Nova Delhi: Um morador de Saharanpur, Uttar Pradesh, tomou emprestadas 10.000 rúpias de um empreiteiro para o casamento de seu filho. Ao não conseguir pagar o empréstimo, o empreiteiro conspirou com um construtor e obrigou o pai e seus dois filhos a se submeterem a trabalho em regime de servidão em Chawri Bazaar, Delhi. Eles foram submetidos a horários de trabalho extensos, além de serem confinados ao local de trabalho e não receberem nenhuma compensação.
O ciclo implacável de exploração persistiu por 24 horas por dia até ser interrompido após oito meses, quando o filho mais novo sofreu uma lesão grave enquanto realizava trabalho pesado. Para evitar as despesas dos cuidados médicos do jovem, o construtor e o empreiteiro recorreram à intimidação, forçando-os a sair.
Na ausência de tratamento médico, a visão do rapaz está agora se deteriorando. Isso não é um relato de um feudo medieval, mas uma tragédia que ocorreu entre fevereiro e outubro de 2024, a apenas cinco quilômetros do parlamento indiano.
E não é um caso isolado. Na ‘nova Índia’ do século 21, existem milhões de trabalhadores em regime de servidão. O Governo da Índia estabeleceu uma meta em 2016 para libertar e reabilitar 18,4 milhões de trabalhadores nessas condições até o ano de 2030.
No entanto, a determinação do governo indiano em erradicar o trabalho forçado não é algo recente. Em 1976, o governo promulgou a Lei do Sistema de Trabalho Forçado (Abolição), tornando-o ilegal. Entretanto, a prática continua a existir na sociedade indiana nos dias de hoje.
Em Sonipat, no estado de Haryana, um incidente envolveu uma família do distrito de Baghpat, em Uttar Pradesh, onde oito membros foram mantidos em regime de trabalho forçado por um período de cinco meses e quinze dias em troca de um adiantamento de 10.000 rúpias.
Entre eles, quatro eram menores de idade, incluindo uma menina de um ano. Os trabalhadores, incluindo os menores, eram obrigados a trabalhar sem qualquer remuneração e recebiam apenas um sustento mínimo para sobreviver. Um membro da família escapou devido à fome extrema, levando os outros a escaparem no dia seguinte, abandonando seus pertences.
Tragicamente, embora a família tenha conseguido retornar à sua cidade após uma longa viagem, a saúde de uma mulher do grupo se deteriorou no caminho, levando à sua morte ao chegar em casa.
Em Muzaffarnagar, um pai fez um empréstimo de 10.000 rúpias com o dono de uma fábrica de jaggery (açúcar mascavo em blocos) para pagar pelo tratamento médico de seu filho pequeno, que se feriu em um acidente de trânsito em 2021. Em 2023, quando o empréstimo não foi pago, o dono da fábrica forçou o pai, sua esposa e seus cinco filhos a residir e trabalhar como operários na fábrica, prometendo um pagamento mensal de 45.000 rúpias.
De 16 de agosto de 2023 a 31 de maio de 2024, os dois filhos mais velhos também contribuíram para o trabalho. No entanto, quando a família solicitou seus salários no final da temporada, o proprietário alegou que todos os fundos haviam sido usados para o sustento deles, sobrando apenas 45.000 rúpias, que seriam pagas posteriormente. Quando a família expressou sua intenção de voltar para casa, seus pertences foram confiscados.
Meses depois, o proprietário os trouxe à força de volta à fábrica, e eles foram obrigados a trabalhar não apenas ali, mas também em outros locais até abril de 2025. Durante esse tempo, eles enfrentaram fome, abuso físico e maus-tratos, principalmente a esposa do devedor e, por fim, foram demitidos sem receber os salários devidos.
Muitos outros exemplos poderiam ser citados, pois as organizações que operam nesse setor possuem extensa documentação de tais casos. Nos três casos mencionados, as declarações das vítimas não foram registradas, elas não receberam o alvará de soltura, seus salários não foram pagos e nenhuma investigação ou ação foi iniciada contra os responsáveis.
O documento de diretrizes do governo federal afirma que “o processo de punição deve ser reforçado para evitar novas formas de servidão e para garantir que todos os infratores sejam responsabilizados”. A falha em documentar declarações, reconhecer as vítimas como trabalhadores em regime de servidão e emitir alvarás de soltura representa um desafio significativo, dificultando o acesso das vítimas à reabilitação.
O governo federal liderado pelo primeiro-ministro Narendra Modi estabeleceu um programa de reabilitação para trabalhadores em regime de servidão, que inclui provisões para assistência financeira imediata de 30.000 rúpias para os resgatados. Apoio adicional de reabilitação de 100.000, 200.000 e 300.000 rúpias está disponível, determinado pela categoria do trabalhador e pela extensão de sua exploração, desde que o trabalho forçado seja comprovado.
Contudo, isso só pode ocorrer quando o Magistrado Distrital ou o Magistrado da Subdivisão identifica o trabalhador em regime de servidão e fornece um alvará de soltura.
Nirmal Gorana, o organizador do Comitê Nacional de Campanha para a Erradicação do Trabalho Forçado, uma organização dedicada à identificação, resgate e reabilitação de trabalhadores em condição análoga à escravidão em nível nacional, disse ao The Wire que a identificação de trabalhadores nessas condições não é uma prioridade para as autoridades governamentais, e a administração distrital frequentemente deixa de emitir alvarás de soltura.
Os dados mais recentes apresentados ao Parlamento indicam que menos de 500 trabalhadores em regime de servidão foram reabilitados no ano fiscal de 2023-24. Em contraste, o governo federal estabeleceu uma meta em 2016 para identificar, libertar e reabilitar 1,84 milhão de trabalhadores em regime de trabalho forçado até o ano de 2030.
Para atingir esse objetivo, o governo deve reabilitar aproximadamente 1,314 milhão de trabalhadores nesse estado anualmente. Além disso, as informações divulgadas pelo Ministério do Trabalho e Emprego em resposta a consultas feitas no Lok Sabha em 5 de agosto de 2024, revelam um declínio consistente no número de trabalhadores em regime de servidão reabilitados a cada ano.
A revista Outlook publicada em agosto de 2024, com base em um RTI, indica que a taxa de reabilitação para trabalhadores nesse regime diminuiu aproximadamente 80% nos últimos três anos, com uma média de apenas 900 trabalhadores reabilitados anualmente. Os dados anexos revelam que apenas 468 trabalhadores foram reabilitados durante o período 2023-24.
O governo federal estabeleceu como meta reduzir pela metade o número de trabalhadores em regime de servidão em até sete anos, conforme descrito em seu documento de diretrizes de 2016. As tendências atuais sugerem que esse objetivo ainda não foi alcançado. De acordo com um relatório da India Spend do ano anterior, se o governo continuar no ritmo atual, apenas dois por cento da meta será atingida até 2030.
Embora o governo não tenha cumprido suas metas, ele pode evitar a responsabilização devido ao Artigo 13 da Lei do Sistema de Trabalho Forçado (Abolição) de 1976, que determina que o governo estadual estabeleça um comitê de vigilância em cada distrito e suas subdivisões, conforme necessário. Esse comitê tem a tarefa de aconselhar o magistrado distrital ou um oficial autorizado sobre a execução efetiva da Lei.
Além disso, o comitê é encarregado de facilitar a reabilitação econômica e social dos trabalhadores em situação de servidão eventualmente libertados. O governo federal administra o programa de reabilitação exclusivamente por meio do Ministério do Trabalho e Emprego, que apoia os governos estaduais no processo de reabilitação. É importante destacar que esse programa opera de forma orientada pela demanda.
Consequentemente, se as metas não forem alcançadas, o governo federal pode transferir a responsabilidade para os governos estaduais.
Um relatório da Comissão Global sobre Escravidão Moderna e Tráfico de Pessoas indica que esse crime afeta predominantemente indivíduos e grupos que já estão em desvantagem, marginalizados e sujeitos a discriminação. Uma pesquisa conduzida por Javed Alam Khan em 2018, intitulada “Avaliando as Prioridades Orçamentárias para a Reabilitação do Trabalho Forçado”, revela que aproximadamente 10 por cento da força de trabalho total da Índia é classificada como regime de servidão.
Entre os que foram reabilitados, 83 % pertencem às comunidades de Casta Programada ou Tribo Programada.
Refletindo sobre suas experiências, Gorana observa que a maioria dos trabalhadores nessa situação são Dalits, tribais e membros de classes atrasadas, afirmando que ele ainda não encontrou um trabalhador das castas superiores no regime de trabalho forçado.
Gorana atribui essa situação principalmente à falta de educação e recursos entre os Dalits, tribais e classes desfavorecidas. Há um consenso de que a prática do trabalho forçado serve como um indicador gritante de exploração econômica, bem como um reflexo de um sistema social onde a pobreza, a casta e a desigualdade continuam a promover a exploração.
Traduzido do Hindi original – publicado pela primeira vez em The Wire Hindi – por Naushin Rehman.
Translated by Ana Laura Rapado de Almeida, Francisco Neto, and the Open Language Initiative.