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O Novo Jogo Neocolonial por Trás do Encontro Musk-Bolsonaro

Há muito mais por trás do encontro bizarro entre o bilionário Sul-africano Elon Musk e o presidente neofascista brasileiro Jair Bolsonaro do que se possa supor.
A visita do homem mais rico do mundo ao Brasil de Bolsonaro em um ano eleitoral foi oficialmente parte do lançamento de um projeto envolvendo a rede de satélites da Starlink e Space X. O projeto promete acesso à internet de alta velocidade em áreas remotas. Em uma postagem no Twitter, Musk afirma que o projeto irá conectar dezenove mil escolas em áreas rurais e monitorar a Amazônia. No entanto, não foi explicado como isso será feito, o que deixou uma suspeita e temores de que este homem possa ter em mãos o controle tecnológico da maior reserva florestal do mundo e tudo o que ela contém (inclusive o seu subsolo).

O golpe do lítio, Parte 2?

Em 2020, depois de ter sido acusado de participar no planejamento do golpe que removeu Evo Morales da presidência da Bolívia, Musk postou em seu Twitter: “Daremos golpes em quem quisermos! Melhor aceitarem isso!”, reafirmando o seu interesse nas reservas bolivianas de lítio - um mineral utilizado como base para as baterias propulsoras dos carros elétricos da Tesla. Mas não só o lítio é necessário para a produção dos carros elétricos, as baterias também precisam de níquel. Conforme relatório do “Observatório da Mineração”, a Vale S.A., que extrai o níquel em terras indígenas do Canadá, que lucra com o projeto Onça Puma no Pará e que contamina os rios dos povos indígenas Xikrin, surgiu como uma parceira recente de Musk.  O contrato de longo prazo com a Vale é um passo decisivo para garantir o suprimento para os veículos da Tesla e a expansão programada de 50% na produção. Detalhes adicionais não foram fornecidos pela Vale nem por Musk.

A companhia mineradora brasileira, privatizada nos anos 1990, produzirá cento e noventa toneladas de níquel em 2022. Cerca de 5% vão para o mercado de veículos elétricos, mas a meta é alcançar 40% no médio prazo.

De acordo com a Bloomberg, a gigante mineradora confirmou o acordo de longo prazo e disse que o abastecimento da Tesla irá cobrir cerca de 30% a 40% das vendas de minério.

O mapa de conflitos e de injustiça ambiental no Brasil mostra que a Vale continua em busca de novos projetos de mineração na Amazônia.

Os kayapó Xikrin do Caeté (que se autodenominam Mebengôkre) denunciaram a destruição do rio Caeté no estado do Pará, um elemento econômico, cultural e simbólico para a vida daquela população, contaminado  por metais pesados que prejudicam a saúde das comunidades indígenas.  Os Xikrin denunciaram a ocorrência de sintomas causados pelo excesso de níquel, tais como câncer nas cavidades nasais e pulmonares, lesões cutâneas alérgicas, eczema, dermatites e dermatoses, rinite e sinusite, conjuntivite alérgica, distúrbios adrenais e na tireóide, aumento das imunoglobulinas IgG, IgA e IgM e diminuição da IgE, náuseas, vômito, palpitações, fraqueza, vertigem, dores de cabeça e epilepsia. O excesso de ferro causa hemocromatose com o acúmulo desse metal no fígado e no pâncreas, causando cirrose e diabetes.

As companhias mineradoras e Musk não parecem preocupados com essa crise de saúde entre os indígenas, e o pior ainda está por vir; a projeção de mercado é que a demanda por níquel cresça dezenove vezes até o ano de 2040, embora alguns analistas apontem para um cenário de escassez em 2026.

Bolsonaro parece disposto a permitir que uma empresa de Musk assuma o monitoramento da região rica em níquel e que historicamente sofre com a mineração ilegal. Depois do seu endosso ao golpe na Bolívia, que massacrou trinta e sete pessoas (em sua maioria indígenas), é provável que Musk não tenha praticamente nenhuma preocupação com a destruição de povos indígenas.

O lítio é chave para os interesses de Musk no Brasil. Apesar de a maioria do lítio sul-americano estar concentrado na Bolívia e na Argentina, o Brasil possui 8% das reservas internacionais, o que torna a presença dele neste país potencialmente ainda mais lucrativa.

Cortes propositais na tecnologia Nacional

Musk anunciou a inauguração no Brasil de uma empresa capaz de conectar dezenove mil escolas em áreas rurais e de monitorar o território amazônico. O leilão 5G no Brasil definiu objetivos de inclusão digital para escolas em localidades remotas. A gestão ficaria a cargo do Ministério da Educação, mas como Musk conseguiu modificar isso tão facilmente permanece um mistério, e mais importante ainda, por que o governo Bolsonaro não abriu licitações? Fábio Faria, ministro das Comunicações,  desde novembro de 2021 se ufana  dos contratos fechados com o bilionário sul-africano e, durante uma visita aos Estados Unidos naquele mês, Faria visitou a fábrica da SpaceX na Califórnia e se encontrou com a diretora de operações da empresa, Gwynne Shotwell. A reunião com Musk aconteceu no Texas.  Em janeiro, a empresa de Musk foi autorizada pela Agência Nacional de Telecomunicações (ANATEL) a operar no Brasil. Com isso, ela será capaz de oferecer seus serviços de cobertura por satélite em todo o território brasileiro. O contrato de Musk é válido até 2027.

Esse contato inicial com Musk foi tão comemorado que naquela madrugada o ministro das Comunicações Fábio Faria, anunciou em seu Twitter que estava tentando uma parceria com o bilionário sul-sfricano Elon Musk. De acordo com o ministro, o objetivo era conectar as escolas rurais e “proteger” a Amazônia. No entanto, isso não faz o menor sentido, uma vez que o governo Bolsonaro tem feito o possível para enfraquecer os mecanismos existentes para monitorar a destruição da Amazônia. A administração federal atual foi responsável pelo desmonte do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE) e é um alvo frequente de críticas devido aos cortes promovidos nas pesquisas científicas.

O desmonte do INPE pela administração atual começou em 2019, quando imagens aéreas obtidas pelo instituto mostraram o progresso acelerado do desmatamento na Amazônia. O então diretor, Ricardo Galvão, foi demitido em agosto daquele ano, por ter respondido às acusações de Bolsonaro de que o INPE estava mentindo sobre o desmatamento da Amazônia.

De várias maneiras o Instituto de Pesquisas Espaciais atingiu o maior estado de penúria em toda a sua história na era de Bolsonaro. Cortes orçamentários sucessivos nos últimos anos ceifaram boa parte da força de trabalho, ameaçando pesquisas de ponta e programas fundamentais para o país, incluindo os serviços de monitoramento por satélite dos grandes biomas, como o da Amazônia. Bolsonaro chamou os dados do instituto de “mentiras” porque indicavam um aumento de 88% no desmatamento. Então, teoricamente, não faria sentido para Bolsonaro dizer que ele deseja um monitoramento melhor realizado pelo setor privado na Amazônia, a não ser que tal monitoramento seja para não revelar a realidade da destruição ambiental, e sim para atender a interesses pessoais e corporativos.

De todo modo, o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE) atingiu o estágio máximo de penúria de sua história na era Bolsonaro. O bilionário sul-fricano recebeu uma medalha de honra do ministro da Defesa, Paulo Sérgio, e do presidente Jair Bolsonaro. Em um discurso (feito em inglês para um público de empresários e políticos brasileiros) durante o evento, o ministro das Comunicações explicou o motivo  da premiação. “Elon está aqui para fazer algo concreto para ajudar a Amazônia, e por isso receberá uma medalha de honra.”

Faria usou ainda seu discurso para elogiar o bilionário: “Você é um visionário, brilhante. Todos o amam aqui no Brasil.” Musk, que estava de pé ao lado do ministro, respondeu que também amava o Brasil.

Mas a ironia é que a inovação e a visão tecnológicas são sumariamente punidas pelo governo atual. As áreas de pesquisa sofreram um golpe severo. O Ministério da Ciência e Tecnologia teve um corte orçamentário de 87%, surpreendendo os milhares de pesquisadores que perderam recursos para continuar seus estudos.

Liberdade para odiar

Durante o encontro com Elon Musk, Bolsonaro disse que sua intenção na compra do Twitter era um “sopro de esperança”. Em seu discurso, o presidente disse que acreditava que, com Musk no comando da rede social, o Twitter investiria ainda mais na liberdade de expressão - Bolsonaro e seus apoiadores questionam algumas atitudes da plataforma, tais como a remoção de postagens, a adição de observações sobre “fake news” e até o banimento de usuários.

Espalhar informações falsas é uma marca de Bolsonaro na utilização das mídias sociais, e um dos momentos mais notáveis foi durante a pandemia, quando ele disseminou o negacionismo sobre o vírus e tentou a todo custo empurrar a cloroquina como tratamento para o COVID-19. Musk foi um dos primeiros, junto com o ex-presidente Donald Trump, a fazer o mesmo. Além disso, o empresário é assumidamente contrário ao modelo de moderação das mídias sociais. Tanto nos Estados Unidos, onde Musk tem seus negócios, quanto no Brasil, a plataforma é constantemente acusada de censurar o discurso político. A resposta de Elon Musk é a redução da moderação de conteúdo das mídias ao mínimo definido por lei.

Esta perspectiva assume que só é válida a liberdade de expressão garantida legalmente. O fato é que reduzir a liberdade de expressão ao “mínimo” legal necessariamente  implica em conflito com autoridades em todo o mundo. Os países possuem diferentes concepções legais sobre a liberdade de expressão, mas para a extrema direita essa liberdade significa poder propagar abertamente conteúdo persecutório contra indivíduos ou grupos específicos de um modo ofensivo e até mesmo perigoso. Que é algo que ela claramente deseja, e não só isso, mas poder usar as redes sociais para manipular informações, o mercado e até as eleições…

Bolsonaro, o seu governos e seus seguidores têm empregado as redes sociais para ameaçar o sistema eleitoral brasileiro e colocar em dúvida a legitimidade das próximas eleições, a despeito das diversas agências governamentais, e até mesmo de estrangeiros assegurarem a legitimidade do processo democrático no Brasil. A derrota eleitoral iminente está levando Bolsonaro a utilizar táticas golpistas, e a tentar replicar as estratégias de seu ídolo, Donald Trump, com a invasão do Capitólio. Embora malsucedido, Trump usou as mídias sociais para instigar e radicalizar seus apoiadores, e por esse motivo foi banido do Twitter.

A aproximação de Musk com Bolsonaro em um ano de eleições é preocupante. Bolsonaro está atrás do candidato do Partido dos Trabalhadores (PT), o ex-presidente Lula, em todas as pesquisas, e está desesperado, tentando reconquistar o apoio que teve no passado dos setores mais ricos da sociedade brasileira. A sua associação com Musk é chave para que isso aconteça. O sul-africano teve reuniões obscuras com empresários e empresas multinacionais em atividade no país nas áreas de telecomunicações, agronegócio, mineração, finanças e até mesmo a indústria farmacêutica, todos com históricos problemáticos.

Com Jair Bolsonaro, que já saudou a bandeira dos Estados Unidos e falou sobre a exploração dos recursos da Amazônia em parceria com os estadunidenses  durante a administração Trump, Musk se beneficiou da subordinação do presidente de extrema direita ao capital estrangeiro.

Bolsonaro alega defender a Amazônia, mas viajou para o hotel onde o bilionário  se hospedou no interior de São Paulo para oferecer as riquezas do país, enquanto o povo brasileiro luta contra o que Eduardo Galeano descreveu em seu clássico Veias abertas da América Latina:

“Aqueles que venceram só puderam vencer porque nós perdemos: a história do subdesenvolvimento na América Latina integra a história do desenvolvimento do capitalismo mundial. Nossa derrota sempre esteve implícita na vitória dos outros. Nossas riquezas sempre geraram a nossa pobreza, por nutrir a prosperidade dos outros: os impérios e seus agentes nativos.”

Nathalia Urban é uma jornalista independente e analista política anti-imperialista.

Available in
EnglishGermanPortuguese (Brazil)
Author
Nathalia Urban
Translators
Fábio Meneses Santos and Cristina Cavalcanti
Date
01.08.2022
Source
Original article🔗
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