Politics

“Vamos voltar a nos relacionar com todos os países do mundo.”

Discurso de posse do Presidente Luiz Inácio Lula da Silva.
Quero começar fazendo uma saudação especial a cada um e a cada uma de vocês, uma forma de lembrar e retribuir o carinho e a força que recebi todos os dias do povo brasileiro representado pela vigília Lula Livre, num dos momentos mais difíceis da minha vida.

Hoje, neste que é um dos dias mais felizes da minha vida, a saudação que eu faço a vocês não poderia ser outra, tão singela e ao mesmo tempo tão cheia de significado: Boa tarde, povo brasileiro!

Minha gratidão a vocês que enfrentaram a violência política antes, durante e depois da campanha eleitoral, que ocuparam as redes sociais e que tomaram as ruas debaixo de sol e chuva, nem que fosse para conquistar um único e precioso voto. Que tiveram a coragem de vestir a nossa camisa, e, ao mesmo tempo, agitar a bandeira do Brasil quando uma minoria violenta e antidemocrática tentava censurar nossas cores e se apropriar do verde e amarelo que pertence a todo povo brasileiro. A vocês que vieram de todos os cantos deste país, de perto ou de muito longe, de avião, de ônibus, de carro ou na boleia de um caminhão, de moto, bicicleta e até mesmo a pé, numa verdadeira caravana da esperança para esta festa da democracia.

Mas quero me dirigir também aos que optaram por outros candidatos. Vou governar para 215 milhões de brasileiros e brasileiras, e não apenas para quem votou em mim. Vou governar para todos e todas, olhando para o nosso luminoso futuro em comum e não pelo retrovisor de um passado de divisão e intolerância. A ninguém interessa um país em permanente pé de guerra, ou uma família vivendo em desarmonia. É hora de reatarmos os laços com amigos e familiares, rompidos pelo discurso de ódio e pela disseminação de tantas mentiras. Chega de ódio, fake news, armas e bombas. Nosso povo quer paz para trabalhar, estudar, cuidar da família e ser feliz. A disputa eleitoral acabou.

Repito o que disse no meu pronunciamento após a vitória de 30 de outubro, sobre a necessidade de unir o país. Não existem dois Brasis. Somos um único país, um único povo, uma grande nação. Somos todos brasileiros e brasileiras, e compartilhamos uma mesma virtude. Nós não desistimos nunca. Ainda que nos arranquem todas as flores, uma por uma, pétala por pétala, nós sabemos que é sempre tempo de replantio e que a primavera há de chegar e a primavera já chegou. Hoje a alegria toma posse do Brasil de braços dados com a esperança.

Minhas queridas amigas e meus amigos, recentemente reli o discurso da minha primeira posse na Presidência em 2003, e o que li tornou ainda mais evidente o quanto o Brasil andou pra trás. Naquele primeiro de janeiro de 2003, aqui nesta mesma praça, eu e o meu querido vice José Alencar assumimos o compromisso de recuperar a dignidade e autoestima do povo brasileiro. E recuperamos. De investir para melhorar as condições de vida de quem mais necessita e investimos. De cuidar com carinho da saúde e da educação, e cuidamos. Mas, o principal compromisso que assumimos em 2003 foi o de lutar contra a desigualdade e a extrema pobreza, e garantir a cada pessoa deste país o direito de tomar café da manhã, almoçar e jantar todo santo dia e nós cumprimos esse compromisso, acabamos com a fome e a miséria e reduzimos fortemente a desigualdade.

Infelizmente, hoje, 20 anos depois voltamos a um passado que julgávamos enterrado. Muito do que fizemos foi desfeito de forma irresponsável e criminosa. A desigualdade e a extrema pobreza voltaram a crescer. A fome está de volta, e não por força do destino, não por obra da natureza nem por vontade divina, a fome. A volta da fome é um crime, o mais grave de todos cometido contra o povo brasileiro. A fome é filha da desigualdade, que é a mãe dos grandes males que atrasa o desenvolvimento do Brasil. A desigualdade apequena nosso país de dimensões continentais ao dividi-lo em partes que não se reconhece. De um lado uma pequena parcela da população que tudo tem, do outro lado uma multidão a quem tudo falta e uma classe média que vem empobrecendo ano a ano pelas injustiças do governo. Juntos somos fortes, divididos seremos sempre o país do futuro que nunca chega e que vivem em dívida permanente com o seu povo. Se queremos construir hoje o nosso futuro, se queremos viver num país plenamente desenvolvido para todos e todas, não pode haver lugar para tanta desigualdade. O Brasil é grande, mas a real grandeza de um país reside na felicidade de seu povo, e ninguém é feliz de fato em meio a tanta desigualdade.

Minhas amigas e meus amigos, quando digo governar, eu quero dizer cuidar. Mais do que governar, vou cuidar com muito carinho deste país e do povo brasileiro. Nesses últimos anos o Brasil voltou a ser um dos países mais desiguais do mundo. Há muito tempo não víamos tamanho abandono e desalento nas ruas. Mães garimpando o lixo em busca de alimento para seus filhos. Famílias inteiras dormindo ao relento, enfrentando o frio, a chuva e o medo. Crianças vendendo bala ou pedindo esmola quando deveriam estar na escola vivendo plenamente a infância que tem direito. Trabalhadores e trabalhadoras desempregados, exibindo nos semáforos cartazes de papelão com a frase que nos envergonha a todos: "Por favor, me ajuda". Fila na porta dos açougues em busca de ossos para aliviar a fome, e, ao mesmo tempo, filas de espera para compra de automóveis importados e jatinhos particulares. Tamanho abismo social é um obstáculo a construção de uma sociedade verdadeiramente justa, democrática e de uma economia próspera e moderna.

Por isso eu e o meu companheiro vice Geraldo Alckmin assumimos hoje, diante de vocês e de todo povo brasileiro o compromisso de combater dia e noite todas as formas de desigualdade no nosso país. Desigualdade de renda, desigualdade de gênero e de raça, desigualdade no mercado de trabalho, na representação política, nas carreiras do Estado, desigualdade no acesso a saúde, a educação e demais serviços públicos. Desigualdade entre a criança que frequenta a melhor escola particular e a criança que engraxa sapato na rodoviária sem escola e sem futuro, entre a criança feliz com brinquedo que acabou de ganhar de presente e a criança que chora de fome na noite de Natal. Desigualdade entre quem joga comida fora e quem só se alimenta das sobras. É inadmissível que os 5% mais ricos deste país detenham a mesma fatia de renda que os demais 95% de pessoas. Que seis bilionários brasileiros tenham uma riqueza equivalente ao patrimônio dos cem milhões mais pobres do país. Que um trabalhador ou uma trabalhadora que ganha um salário mínimo mensal leve 19 anos para receber o equivalente a que um super rico recebe em um único mês. E não adianta subir o vidro do automóvel de luxo para não ver nossos irmãos que se amontoam debaixo dos viadutos, carentes de tudo. A realidade salta aos olhos em cada esquina.

Minhas amigas e meus amigos, é inaceitável que continuemos a conviver com o preconceito, a discriminação e o racismo. Somos um povo de muitas cores e todas devem ter os mesmos direitos e oportunidades. Ninguém será cidadão ou cidadã de segunda classe, ninguém terá mais ou menos amparo do Estado, ninguém será obrigado a enfrentar mais ou menos obstáculos apenas pela cor da sua pele. Por isso estamos recriando o Ministério da Igualdade Racial, para enterrar a trágica herança do nosso passado escravista. Os povos indígenas precisam ter terras demarcadas e livres de ameaças de atividades econômicas ilegais e predatórias, precisam ter sua cultura preservada, sua dignidade respeitada, e sustentabilidade garantida. Eles não são obstáculo ao desenvolvimento. São guardiões de nossos rios e florestas e parte fundamental da nossa grandeza enquanto nação. Por isso estamos criando, estamos criando o Ministério dos Povos Indígenas para combater 500 anos de desigualdade. Não podemos continuar a conviver com a odiosa opressão imposta às mulheres, submetidas diariamente à violência nas ruas e dentro de suas próprias casas. É inadmissível que continuem a receber salários inferiores a dos homens, quando no exercício de uma mesma função elas precisam conquistar cada vez mais espaço nas instâncias dissuasórias deste país, na política, na economia, em todas áreas estratégicas. As mulheres devem ser o que elas quiserem ser, devem estar onde quiserem estar. Por isso estamos trazendo de volta o Ministério das Mulheres. Foi para combater a desigualdade e suas sequelas que nós vencemos a eleição. E esta será a grande marca do nosso governo, dessa luta fundamental surgirá um país transformado, um país grande e próspero, forte e justo, um país de todos por todos e para todos, um país generoso e solidário que não deixará ninguém para trás.

Minhas queridas companheiras e meus queridos companheiros, reassumo o compromisso de cuidar de todos os brasileiros e brasileiras, sobretudo daqueles que mais necessitam, de acabar outra vez com a fome neste país, de tirar o pobre da fila do osso para colocá-lo novamente no orçamento da União. Temos um imenso legado ainda vívido na memória de cada brasileiro e cada brasileira, beneficiário ou não das políticas públicas que fizeram uma revolução neste país. Mas não nos interessa viver do passado. Por isso, longe de qualquer saudosismo, nosso legado será sempre o espelho do futuro que vamos construir para este país. Em nossos governos o Brasil conciliou o crescimento econômico recorde com a maior inclusão social da história e se tornou a sexta maior economia do mundo, ao mesmo tempo em que 36 milhões de brasileiros e brasileiras saíram da extrema pobreza, geramos mais de 20 milhões de empregos com carteira assinada e todos os direitos assegurados. Reajustamos o salário mínimo sempre acima da inflação. Batemos recorde de investimento em educação, da creche à universidade, para fazer do Brasil exportador também de inteligência e conhecimento e não apenas o exportador de commodities e matéria-prima. Nós mais que dobramos o número de estudantes no ensino superior e abrimos a porta das universidades para a juventude pobre deste país. Jovens brancos, negros e indígenas para que o diploma universitário era um sonho inalcançável tornarem-se doutores. Combatemos um dos grandes focos de desigualdade, o acesso a saúde, porque o direito a vida não pode ser refém da quantidade de dinheiro que se tem no banco. Fizemos o Farmácia Popular que forneceu medicamentos a quem mais precisava e o mais do que isso que levou atendimento a cerca de 60 milhões de brasileiros e brasileiras das periferias das grandes cidades e nos pontos mais remotos do Brasil. Criamos o Brasil sorridente para cuidar da saúde bucal de todos os brasileiros e brasileiras. Fortalecemos o nosso Sistema Único de Saúde. E quero aproveitar para fazer um agradecimento especial aos profissionais do SUS pela grandiosidade do trabalho durante a pandemia, enfrentado bravamente um vírus, um vírus letal e um governo irresponsável e desumano.

Nos nossos governos, investimos na agricultura familiar e nos pequenos e médios agricultores, responsáveis por 70% dos alimentos que chegam à nossa mesa e fizemos isso sem descuidar do agronegócio, que obteve investimento em safras recordes ano após ano. Tomamos medidas concretas para combater as mudanças climáticas e reduzimos o desmatamento da Amazônia em mais de 80%. O Brasil consolidou-se como referência mundial no combate à desigualdade e a fome e passou a ser internacionalmente respeitado pela sua política externa, ativa e altiva. Fomos capazes de realizar tudo isso cuidando com total responsabilidade das finanças do país, nunca fomos irresponsáveis com o dinheiro público. Fizemos superávit fiscal todos os anos, eliminamos a dívida externa, acumulamos reservas de 370 bilhões de dólares e reduzimos a dívida externa a quase metade do que era quando chegamos no governo. Nos nossos governos nunca houve nem haverá gastança alguma. Sempre investimos e voltaremos a investir em nosso bem mais precioso que é o povo brasileiro.

Infelizmente muito do que construímos em 13 anos foi destruído em menos da metade desse tempo. Primeiro pelo golpe contra a presidenta Dilma em 2016, e, na sequência, pelos quatro anos de um governo de destruição nacional cujo legado a história jamais perdoará: 700 mil brasileiros e brasileiras mortos pelo covid-19, 125 milhões sofrendo algum grau de insegurança alimentar de moderada a muito grave e 33 milhões passando fome. Estes são apenas alguns números que na verdade não são apenas números, estatísticas e indicadores. São pessoas, homens, mulheres e crianças vítimas de um desgoverno afinal derrotado pelo povo no histórico 30 de outubro de 2022. Os grupos técnicos do gabinete de transição coordenado pelo meu vice Alckmin que por dois meses mergulharam nas entranhas do governo anterior trouxeram a público a real dimensão da tragédia.

O que o povo brasileiro sofreu nesses últimos anos foi a lenta e progressiva construção de um verdadeiro genocídio. Quero citar a título de exemplo um pequeno trecho das cem páginas desse verdadeiro relatório do caos produzido pelo gabinete da transição. Diz o relatório: O Brasil bateu recordes de feminicídio. As políticas de igualdade raciais sofreram severo retrocesso. Produziu-se desmonte da política da juventude e os direitos indígenas nunca foram tão ultrajados na história recente do país. Os livros didáticos que deverão ser usados no ano letivo de 2023 ainda não começaram a ser editados. Faltam remédios na farmácia popular, não há estoque de vacinas para o enfrentamento das novas variantes da covid-19. Faltam recursos para a compra de merenda escolar. As universidades corriam risco de não concluir o ano letivo. Não existe recurso para a Defesa Civil e a prevenção de acidentes e desastres. E quem está pagando a conta deste apagão é, outra vez, o povo brasileiro.

Meus amigos e minhas amigas, nesses últimos anos vivemos, sem dúvida, um dos piores períodos da nossa história, uma era de sombras, de incertezas e de muito sofrimento. Mas esse pesadelo chegou ao fim pelo voto soberano na eleição mais importante desde a redemocratização do país. Uma eleição que demonstrou o compromisso do povo brasileiro com a democracia e suas instituições. Esta extraordinária vitória da democracia nos obriga a olhar para frente a esquecer nossas diferenças que são muito menores que aquilo que nos une para sempre: o amor pelo Brasil e a fé inquebrantável em nosso povo.

Agora é hora de reacendermos a chama da esperança, da solidariedade e do amor ao próximo. Agora é hora de voltar a cuidar do Brasil e do povo brasileiro, gerar empregos, reajustar o salário mínimo acima da inflação, baratear o preço dos alimentos, criar ainda mais vagas nas universidades, investir fortemente na saúde, na educação, na ciência e na cultura. Retomar as obras de infraestrutura do Minha Casa, Minha Vida, abandonadas pelo descaso do governo que se foi. É hora de trazer investimentos e reindustrializar o Brasil, combater outras vezes as mudanças climáticas e acabar de uma vez por todas com a devastação dos nossos biomas, sobretudo a nossa querida Amazônia. Romper com o isolamento internacional e voltar a se relacionar com todos os países do mundo. Não é hora para ressentimentos estéreis. Agora é hora de o Brasil olhar para frente e voltar a sorrir. Vamos virar esta página e escrever em conjunto um novo e decisivo capítulo da nossa história.

Nosso desafio comum é o da criação de um país justo, inclusivo, sustentável e criativo, democrático e soberano para todos os brasileiros e brasileiras. Fiz questão de dizer ao longo de toda campanha: o Brasil tem jeito. E volto a dizer com toda convicção, mesmo diante do quadro de destruição revelado pelo gabinete da transição: o Brasil tem jeito. Depende de nós, de todos nós. E vamos reconstruir este país.

Em meus quatro anos de mandato vamos trabalhar todos os dias para o Brasil vencer o atraso de mais de 350 anos de escravidão para recuperar o tempo e as oportunidades perdidas nesses últimos anos, para reconquistar seu lugar de destaque no mundo e para que cada brasileiro e cada brasileira tenha o direito de voltar a sonhar e as oportunidades para realizar aquilo que sonha. Precisamos todos juntos reconstruir e transformar o nosso querido país. Mas só reconstruiremos e transformaremos de fato esse país se lutarmos com todas as forças contra tudo aquilo que o torna tão desigual. Essa tarefa não pode ser de apenas um Presidente ou mesmo de um Governo, é urgente e necessária a formação de uma frente ampla contra a desigualdade que envolva a sociedade como um todo, trabalhadores, empresários, artistas, intelectuais, governadores, prefeitos, deputados, senadores, sindicatos, movimentos sociais, associações de classes, servidores públicos, profissionais liberais, líderes religiosos, cidadãos e cidadãs comum. Afinal, é tempo de união e reconstrução do nosso país. Por isso faço, esse chamamento a todos os brasileiros e brasileiras que desejam um Brasil mais justo, solidário e democrático. Juntem-se a nós num grande mutirão contra a desigualdade. Quero terminar pedindo a cada um e a cada uma de vocês que a alegria de hoje seja a matéria-prima da luta de amanhã e de todos os dias que virão, que a esperança de hoje fermente o pão que há de repartido entre todos e que estejamos sempre pontos a reagir em paz e em ordem a quaisquer ataques de extremistas que queiram sabotar e destruir nossa democracia. Na luta pelo bem do Brasil usaremos as armas que os nossos adversários mais temem, a verdade que se sobrepôs a mentira, a esperança que venceu o medo e o amor que derrotou o ódio. Viva o Brasil e viva o povo brasileiro!

Available in
Portuguese (Brazil)EnglishSpanishGerman
Author
Luiz Inácio Lula da Silva
Date
03.01.2023
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