferente, para que este momento possa marcar um ponto de inflexão para a nossa região e para o mundo. A pandemia da COVID 19 demonstra que precisamos das soluções que nós, como grupos que promovem a justiça climática em toda a África, temos apontado urgentemente. Esta é a nossa esperança. Voltar ao sistema normal de funcionamento não pode ser uma opção. Precisamos de respostas baseadas em novas formas de regionalismo e solidariedade para a recuperação e transição, que sejam corretas e justas para todos, especialmente para os pobres e mais vulneráveis. Nós nos comprometemos e apelamos aos movimentos e organizações da sociedade civil de toda a África e de todo o mundo para que se juntem a nós na luta por um novo mundo.
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