Em 2020, depois de ter sido acusado de participar no planejamento do golpe que removeu Evo Morales da presidência da Bolívia, Musk postou em seu Twitter: “Daremos golpes em quem quisermos! Melhor aceitarem isso!”, reafirmando o seu interesse nas reservas bolivianas de lítio - um mineral utilizado como base para as baterias propulsoras dos carros elétricos da Tesla. Mas não só o lítio é necessário para a produção dos carros elétricos, as baterias também precisam de níquel. Conforme relatório do “Observatório da Mineração”, a Vale S.A., que extrai o níquel em terras indígenas do Canadá, que lucra com o projeto Onça Puma no Pará e que contamina os rios dos povos indígenas Xikrin, surgiu como uma parceira recente de Musk. O contrato de longo prazo com a Vale é um passo decisivo para garantir o suprimento para os veículos da Tesla e a expansão programada de 50% na produção. Detalhes adicionais não foram fornecidos pela Vale nem por Musk.
A companhia mineradora brasileira, privatizada nos anos 1990, produzirá cento e noventa toneladas de níquel em 2022. Cerca de 5% vão para o mercado de veículos elétricos, mas a meta é alcançar 40% no médio prazo.
De acordo com a Bloomberg, a gigante mineradora confirmou o acordo de longo prazo e disse que o abastecimento da Tesla irá cobrir cerca de 30% a 40% das vendas de minério.
O mapa de conflitos e de injustiça ambiental no Brasil mostra que a Vale continua em busca de novos projetos de mineração na Amazônia.
Os kayapó Xikrin do Caeté (que se autodenominam Mebengôkre) denunciaram a destruição do rio Caeté no estado do Pará, um elemento econômico, cultural e simbólico para a vida daquela população, contaminado por metais pesados que prejudicam a saúde das comunidades indígenas. Os Xikrin denunciaram a ocorrência de sintomas causados pelo excesso de níquel, tais como câncer nas cavidades nasais e pulmonares, lesões cutâneas alérgicas, eczema, dermatites e dermatoses, rinite e sinusite, conjuntivite alérgica, distúrbios adrenais e na tireóide, aumento das imunoglobulinas IgG, IgA e IgM e diminuição da IgE, náuseas, vômito, palpitações, fraqueza, vertigem, dores de cabeça e epilepsia. O excesso de ferro causa hemocromatose com o acúmulo desse metal no fígado e no pâncreas, causando cirrose e diabetes.
As companhias mineradoras e Musk não parecem preocupados com essa crise de saúde entre os indígenas, e o pior ainda está por vir; a projeção de mercado é que a demanda por níquel cresça dezenove vezes até o ano de 2040, embora alguns analistas apontem para um cenário de escassez em 2026.
Bolsonaro parece disposto a permitir que uma empresa de Musk assuma o monitoramento da região rica em níquel e que historicamente sofre com a mineração ilegal. Depois do seu endosso ao golpe na Bolívia, que massacrou trinta e sete pessoas (em sua maioria indígenas), é provável que Musk não tenha praticamente nenhuma preocupação com a destruição de povos indígenas.
O lítio é chave para os interesses de Musk no Brasil. Apesar de a maioria do lítio sul-americano estar concentrado na Bolívia e na Argentina, o Brasil possui 8% das reservas internacionais, o que torna a presença dele neste país potencialmente ainda mais lucrativa.
Musk anunciou a inauguração no Brasil de uma empresa capaz de conectar dezenove mil escolas em áreas rurais e de monitorar o território amazônico. O leilão 5G no Brasil definiu objetivos de inclusão digital para escolas em localidades remotas. A gestão ficaria a cargo do Ministério da Educação, mas como Musk conseguiu modificar isso tão facilmente permanece um mistério, e mais importante ainda, por que o governo Bolsonaro não abriu licitações? Fábio Faria, ministro das Comunicações, desde novembro de 2021 se ufana dos contratos fechados com o bilionário sul-africano e, durante uma visita aos Estados Unidos naquele mês, Faria visitou a fábrica da SpaceX na Califórnia e se encontrou com a diretora de operações da empresa, Gwynne Shotwell. A reunião com Musk aconteceu no Texas. Em janeiro, a empresa de Musk foi autorizada pela Agência Nacional de Telecomunicações (ANATEL) a operar no Brasil. Com isso, ela será capaz de oferecer seus serviços de cobertura por satélite em todo o território brasileiro. O contrato de Musk é válido até 2027.
Esse contato inicial com Musk foi tão comemorado que naquela madrugada o ministro das Comunicações Fábio Faria, anunciou em seu Twitter que estava tentando uma parceria com o bilionário sul-sfricano Elon Musk. De acordo com o ministro, o objetivo era conectar as escolas rurais e “proteger” a Amazônia. No entanto, isso não faz o menor sentido, uma vez que o governo Bolsonaro tem feito o possível para enfraquecer os mecanismos existentes para monitorar a destruição da Amazônia. A administração federal atual foi responsável pelo desmonte do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE) e é um alvo frequente de críticas devido aos cortes promovidos nas pesquisas científicas.
O desmonte do INPE pela administração atual começou em 2019, quando imagens aéreas obtidas pelo instituto mostraram o progresso acelerado do desmatamento na Amazônia. O então diretor, Ricardo Galvão, foi demitido em agosto daquele ano, por ter respondido às acusações de Bolsonaro de que o INPE estava mentindo sobre o desmatamento da Amazônia.
De várias maneiras o Instituto de Pesquisas Espaciais atingiu o maior estado de penúria em toda a sua história na era de Bolsonaro. Cortes orçamentários sucessivos nos últimos anos ceifaram boa parte da força de trabalho, ameaçando pesquisas de ponta e programas fundamentais para o país, incluindo os serviços de monitoramento por satélite dos grandes biomas, como o da Amazônia. Bolsonaro chamou os dados do instituto de “mentiras” porque indicavam um aumento de 88% no desmatamento. Então, teoricamente, não faria sentido para Bolsonaro dizer que ele deseja um monitoramento melhor realizado pelo setor privado na Amazônia, a não ser que tal monitoramento seja para não revelar a realidade da destruição ambiental, e sim para atender a interesses pessoais e corporativos.
De todo modo, o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE) atingiu o estágio máximo de penúria de sua história na era Bolsonaro. O bilionário sul-fricano recebeu uma medalha de honra do ministro da Defesa, Paulo Sérgio, e do presidente Jair Bolsonaro. Em um discurso (feito em inglês para um público de empresários e políticos brasileiros) durante o evento, o ministro das Comunicações explicou o motivo da premiação. “Elon está aqui para fazer algo concreto para ajudar a Amazônia, e por isso receberá uma medalha de honra.”
Faria usou ainda seu discurso para elogiar o bilionário: “Você é um visionário, brilhante. Todos o amam aqui no Brasil.” Musk, que estava de pé ao lado do ministro, respondeu que também amava o Brasil.
Mas a ironia é que a inovação e a visão tecnológicas são sumariamente punidas pelo governo atual. As áreas de pesquisa sofreram um golpe severo. O Ministério da Ciência e Tecnologia teve um corte orçamentário de 87%, surpreendendo os milhares de pesquisadores que perderam recursos para continuar seus estudos.
Durante o encontro com Elon Musk, Bolsonaro disse que sua intenção na compra do Twitter era um “sopro de esperança”. Em seu discurso, o presidente disse que acreditava que, com Musk no comando da rede social, o Twitter investiria ainda mais na liberdade de expressão - Bolsonaro e seus apoiadores questionam algumas atitudes da plataforma, tais como a remoção de postagens, a adição de observações sobre “fake news” e até o banimento de usuários.
Espalhar informações falsas é uma marca de Bolsonaro na utilização das mídias sociais, e um dos momentos mais notáveis foi durante a pandemia, quando ele disseminou o negacionismo sobre o vírus e tentou a todo custo empurrar a cloroquina como tratamento para o COVID-19. Musk foi um dos primeiros, junto com o ex-presidente Donald Trump, a fazer o mesmo. Além disso, o empresário é assumidamente contrário ao modelo de moderação das mídias sociais. Tanto nos Estados Unidos, onde Musk tem seus negócios, quanto no Brasil, a plataforma é constantemente acusada de censurar o discurso político. A resposta de Elon Musk é a redução da moderação de conteúdo das mídias ao mínimo definido por lei.
Esta perspectiva assume que só é válida a liberdade de expressão garantida legalmente. O fato é que reduzir a liberdade de expressão ao “mínimo” legal necessariamente implica em conflito com autoridades em todo o mundo. Os países possuem diferentes concepções legais sobre a liberdade de expressão, mas para a extrema direita essa liberdade significa poder propagar abertamente conteúdo persecutório contra indivíduos ou grupos específicos de um modo ofensivo e até mesmo perigoso. Que é algo que ela claramente deseja, e não só isso, mas poder usar as redes sociais para manipular informações, o mercado e até as eleições…
Bolsonaro, o seu governos e seus seguidores têm empregado as redes sociais para ameaçar o sistema eleitoral brasileiro e colocar em dúvida a legitimidade das próximas eleições, a despeito das diversas agências governamentais, e até mesmo de estrangeiros assegurarem a legitimidade do processo democrático no Brasil. A derrota eleitoral iminente está levando Bolsonaro a utilizar táticas golpistas, e a tentar replicar as estratégias de seu ídolo, Donald Trump, com a invasão do Capitólio. Embora malsucedido, Trump usou as mídias sociais para instigar e radicalizar seus apoiadores, e por esse motivo foi banido do Twitter.
A aproximação de Musk com Bolsonaro em um ano de eleições é preocupante. Bolsonaro está atrás do candidato do Partido dos Trabalhadores (PT), o ex-presidente Lula, em todas as pesquisas, e está desesperado, tentando reconquistar o apoio que teve no passado dos setores mais ricos da sociedade brasileira. A sua associação com Musk é chave para que isso aconteça. O sul-africano teve reuniões obscuras com empresários e empresas multinacionais em atividade no país nas áreas de telecomunicações, agronegócio, mineração, finanças e até mesmo a indústria farmacêutica, todos com históricos problemáticos.
Com Jair Bolsonaro, que já saudou a bandeira dos Estados Unidos e falou sobre a exploração dos recursos da Amazônia em parceria com os estadunidenses durante a administração Trump, Musk se beneficiou da subordinação do presidente de extrema direita ao capital estrangeiro.
Bolsonaro alega defender a Amazônia, mas viajou para o hotel onde o bilionário se hospedou no interior de São Paulo para oferecer as riquezas do país, enquanto o povo brasileiro luta contra o que Eduardo Galeano descreveu em seu clássico Veias abertas da América Latina:
“Aqueles que venceram só puderam vencer porque nós perdemos: a história do subdesenvolvimento na América Latina integra a história do desenvolvimento do capitalismo mundial. Nossa derrota sempre esteve implícita na vitória dos outros. Nossas riquezas sempre geraram a nossa pobreza, por nutrir a prosperidade dos outros: os impérios e seus agentes nativos.”
Nathalia Urban é uma jornalista independente e analista política anti-imperialista.