Politics

“Sem a paz com o planeta, não haverá paz entre as nações.”

Discurso histórico do Presidente colombiano Gustavo Petro na Assembleia Geral das Nações Unidas
“Não existe a paz completa sem justiça social, econômica e ambiental. Também estamos em guerra com o planeta. Sem a paz com o planeta, não haverá paz entre as nações. Sem justiça social, não haverá paz social.”

Eu venho de um dos três países mais bonitos da Terra.

Há uma explosão de vida ali. Milhares de espécies multicoloridas nos mares, nos céus e na terra… Venho da terra das borboletas amarelas e da magia. Ali nas montanhas e vales de todos os tons de verde, não apenas fluem águas abundantes, como também as torrentes de sangue. Eu venho da terra da beleza ensanguentada .

Meu país não é apenas belo, é também violento.

Como pode a beleza ser conjugada com a morte, como pode a biodiversidade da vida brotar com as danças de morte e terror? Quem é o culpado de romper o encantamento através do terror? Quem ou o que é responsável por afogar a vida nas decisões rotineiras da riqueza e dos interesses? Quem nos está levando para a destruição como nação e como povo?

Meu país é belo porque tem a Floresta Amazônica, a Floresta de Chocó, as águas, a Cordilheira dos Andes, e os oceanos. Ali, naquelas florestas, o oxigênio planetário emana e o CO2 atmosférico é absorvido. Uma dessas plantas que absorvem o CO2, entre milhares de espécies, é uma das mais perseguidas da terra. A qualquer custo, sua destruição é perseguida: é uma planta amazônica, a árvore da coca, uma planta sagrada para os Incas. 

Como em uma encruzilhada paradoxal, a floresta que tenta nos salvar é, ao mesmo tempo, destruída. Para destruir as árvores da coca, pulverizam venenos, glifosato em grandes quantidades, que correm pelas águas, capturam os que a cultivam e os colocam em prisões. Na tentativa de possuir ou destruir as folhas de coca, um milhão de latino-americanos são assassinados e dois milhões de afro-americanos são presos na América do Norte. “Destruam a planta que mata”,gritam do Norte, mas a planta é apenas uma entre as milhões que morrem quando o fogo é espalhado nas florestas. Destruir a floresta, a Amazônia, tem se tornado o mote seguido por países e empresários. Não importa o grito dos cientistas batizando a floresta tropical como um dos pilares climáticos.

Para as relações de poder no mundo, a floresta e seus habitantes são culpados pela praga que os flagela. As relações de poder são flageladas pelo vício no dinheiro, para perpetuar a si mesmos, no petróleo, na cocaína e nas drogas pesadas para conseguir anestesiar-se ainda mais. Nada é mais hipócrita do que o discurso de salvar a floresta tropical. A floresta está em chamas, senhores, enquanto vocês promovem a guerra e brincam com ela. A floresta tropical, o pilar climático do mundo, desaparece com toda a vida que há nela.

A grande esponja que absorve o CO2 do planeta evapora. A floresta salvadora é vista no meu país como um inimigo a ser derrotado, como erva daninha a ser eliminada.

A coca e os camponeses que a cultivam, por não terem outra cultura para cuidar, são demonizados. Os senhores não estão interessados em meu país, exceto para jogar venenos em suas florestas, levar seus homens para a prisão e deixar suas mulheres em situação de exclusão. Vocês não estão interessados na educação das crianças, mas em matar suas florestas e extrair carvão e petróleo de suas entranhas. A esponja que absorve os venenos é inútil, preferem jogar mais venenos na atmosfera.

Nós servimos apenas para preencher o vazio e a solidão de sua própria sociedade que os leva a viver no meio das bolhas das drogas. Nós escondemos deles os seus próprios problemas que eles recusam a corrigir. É melhor declarar guerra à floresta, às suas plantas e populações. Enquanto eles deixam queimar as florestas, enquanto os hipócritas perseguem as plantas com veneno para esconder os desastres de sua própria sociedade, pedem-nos cada vez mais carvão, cada vez mais petróleo, para acalmar seu outro vício: o do consumo, do poder, do dinheiro. 

O que é mais venenoso para a humanidade, cocaína, carvão, ou petróleo? As diretrizes do poder declararam que a cocaína é o veneno e deve ser perseguida, mesmo que cause apenas um mínimo de mortes por overdose, mas muitas mais são causadas pela mistura necessária com a clandestinidade, mas o carvão e o petróleo precisam ser protegidos, mesmo que seu uso possa extinguir toda a humanidade. 

Essas são as questões do poder global, coisas injustas, coisas irracionais, porque o poder mundial tornou-se irracional. Eles veem na exuberância da floresta, em sua vitalidade, a luxúria, o pecado; a origem culpada pela tristeza de suas sociedades, imbuída com a compulsão ilimitada de ter e de consumir.

Como esconder a solidão do coração, sua secura no meio das sociedades sem o afeto, competitiva a ponto de encarcerar a alma na solidão, se não culpando uma planta, os homens que a cultivam, os segredos libertadores da selva.

De acordo com o poder irracional do mundo, não é culpa do mercado que ceifa a existência, mas é culpa da floresta e dos que nela habitam. As contas bancárias tornaram-se ilimitadas, o dinheiro poupado pelos mais poderosos da terra jamais poderá ser gasto mesmo em um espaço de tempo de séculos. A tristeza da existência produzida por esse chamado artificial para a competição é preenchida com barulho e drogas. O vício no dinheiro e em ter revelauma outra face: o vício nas drogas das pessoas que perdem a competição, nos perdedores da corrida artificial, na qual eles transformaram a humanidade.

A doença da solidão não será curada com glifosato [derramado] nas florestas. Elas não são as culpadas.

A culpa é da sociedade, educada para o consumo infinito, na confusão estúpida entre o consumo e a felicidade que permite que os bolsos do poder se encham de dinheiro.

A culpada pelo vício nas drogas não é a floresta, mas a irracionalidade do poder do seu mundo. Tente dar um pouco de racionalidade ao seu poder. Acendam novamente as luzes do século. A guerra às drogas já dura 40 anos, se não corrigirmos os rumos e ela continuar por mais 40 anos, os Estados Unidos verão dois milhões e oitocentos mil jovens morrer de overdose por fentanyl, que não é produzido na nossa América Latina. Verá milhões de afro-americanos aprisionados em prisões privadas.

Os afro-prisioneiros irão se tornar um negócio para as empresas prisionais, mais de um milhão de latino-americanos serão assassinados, nossas águas e campos se inundarão de sangue, o sonho da democracia morrerá em minha América, assim como na América anglo-saxã. A democracia morrerá onde nasceu, na grande Atenas da Europa Ocidental. Ao esconder a verdade, verão a selva e as democracias morrerem. 

A guerra às drogas fracassou.A luta contra a crise climática falhou. Houve um incremento no consumo mortal, das drogas leves até as mais pesadas, o genocídio dominou o meu continente e o meu país, milhões de pessoas foram condenadas à prisão, e para esconder sua própria responsabilidade social, culparam a floresta tropical e suas plantas. Preencheram seus discursos e políticas com bobagens.

Eu exijo a partir daqui, desde aminha América Latina ferida, que seja dado um fim à guerra irracional contra as drogas. Para reduzir o consumo de drogas não precisamos de guerras, precisamos quetodos construamos uma sociedade melhor: uma sociedade que cuide mais, que seja mais caridosa, onde a intensidade da vida proteja contra o vício e a nova escravidão. Querem menos drogas? Pensem em menos lucros e mais amor. Pensem em um exercício mais racional do poder.

Não toquem com seu veneno a beleza de minha pátria, ajude-nos sem hipocrisia a salvar a Floresta Amazônica para salvar a vida da humanidade no planeta. Vocês reuniram os cientistas, e eles falaram com a razão. Com matemática e modelos climatológicos eles disseram que o fim da espécie humana estava próximo, que seu tempo não seria de milênios, nem de séculos. A ciência soou os alarmes e paramos de ouvi-los.

A guerra serviu como desculpa para não tomarmos as medidas necessárias. Quando a ação era mais necessária, quando os discursos não tinham mais utilidade, quando era dispensável depositar dinheiro em fundos para salvar a humanidade, quando era necessário afastar-se do carvão e do petróleo o mais rápido possível, eles inventaram uma guerra após outra e após outra. Invadiram a Ucrânia, mas também o Iraque, a Líbia e a Síria.

Eles invadiram em nome do petróleo e do gás. Descobriram no século XXI o pior de seus vícios: o vício no dinheiro e no petróleo. As guerras serviram como desculpas para não agirem contra a crise climática. As guerras mostraram o quão dependentes eram do que acabará com a espécie humana.

Se observam que as populações estão cada vez com mais sede e fome e migrando aos milhões para o Norte, para onde a água está, então vocês as encarceram, constroem muros, disparam metralhadoras, atiram nas pessoas. Vocês as expulsam como se não fossem seres humanos, multiplicando por cinco a mentalidade daqueles que criaram politicamente as câmaras de gás e os campos de concentração, reproduzindo 1933 em escala planetária.

O grande triunfo do ataque à razão. Vocês não veem que a solução para o grande êxodo deflagrado em seus países é encher novamente os rios de águas e os campos de nutrientes? O desastre climático nos enche de vírus que nos atacam, mas vocês negociam com medicamentos e transformam vacinas em commodities. Vocês propõem que o mercado nos salvará do que o próprio mercado criou. O Frankenstein da humanidade reside em deixar que o mercado e a ganância ajam sem planejamento, rendendo o cérebro e a razão. Ajoelhando a racionalidade humana diante da ambição.

Qual a utilidade da guerra se do que precisamos é salvar a espécie humana? Qual a utilidade da OTAN (Organização do Tratado do Atlântico Norte) e dos impérios, se o que se avizinha é o fim da inteligência? O desastre climático aniquilará centenas de milhões de pessoas e, ouçam bem, não é produzido pelo planeta, é produzido pelo capital.

A causa do desastre climático é o capital. A lógica de nos reunirmos apenas para consumir mais e mais, produzir mais e mais, para uns poucos ganharem mais e mais,  produz o desastre climático. Eles aplicaram a lógica da acumulação estendida para os mecanismos de energia do carvão e petróleo, e libertaram um furacão: a mudança química cada vez mais profunda e mortal da atmosfera. Agora, em um mundo paralelo, a acumulação de capital expandida é uma acumulação expandida de morte.

Das terras da selva e da beleza. Ali, onde decidiram fazer de uma planta da Floresta Amazônica um inimigo, extraditar e aprisionar seus cultivadores, eu os convido a parar a guerra, e a parar o desastre climático. Aqui, nessa Floresta Tropical Amazônica, existe um falha da humanidade.

Por trás das fogueiras que a queimam, por trás do seu envenenamento, existe uma falha integral e civilizacional da humanidade. Por trás do vício em cocaína e nas drogas, por trás do vício em petróleo e carvão, existe o vício real desta fase da história humana: o vício em um poder irracional, em lucros e dinheiro. Essa é a máquina enorme e mortal que pode extinguir a humanidade.

Proponho a vocês, como presidente de um dos mais belos países na terra, e um dos mais ensanguentados e violentados, acabar com a guerra contra as drogas e permitir ao nosso povo que viva em paz. Conclamo a toda a América Latina a esse propósito. Conclamo as vozes da América Latina a se unirem para derrotar a irracionalidade que martiriza nossos corpos. Eu os conclamo a salvar a Floresta Tropical Amazônica integralmente, com os recursos que podem ser alocados de todo o planeta para a vida.

Se vocês não tiverem a capacidade de financiar esse fundo para revitalização da floresta, se pesa mais alocar recursos para as armas do que para a vida, então reduzam as dívidas externas para libertar nossos espaços orçamentários, e com eles concluir a tarefa de salvar a humanidade e a vida no planeta. Nós podemos cuidar disso, se vocês não quiserem fazê-lo. Simplesmente troquem a dívida pela vida, pela natureza.  Eu proponho, e conclamo a toda a América Latina a fazer o mesmo, um diálogo para acabar com a guerra. Não nos pressionem para nos alinharmos nos campos de batalha.

É hora da PAZ!

Deixem que as populações eslavas conversem entre si, deixem que os povos do mundo conversem entre si. A guerra é apenas uma armadilha que traz o fim dos tempos cada vez mais perto na grande orgia da irracionalidade.

Da América Latina, conclamamos à Ucrânia e à Rússia que façam as pazes. Somente na paz podemos salvar a vida em nossa terra. Não haverá a paz total, sem justiça social, econômica e ambiental. Também estamos em guerra com o planeta. Sem a paz com o planeta, não haverá paz entre as nações. Sem a justiça social, não haverá paz social.

Available in
EnglishSpanishPortuguese (Brazil)German
Author
Gustavo Petro
Translators
Fábio Meneses Santos and Rodolfo Vaz
Date
21.09.2022
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