Agradeço ao primeiro-ministro Anwar Ibrahim. Agradeço aos nossos anfitriões aqui em Kuala Lumpur e a todos os movimentos, pensadores e comunidades reunidos para esta conferência importante. Em sua liderança, primeiro-ministro, vemos a coragem de imaginar uma nova ordem — liderada não pela dominação e pela guerra, mas pela soberania dos povos e nações.
Nossa tarefa hoje é perguntar: como podemos reunir dois grandes movimentos emergentes atuais — o despertar do Sul, recuperando a soberania do império, e o despertar no Norte, recuperando a democracia do poder corporativo — para construir um mundo para muitos, não para poucos?
Como Rabindranath Tagore, grande polímata da Índia, que infelizmente não viveu para ver seu país livre do colonialismo, escreveu certa vez:
"Onde a mente é livre de medo e a cabeça se mantém erguida… Nesse paraíso de liberdade, Pai, permita que meu país desperte."
Esse é o despertar que vemos hoje — de Kuala Lumpur a Caracas, de Gênova a Gaza.
A ordem mundial que governou nossas vidas por décadas está desmoronando. Foi construída sobre poder colonial, sustentada por dominação econômica e justificada de várias maneiras como um projeto de civilização.
Algumas nações — e algumas de suas corporações — reivindicam o direito de dominar a vida de bilhões. Elas controlam nossos recursos, nosso trabalho, nossas notícias e até mesmo nossa imaginação.
Mas esse sistema está em crise profunda.
A crise financeira mostrou sua arrogância.
A pandemia revelou sua fragilidade.
A emergência climática expõe suas mentiras.
E o genocídio em Gaza evidencia sua falência moral.
Quando os poderosos falam sobre uma "ordem internacional baseada em regras", eles querem dizer regras para outros e impunidade para si mesmos.
Não há teste mais claro de nossa consciência moral e política do que a Palestina.
Por mais de dois anos, o mundo assistiu Israel travar uma guerra de aniquilação contra o povo de Gaza.
Dezenas de milhares, provavelmente várias centenas de milhares, mortos.
Famílias inteiras eliminadas.
Todos os hospitais bombardeados. Crianças enterradas sob escombros de escolas e casas.
Na semana passada, recebemos a notícia de um cessar-fogo, embora ainda não se saiba se Israel cumprirá seus termos. Sim, nos alegramos ao ver crianças comemorando em Gaza. Mas também choramos pelas crianças cujo riso está para sempre enterrado sob os escombros.
Um cessar-fogo é uma trégua. Mas não é paz duradoura. Devemos continuar a fazer campanha contra a limpeza étnica. Contra o apartheid. Contra o domínio colonial.
Não cabe a Donald Trump, Benjamin Netanyahu ou Tony Blair determinar o futuro de Gaza. Isso depende do povo palestino.
Nos próximos meses e anos, vamos ver a proporção verdadeira de morte e destruição. E vamos aprender mais sobre a cumplicidade de governos em todo o mundo.
Não estamos apenas testemunhando um crime grave e grotesco contra o povo palestino — estamos testemunhando um crime contra a própria humanidade. O genocídio lança um ataque à nossa humanidade comum.
E, no entanto, os governos que afirmam defender direitos humanos — Grã-Bretanha, Estados Unidos, União Europeia — têm armado, financiado e justificado essa atrocidade.
O silêncio do poder tem sido ensurdecedor.
Mas a voz do povo nunca foi tão alta.
Milhões marcharam nas ruas.
Estudantes tomaram as universidades.
Trabalhadores se recusaram a transportar armas.
Jornalistas, artistas e líderes religiosos arriscaram suas carreiras para falar a verdade.
E países do Sul Global se manifestaram, enquanto as velhas potências foram, na melhor das hipóteses, cúmplices e, na pior, participantes ativas do massacre desenfreado.
África do Sul, Malásia, Colômbia e outros se arriscaram ao falar por nossa humanidade comum. A criação do Grupo de Haia marca um passo histórico: uma coalizão de nações em defesa do direito internacional abandonado pelo Norte.
Permitam-me dizer claramente: o povo de Gaza não está sozinho. Sua luta pela liberdade faz parte de uma luta mais ampla — por um mundo onde nenhum povo vive sob ocupação, nenhuma criança tem a dignidade negada e nenhuma terra é tratada como descartável.
O que estamos vendo hoje é um despertar, ou melhor, um renascer do Sul.
Porque a luta pela soberania não é nova.
Foi o sonho que impulsionou os movimentos de libertação nacional do século vinte — quando os povos da Ásia, África e América Latina se levantaram para reivindicar suas terras, seu trabalho e sua dignidade.
Da independência da Índia à revolução da Indonésia, da Conferência de Bandung aqui na Ásia às lutas de libertação da África, as nações do Sul se uniram uma vez para dizer: vamos governar a nós mesmos.
Mas esse sonho foi traído — não pela coragem do povo, mas pelas estruturas de poder global que substituíram a bandeira colonial por amarras econômicas.
Dívida, dependência e comércio desigual mantiveram muitas nações em um novo tipo de subordinação.
Como Frantz Fanon escreveu certa vez: "Cada geração deve, na relativa obscuridade, descobrir sua missão, cumpri-la ou traí-la."
Agora, uma nova geração redescobriu essa missão — a missão da verdadeira soberania, da liberdade em todos os sentidos da palavra.
Governos, movimentos e comunidades estão afirmando mais uma vez seu direito à autodeterminação — para controlar seus recursos, construir indústrias que sirvam ao povo e proteger sua terra e cultura.
Em todo o Sul Global, ouvimos a mesma mensagem: Chega. Chega de dívida imposta por bancos estrangeiros. Chega de imposições econômicas de Washington e Bruxelas. Chega de soberania como privilégio reservado a poucos. Esse despertar não é apenas sobre governos; é sobre pessoas.
A verdadeira soberania deve significar a soberania do povo — sobre recursos, trabalho, comida, água e conhecimento.
O apelo do primeiro-ministro Anwar por uma nova ordem vinda do Sul se refere diretamente a esse renascimento. Não é nostalgia do passado — é uma renovação de sua promessa: construir um mundo em que cada nação e cada pessoa possa viver com dignidade, livre de dominação.
Ao mesmo tempo, algo extraordinário está acontecendo no Norte.
As pessoas estão se opondo a um sistema que não as representa.
Na Itália, trabalhadores entraram em greve geral pela Palestina, recusando-se a ser cúmplices do genocídio. Na Grã-Bretanha, centenas de milhares marcharam por Londres pela paz, semana após semana, apesar da difamação do seu próprio governo — e agora 1.500 pessoas foram presas sob acusações de terrorismo, inclusive muitos aposentados e pessoas com deficiência, por segurarem cartazes com as frases: “Eu me oponho ao genocídio Eu apoio a Ação Palestina”. Nos Estados Unidos e na Europa, estudantes tomaram os campus universitários, declarando: “Não em nosso nome.”
Esses não são atos isolados.
Eles fazem parte de um despertar mais profundo — uma compreensão de que nossas sociedades são governadas não pela democracia, mas pela riqueza.
Por corporações que lucram com guerra, poluição e exploração, enquanto a maioria luta para pagar contas e manter a casa aquecida.
Isso também é um despertar: um despertar popular por democracia, justiça e paz.
E pode falar na mesma linguagem moral do despertar do Sul: a linguagem da solidariedade humana.
Quando a soberania no Sul encontra a solidariedade no Norte, começamos a construir um novo tipo de internacionalismo. Não a velha globalização imperial, mas um internacionalismo popular, “uma diplomacia dos povos”, nas palavras da declaração política da Internacional Progressista, no Conselho da qual faço parte.
Tenho orgulho de trabalhar com a Internacional Progressista, que existe para construir essa ponte — entre trabalhadores e governos, movimentos sociais e parlamentos, agricultores e feministas, artistas e acadêmicos — através de todas as fronteiras.
Junto com o Grupo de Haia, defendemos os princípios do direito internacional — não como uma arma dos fortes, mas como o escudo dos fracos.
O internacionalismo não é um slogan. É uma prática. Significa permanecer juntos, compartilhar recursos, aprender uns com os outros e se recusar a ser separado por raça, religião ou geografia.
Como já disse muitas vezes: nossa maior força é a união e nosso maior inimigo é o desespero.
Encerramento: esperança, liderança moral e o mundo no futuro
Este é um momento histórico. Como um grande italiano disse uma vez, a velha ordem está se desintegrando — mas a nova ainda não nasceu. A questão é quem vai construí-la: os bilionários e generais ou as pessoas e movimentos que acreditam em paz e justiça.
O mundo pelo qual lutamos é simples:
Onde toda criança pode viver livre do medo.
Onde as nações cooperam, em vez de competir. Onde a própria terra é cuidada — suas florestas, rios e ecossistemas protegidos para as gerações futuras.
Onde a riqueza serve à humanidade, e não o contrário.
Onde muitos, não poucos, decidem nosso futuro comum.
E assim, vamos dar as mãos em todos os continentes – o despertar do Sul e o despertar do Norte – para construir um mundo de soberania e solidariedade.
A Malásia mostrou o caminho: coragem moral diante do império e fé no poder da humanidade.
Terminemos como começamos — com as palavras de Tagore, ditas há mais de um século, mas ainda vivas em nossos corações hoje: “Onde a mente é livre de medo e a cabeça se mantém erguida… Nesse paraíso de liberdade, Pai, permita que meu país desperte.” Permita que nosso povo desperte.
Permita que nossos países despertem.
Permita que nosso mundo desperte.
Um mundo para muitos — não para poucos.