Os militares do Reino Unido tinham até nove soldados “ajudando” a polícia colombiana um mês antes desta lançar uma repressão brutal contra manifestantes antigoverno que deixou 63 mortos.
Contudo, o Ministério da Defesa se recusou a revelar a natureza da assistência e informar à Declassified se pessoal do Reino Unido continuou colaborando com a polícia colombiana durante a repressão.
Esta é a primeira vez que o Ministério revela a existência do seu programa de polícia na Colômbia.
Desde o final de abril, os protestos, que começaram contra uma proposta de reforma tributária do governo, tomaram o país sul-americano, deixando 63 mortos, segundo a Human Rights Watch.
A Anistia Internacional relatou “repressão policial contra manifestações pacíficas” em várias cidades da Colômbia. Acrescentou que “a polícia tem usado a força de forma indiscriminada e desproporcional, e há relatos alarmantes de violência sexual e de desaparecimentos”.
Wendy Morton, ministra de Relações Exteriores responsável pelas Américas, disse ao Parlamento em março, um mês antes da irrupção dos protestos: “Menos de 10 membros das Forças Armadas do Reino Unido estão instalados na Colômbia para apoiar a polícia colombiana”.
No ano passado, em resposta a um pedido de acesso à informação, o Ministério disse à Declassified que o exército do Reino Unido tinha “até cinco” militares destacados na Colômbia. No entanto, recusou-se a dizer qual era o seu papel, uma vez que “prejudicaria a segurança do pessoal do Reino Unido servindo no estrangeiro”.
Porém, após ser notificado do reconhecimento do Ministério das Relações Exteriores em março, o Ministério da Defesa disse à Declassified que “as Forças Armadas do Reino Unido apoiaram várias autoridades, incluindo a polícia colombiana”.
A Declassified julga que os militares do Reino Unido não apoiaram nenhuma unidade da polícia colombiana envolvida na resposta aos protestos recentes, e não forneceu treinamento ou assistência em ordem pública ou controle de multidão.
Recentemente, a Declassified revelou que a Agência Nacional do Crime (NCA) do Reino Unido também treinou a polícia colombiana em um programa multimilionário de cinco anos que está igualmente envolto em sigilo. A NCA é blindada contra as leis de transparência britânicas.
Morton disse também ao Parlamento que os militares britânicos alocados na Colômbia apóiam as forças armadas do país, bem como a polícia, incluindo “apoio ao desenvolvimento de capacidades” no Ministério da Defesa colombiano.
Há muito tempo há uma estreita cooperação militar entre o Reino Unido e a Colômbia, em meio ao terrível histórico de direitos humanos das forças armadas deste país.
Uma investigação recente apurou que o Exército colombiano foi responsável por 6.402 execuções extrajudiciais de civis entre 2002 e 2008, durante a repressão aos rebeldes de esquerda no país.
Pessoas vulneráveis, muitas vezes homens jovens pobres, foram assassinados e falsamente apresentados como combatentes inimigos, a fim de melhorar a percepção pública da luta do exército contra o movimento de guerrilha das FARC e obter as recompensas oferecidas às unidades militares que alcançassem uma alta contagem de corpos.
Em maio, o presidente colombiano Ivan Duque enviou tropas a uma província do oeste do país e sua capital, que foi colocada sob toque de recolher.
“A partir desta noite começa a implantação máxima de assistência militar para a polícia nacional de Cali e na província de Valle”, disse Duque, referindo-se à principal cidade do sudoeste do país. Ele acrescentou que os militares estavam sendo usados para impedir “vandalismo, agitação” e para proteger “ativos estratégicos”.
Os protestos começaram contra o aumento de impostos, e depois exigiram medidas contra a corrupção, a desigualdade, a brutalidade policial e o impacto econômico da pandemia do coronavírus, que deixou mais de 40% dos colombianos sobrevivendo com menos de 90 dólares por mês.
No ano passado, militares colombianos participaram de cinco cursos da área no Reino Unido, incluindo “Construindo integridade para líderes superiores”, para oficiais militares de uma e duas estrelas.
No ano anterior, seis cursos foram ministrados para militares colombianos, entre eles o “Curso avançado de comando e equipe”, que inclui “planejamento de operações”.
Pelo menos dois oficiais do exército colombiano foram treinados em academias militares britânicas. Em 2018, um segundo-tenente completou um ano de treinamento na academia militar de Sandhurst e, em 2019, um oficial da Marinha concluiu 11 meses de treinamento na academia naval de Dartmouth.
Não se sabe se algum soldado colombiano treinado no Reino Unido está agora destacado em Cali.
Os requerimentos de acesso à informação revelam que nos seis anos até 2020, 309 alunos colombianos haviam estudado na Academia de Defesa do Reino Unido e nas faculdades que a constituem. A academia faz parte do Ministério de Defesa e treina pessoal do exército e do serviço civil britânicos, bem como do exterior.
Um porta-voz do Ministério disse à Declassified: “Todo o compromisso e treinamento de defesa fornecidos à Colômbia são projetados para educar, quando necessário, sobre as melhores práticas e a observância do Direito Internacional Humanitário”.
E acrescentou: “As avaliações do impacto potencial da prestação de assistência são atualizadas periodicamente, ou sempre que há novas preocupações em relação aos direitos humanos ou à observância do Direito Internacional Humanitário.”
A ajuda britânica também se estendeu aos serviços de inteligência da Colômbia. MI6, a agência de inteligência externa do Reino Unido, “esteve fortemente envolvida na criação” das chamadas “unidades examinadas” de agentes de inteligência colombianos, de acordo com um artigo de 2016 da BBC.
Ele acrescenta: “O MI6 também ajudou a Colômbia a estabelecer centros de espionagem eletrônica, gravando conversas incriminatórias”.
Em 2018, o exército colombiano realizou uma operação de espionagem ilegal de mais de 130 pessoas, incluindo políticos, ONGs, sindicalistas e jornalistas internacionais.
Uma autoridade britânica disse recentemente: “Compartilhamos as preocupações sobre denúncias de violações de direitos humanos em relação aos protestos, e saudamos o compromisso do governo colombiano de conduzir investigações transparentes sobre todas as alegações do uso excessivo da força”.
Desde o início de 2016, o Reino Unido autorizou a exportação para a Colômbia de equipamentos militares ou de “uso duplo” (militar e civil) no valor de 28 milhões de libras (38 milhões de dólares). Isso inclui 1,5 milhão de libras (2 milhões de dólares) em armas leves, artilharia, armas pequenas e munição.
O governo do Reino Unido afirma recusar a exportação de armas quando há “risco de contribuir para tensões internas ou conflitos no país destinatário”.
No entanto, encomendou um relatório em 2018 que concluiu que o Estado e os militares colombianos cometeram “violações e abusos massivos dos direitos humanos”, levando à “transgressão sistemática do direito internacional humanitário”.
No ano seguinte, o governo do Reino Unido convidou a Colômbia a comprar armas na DSEI, feira de defesa apelidada de “festival da violência”, que reúne negociantes de armas e delegações militares de todo o mundo.
Em 2020, o governo britânico fez da Colômbia um dos seus principais mercados de venda de armas e selou todos os 30 pedidos feitos de licença de exportação, no valor de 2,5 milhões de libras (3,4 milhões de dólares), apesar de colocá-la entre os "países prioritários de direitos humanos" no mesmo ano.
Em maio, em resposta à pressão de parlamentares sobre a exportação de armas britânicas para a Colômbia, a ministra de Relações Exteriores, Wendy Morton, defendeu tal política alegando que o governo do Reino Unido opera “um dos regimes de controle de exportação de armas mais vigorosos do mundo”.
Morton havia sido co-tesoureira do Grupo Parlamentar para as Forças Armadas, que recebeu financiamento de exportadores de armas, incluindo a gigante de armamentos BAE Systems, enquanto ela estava no cargo.
A BAE desfruta de uma “relação estreita” com a Colômbia, e vendeu ao governo artilharia, veículos aéreos não tripulados, sistemas de radar e canhões. Também participou de uma feira de armas em Bogotá, em 2019.
Hasan Dodwell, diretor da ONG Justice for Colombia, com sede em Londres, disse à Declassified: “Ao longo da longa e sangrenta história de abusos dos direitos humanos na Colômbia, a Grã-Bretanha tem sido uma aliada militar próxima. Enquanto a polícia colombiana mata manifestantes nas cidades e o Exército mata manifestantes no campo, a parceria continua.”
Ele acrescentou: “Em vez de dar treinamento e fornecer armamentos, o governo britânico deveria usar sua influência para condenar a violência das forças de segurança colombianas e exigir respeito total ao direito de manifestação e o fim das violações dos direitos humanos”.
O Ministério de Relações Exteriores do Reino Unido não respondeu a um pedido de comentário.
Matt Kennard é chefe de Investigações da Declassified UK, organização de jornalismo investigativo que cobre o papel do Reino Unido no mundo. Molly Antigone Hall é uma jornalista investigativa residente em Barcelona, Espanha, que escreve para o La Vanguardia.
Foto: Oxi.Ap / Flickr