Colonialism

Em Israel e na Palestina, uma nova onda de repressão enfrenta um aumento da resistência

A tensão está aumentando à medida que a repressão do Estado israelense e a violência dos colonos são confrontadas pelo crescimento da resistência palestina. Khalida Jarrar, líder do movimento de libertação palestino, entende que a situação está chegando a um ponto de ruptura.
Khalida Jarrar é uma das líderes mais célebres - e visadas - do movimento de libertação da palestina. Socialista e feminista dedicada, sua atuação organizacional assumiu diversas formas ao longo das décadas e teve um grande custo pessoal.

Jarrar foi eleita para o Conselho Legislativo da Palestina (CLP) em 2006 e presidiu a Comissão de Prisioneiros do CLP. Antes de sua eleição, Jarrar atuou como diretora da Addameer Prisoner Support and Human Rights Association.

Jarrar foi presa pelo Estado de Israel quatro vezes por seu ativismo. A primeira foi em 8 de março de 1989 por sua participação nas manifestações do Dia Internacional da Mulher.

Em 2014, Israel emitiu uma ordem militar para expulsar Jarrar de Ramala. Os soldados cercaram a casa de sua família e tentaram transferi-la para Jericó, onde seria colocada sob vigilância. Jarrar se recusou a assinar a ordem e recorreu da decisão. Ela ganhou, mas foi presa mais tarde, em abril de 2015. Cumpriu seis meses de detenção administrativa sem acusação ou julgamento, um procedimento do sistema de tribunais militares de Israel específico para palestinos. Jarrar acabou sendo acusada de "participação em uma organização ilegal" (Israel considera ilegais todos os partidos políticos palestinos) e "incitação". Foi libertada após quinze meses em junho de 2016.

Em julho de 2017, Jarrar liderava esforços para levar Israel ao Tribunal Penal Internacional quando foi presa novamente. Foi mantida sob investigação sigilosa e sua detenção administrativa foi renovada várias vezes até sua libertação em fevereiro de 2019.

Oito meses depois, em outubro de 2019, ela foi presa novamente e acusada de "ocupar um cargo em uma organização ilegal". Enquanto esteve presa, Jarrar lançou um programa para ensinar mulheres palestinas em prisões israelenses e permitir que elas recebessem créditos universitários por seus estudos. Apesar das tentativas de Israel de proibir a iniciativa, várias mulheres receberam diplomas, e a iniciativa continua até hoje. Em julho de 2021, a filha de Jarar, Suha, faleceu inesperadamente aos trinta e um anos de idade. Apesar dos protestos internacionais, Israel  recusou a permissão para Jarrar comparecer ao funeral.

Jarrar foi finalmente libertada em setembro de 2021. Até o momento, passou mais de sessenta e três meses acumulados atrás das grades. Desde sua libertação, aceitou um cargo na Universidade de Birzeit, onde pesquisa o papel histórico das prisioneiras políticas palestinas.

James Hutt, genro de Jarrar, sentou-se com ela em sua casa em Ramallah para conversar sobre o atual ressurgimento da resistência, os desafios enfrentados pelo movimento de libertação e o que ela acredita que virá em seguida.

James Hutt: Há meses a Cisjordânia parece estar prestes a entrar em erupção. Já ouvi palestinos usarem a expressão "a situação é como metal em brasa". Houve uma onda de resistência palestina, especialmente diante da escalada da violência israelense. Algumas pessoas descreveram a situação como os meses que precipitaram a segunda intifada. Como você entende o momento atual?

Khalida Jarrar: Há incursões diárias do exército israelense nas cidades palestinas, detenções em massa diariamente. Todos os dias, acordamos com notícias de Israel matando pessoas. Além disso, a Cisjordânia está repleta de postos de controle e estamos testemunhando o exército israelense assassinando cada vez mais pessoas nesses postos de controle. Recentemente invadiram Jericó diversas vezes, especialmente depois do ataque ao campo de refugiados de Aqabat Jaber, nas proximidades, onde os soldados demoliram casas e assassinaram cinco pessoas. Se Israel acha que essas pessoas fizeram algo errado, poderia tê-las prendido, como de costume. Em vez disso, atiraram para matar. Atirar nas pessoas se tornou muito fácil para o exército israelense.

Israel passou a demolir casas em grande quantidade. Sempre fizeram isso, mas agora em tão larga escala que se trata claramente de uma nova política. O governo israelense quer remover os palestinos de Masafer Yatta e de Jerusalém Oriental, por exemplo. [O ministro israelense da Segurança Nacional] Itamar Ben-Gvir ordenou pessoalmente a demolição de um prédio em Jerusalém que abrigava cem palestinos. Por outro lado, a burocracia israelense usa a desculpa de que essas casas foram construídas há trinta anos e não têm registro. É claro que não. Israel não concederá licenças para que os palestinos construam ou reformem suas casas em Jerusalém.

No entanto, os mais perigosos são os colonos, que, obviamente, estão sob a proteção dos soldados. Penso que os colonos na Cisjordânia e em Jerusalém somam cerca de um milhão de pessoas atualmente. As estradas estão cheias deles. Seus assentamentos não são pequenos vilarejos, são cidades inteiras. Os colonos têm armas e atacam os palestinos. Roubam suas azeitonas e cortam suas árvores. Eles fecham as estradas e jogam pedras nos carros com placas brancas da Cisjordânia. Matam pessoas.

Há uma escalada da violência com esse novo governo fascista. Os governos israelenses sempre violaram os direitos dos palestinos prendendo e matando, mas olhamos para esse novo governo e vemos pessoas como [o ministro israelense das finanças] Bezalel Smotrich ou Ben-Gvir, que foi condenado por terrorismo contra palestinos pela polícia israelense. Agora ele não é apenas parte do governo israelense - é o ministro da segurança nacional.

Ben-Gvir ameaçou com mais leis contra prisioneiros e quer introduzir a pena de morte. Como ministro, declarou seu apoio e deu um presente a um soldado que matou um civil palestino no campo de refugiados de Shuafat. O soldado espancou o homem e atirou nele à queima-roupa. Ben-Gvir não é um civil qualquer ou simplesmente um colono. É ministro do gabinete israelense. Ben-Gvir disse ao soldado que agradecia o que ele havia feito, e o mundo ficou em silêncio. [Desde essa entrevista, Israel aprovou uma nova guarda nacional sob o comando de Ben-Gvir que se concentrará na "agitação árabe"].

Além da escalada da violência e das violações contínuas, há um alto índice de desemprego e pobreza. Isso está relacionado à forma como Israel rouba o dinheiro da Autoridade Nacional Palestina (ANP). De acordo com o Acordo de Paris, Israel coleta receitas comerciais e impostos que devem ser devolvidos à ANP. No entanto, Israel começou a confiscar milhões de shekels todos os meses, o que afeta o orçamento da ANP e seus programas. A Palestina é também um país agrícola. Israel não permite que as pessoas perfurem o solo para obter água ou cultivem suas terras. Os palestinos não têm acesso à terra na Área C, que corresponde a 68% da Cisjordânia, portanto não podem construir ou plantar em suas terras nessa área. Por outro lado, os palestinos não têm o direito de ter suas próprias fábricas ou sua própria economia. Nossa economia está vinculada à economia israelense e o Acordo de Paris continua nos pressionando.

Portanto, há um aumento da pobreza, das violações dos direitos humanos, dos assassinatos e da expansão dos assentamentos israelenses. Os palestinos não têm nada a fazer a não ser resistir a essa ocupação, porque não há esperança para eles enquanto ela existir. Estamos observandoagora que a maioria dos jovens palestinos está resistindo à sua própria maneira. Agora há uma resistência coletiva generalizada, e notamos esse novo fenômeno de jovens palestinos que assumem a resistência armada por conta própria, porque veem e vivem as violações diárias; porque não há esperança para eles. A ocupação mata tudo para os palestinos, mata a esperança, mata o futuro. Então, o que eles podem fazer? Além disso, não há punição para Israel por violar os direitos humanos e as convenções humanitárias internacionais. Não vemos nenhuma punição. Só vemos o oposto: a punição dos palestinos que buscam sua liberdade e justiça.

James Hutt: Onde você acha que isso vai dar? Será que isso levará a uma nova intifada?

Khalida Jarrar: Veja, há elementos necessários para uma intifada. É preciso ter liderança coletiva e organização de massa, por exemplo. O que vejo é que há uma resistência contínua. Se isso levará a uma intifada ou a uma luta armada, eu não sei. Mas a situação é muito crítica. A ocupação continua aumentando a violência, por isso o povo palestino resistirá. Também lamento dizer isso, mas o povo palestino não está armado. Quem tem armas são os soldados israelenses. Eles têm tanques, armas e aviões. Eles têm um exército. Os palestinos têm muito pouco com o que resistir. Mas o espírito de recusa persiste no povo palestino. Então, qual será o nome desse momento? Não posso dizer se será uma intifada, porque isso requer muitos elementos que não estão presentes hoje, mas há uma resistência contínua que está se desenvolvendo. Em relação a quê? O futuro responderá.

James Hutt: Como você descreveria a situação atual do movimento de libertação da Palestina?

Khalida Jarrar: As divisões internas afetaram profundamenteo movimento de libertação, especialmente entre o Fatah e o Hamas. São os dois maiores partidos e estão conformados com a situação atual, com o Hamas no controle de Gaza e o Fatah, de certa forma, no controle da Cisjordânia e da Organização para a Libertação da Palestina (OLP). Mas a maioria das pessoas quer eleições, o que mudaria essa situação. As eleições são uma parte da abordagem de que precisamos como povo. A outra é um acordo mínimo entre todas as partes para trabalharem juntas. Mas as divisões internas e os interesses particulares de cada um dos partidos significam que eles estão mais inclinados a adiar as eleições.

Não temos eleições para o Conselho Legislativo Palestino desde 2006, mas a maioria das pessoas quer mudanças. Os palestinos precisam eleger seus líderes. Será necessária uma pressão popular para que isso aconteça.

Houve muitos acordos entre os partidos para a realização de eleições. As últimas deveriam ter ocorrido em 2021, mas não aconteceram. O presidente [Mahmoud Abbas] as cancelou com a desculpa de que não poderíamos realizar eleições sem os palestinos em Jerusalém, que Israel não permitiria que participassem. Mas isso é uma desculpa. É claro que a Cisjordânia poderia ter eleições sem Jerusalém. E se acreditarmos em uma abordagem democrática genuína, encontraremos maneiras de incluí-los e de fazer isso em Jerusalém.

A outra questão é que o movimento de libertação passou para o que chamamos de construção do Estado, que tem objetivos e atividades diferentes dos da libertação. Parte do movimento pensa em estabelecer um Estado independente e achava que poderia fazê-lo por meio dos Acordos de Oslo, mas descobriu, depois de vinte e cinco anos, que isso é apenas um lema.

Mas agora estamos vendo a resistência popular que talvez force o movimento de libertação a se ajustar. Talvez force os partidos e seus líderes a avaliar e evoluir, e a implementar de fato as demandas nacionais dos palestinos, que são: autodeterminação, o direito de retorno dos refugiados e o fim da ocupação. Portanto, precisamos mudar do objetivo de construir um Estado e retornar para nos concentrarmos na libertação e, em minha opinião, essa deveria ser uma abordagem democrática. Além da luta nacional, também temos uma luta democrática, que inclui justiça social e igualdade entre homens e mulheres. Esse é o conteúdo da libertação de que precisamos como povo palestino.

James Hutt: Por falar em divisões e acordos entre os partidos palestinos, gostaria de  perguntar sobre o Documento dos Prisioneiros de 2006. Esse documento parece ser o mais próximo que os vários partidos chegaram de alcançar uma visão unificada por um longo tempo. Você vê algo novo como isso adiante?

Khalida Jarrar: Temos muitos acordos, mas os dois principais que respondem a toda a questão e a todas as diferenças entre os partidos políticos são o Documento dos Prisioneiros e o Acordo do Cairo de 2005, que foi um consenso todos os partidos para reformar a OLP. O ponto de partida, em minha opinião, deve ser a OLP, não a ANP. Por quê? Porque somos palestinos que vivemos na Cisjordânia, em Gaza, em Jerusalém e dentro das terras tomadas por Israel em 1948, com a maioria dos palestinos refugiados. Se acreditamos que todos os palestinos devem participar da avaliação do processo político e da eleição de uma nova liderança, esse deve ser um processo compartilhado com todo o povo palestino.

O ponto de partida é o conselho nacional relacionado à OLP. Mas ele precisa de mais pressão porque todos os dois grandes partidos estão satisfeitos com o status quo. Sem reformar a OLP, democratizá-la e torná-la representativa do povo palestino em todo o mundo, inclusive nos territórios ocupados, acho que o movimento de libertação continuará enfraquecido.

James Hutt: Por que você acha que o Documento dos Prisioneiros não conseguiu atingir seus objetivos? O que mais é necessário agora?

Khalida Jarrar: O documento não falhou, mas não há capacidade para implementá-lo. O problema não é o acordo, mas sua implementação. E a implementação de qualquer um dos acordos, inclusive o Documento dos Prisioneiros, depende de convencer os grandes partidos de que devemos realmente fazer isso e não apenas continuar organizando novos acordos. A última reunião foi na Argélia e nada aconteceu. Eles assinaram, tiraram uma foto e comemoraram, mas nada aconteceu na prática. Não precisamos de novos acordos; precisamos de força para implementar os acordos que todas as partes já assinaram.

James Hutt: Você acha que a visão de libertação mudou desde aquele momento em 2006 até agora, no contexto atual? A estratégia é fundamentalmente diferente agora?

Khalida Jarrar: Não acho que tenha mudado. Temos os mesmos objetivos desde a Nakba. As demandas nacionais não mudaram. O principal objetivo do movimento de libertação é acabar com a ocupação, o direito à autodeterminação e o direito de retorno. A questão é como você implementa essas demandas nacionais e como você concorda em continuar como movimento. O que mudou foi a situação na Palestina. Agora há uma lacuna entre o povo e a liderança. A maioria não está convencida do que a liderança faz. Não há como consertar esse relacionamento, exceto por meio de eleições; e não há eleições, portanto, é uma questão complicada. É uma questão de luta interna. Pode levar tempo, mas a situação e esse tipo de ocupação não nos darão nada, como palestinos. Eles querem nos expulsar ou nos matar e acabar com qualquer tipo de autodeterminação. Isso significa que continuaremos a nos equilibrar entre a luta contra a ocupação e a reforma de nossa situação interna como povo.

James Hutt: Nos últimos dois anos vimos uma colaboração cada vez maior entre Israel e a ANP, com ela até mesmo desempenhando um papel ativo na repressão de seu próprio povo. Até que ponto a ANP é uma barreira para a libertação e o que precisa mudar?

Khalida Jarrar: Ao falar da ANP, você está falando de um governo que tem um acordo com Israel. A maioria dos palestinos é contra esses acordos. Estou falando do Acordo de Oslo, do Acordo de Paris, do Acordo de Camp David e do Acordo de White River. Esses acordos tornam a autoridade nacional responsável por implementá-los, de modo que a ANP tem de coordenar a segurança com Israel. No entanto, a maioria das pessoas e a maioria dos partidos políticos rejeitam isso.

Em janeiro, após o massacre no campo de refugiados de Jenin, o Conselho Central da OLP tomou a decisão de encerrar a coordenação de segurança da ANP com Israel, mas ela continua a fazer isso. Agora há uma enorme lacuna entre o povo e a ANP, e uma questão em aberto sobre a sua finalidade. O papel da autoridade é pressionar as pessoas ou ajudá-las? Ela deveria pelo menos abordar as questões da vida cotidiana, como educação e saúde? Deveria ser reformada? Deveria se relacionar com a OLP? Deveria ser dissolvida? Ou deveríamos mudar seu papel para somente supervisionar a vida cotidiana e não interferir em questões políticas ou de segurança? A ANP facilita ou dificulta o movimento de libertação?

A resposta a essas perguntas deve vir do povo. É necessário um fórum para discutir isso, que deve ser o conselho nacional. Podemos eleger novos membros. Podemos eleger pessoas nas áreas em que podemos realizar eleições e chegar a um acordo nas áreas em que não podemos. Precisamos começar a nos reunir - não apenas para eleger novos líderes, mas para avaliar o processo político e responder a perguntas como essas sobre o relacionamento com a ANP.

James Hutt: Onde estão os partidos de esquerda em tudo isso? Por que você acha que eles não têm sido mais populares ou mais bem-sucedidos?

Khalida Jarrar: A maioria dos partidos de esquerda é fraca, exceto a Frente Popular para a Libertação da Palestina (FPLP), que é o maior partido de esquerda, mas se você compará-lo ao Fatah ou ao Hamas, verá que há uma enorme diferença.

Por que elas são fracas? Isso está relacionado a muitos elementos, tanto externos quanto internos. Externamente, é como a situação de todos os partidos de esquerda em todo o mundo. Internamente, é porque não se consegue diferenciar alguns partidos políticos da ANP e do Fatah, por exemplo. Muitas pessoas não percebem que os partidos de esquerda são diferentes. Portanto, um dos objetivos é unificar os partidos de esquerda, mas também precisamos avaliar e concordar com os objetivos políticos, ideológicos e sociais. Talvez concordemos com os termos sociais e democráticos, mas politicamente ainda há muitas diferenças entre os partidos de esquerda. Houve muitas tentativas de unificá-los que ainda não foram bem-sucedidas. Talvez a maneira de nos unificarmos seja na base, por meio da resistência e da luta conjunta por diferentes questões.

James Hutt: Qual é a influência do socialismo na Palestina hoje? O quanto eleorienta as pessoas, especialmente essa nova geração de jovens?

Khalida Jarrar: Parte de nossa análise sobre o motivo das divisões internas, o motivo pelo qual o movimento de libertação está dividido, é porque há luta de classes. Há uma classe que se desenvolveu a partir do Acordo de Oslo que não tem interesse na libertação. É uma classe muito pequena, mas que controla muitas coisas. Do meu ponto de vista, o socialismo é parte da solução. O movimento socialista está muito fraco na Palestina atualmente. Mas quando se fala em justiça social, por exemplo, ou na luta democrática, essa é uma resposta para o futuro de todos os palestinos. No momento, a ANP depende do livre mercado, e isso não resolverá o desemprego nem nenhum dos problemas sociais. A ANP está tentando implementar o neoliberalismo, o que não ajudará na situação interna.

Atualmente, menos pessoas são atraídas pelo socialismo porque não entendem o que é socialismo. Nunca tivemos uma autoridade que quisesse implementá-lo. É uma ANP neoliberal. É por isso que a maioria dos problemas está piorando com ela. A pobreza está aumentando. O desemprego está aumentando. A desigualdade está aumentando. A ANP aprova leis não para ajudar a maioria das pessoas, mas para beneficiar a classe alta. A classe compradora é uma nova classe e cria monopólios capitalistas para todos os tipos de serviços e setores, como o de telecomunicações. Portanto, lutamos pelo oposto. Por exemplo, defendemos um desenvolvimento resistente, com cooperativas e políticas que beneficiem os jovens, entre outros. Mas tudo isso está conectado. Temos uma luta nacional, uma luta democrática e uma luta social, e todas elas estão relacionadas.

James Hutt: Uma coisa que me chama a atenção nesses novos grupos de resistência armada, como o Lion's Den, é que eles não vêm de um único partido. Parecem ter membros de todos os diferentes partidos e de pessoas não alinhadas a nenhum deles. É desse tipo de unidade que você está falando? E com o surgimento de grupos como o Lion's Den, os partidos políticos tradicionais se tornam menos relevantes?

Khalida Jarrar: A situação na Palestina é que todos os palestinos pertencem a partidos. Não necessariamente como membros, mas toda a sociedade palestina é politizada, e as pessoas estão ligadas aos partidos de várias maneiras. Então, clandestinamente, há agora um novo fenômeno como o Lion's Den (غرِن الأسود) e outros em que as pessoas estão trabalhando juntas. Isso lhe dá uma resposta. Por que as pessoas no local estão unificadas na luta contra a ocupação, mas a liderança não está? Por causa de seus próprios interesses. Portanto, um dos problemas é a liderança. Talvez essa seja uma nova maneira de reconstruir o movimento de libertação a partir do zero, de usá-lo para pressionar a liderança a se unificar ou de reformar toda a abordagem do movimento. Acredito que a nova abordagem, ou talvez a única, seja a pressão vinda da base, de baixo para cima. Das pessoas trabalhando juntas, obtendo sucesso, e talvez isso pressione os líderes a se unirem, pelo menos.

Não se trata apenas de resistência armada. Há muitos tipos de resistência em que as pessoas estão se unificando na base. Outro exemplo de alguns anos atrás foi quando Israel instalou detectores de metal para restringir o acesso à Mesquita de Al-Aqsa em Jerusalém. As pessoas se organizaram e trabalharam juntas. Elas desenvolveram um plano conjunto, fizeram manifestações diárias e realizaram protestos em frente à mesquita. Por fim, obtiveram sucesso e a ocupação os removeu.

James Hutt: Qual é a importância da resistência armada como estratégia de libertação?

Khalida Jarrar: Você quer me mandar para a prisão? [risos] Mas, em geral, qualquer povo sob ocupação tem o direito de lutar e resistir de todas as formas. Têm esse direito de acordo com as leis internacionais e humanitárias.

James Hutt: Para onde você acredita que isso irá?

Khalida Jarrar: É impossível dizer. Não podemos prever o futuro, mas o que podemos fazer é analisar esse fenômeno e verificar como e por que ele se estabeleceu. Percebemos que ele afeta diferentes áreas e é impulsionado por jovens. Percebemos que ele se expande, talvez com outros nomes, por toda a Cisjordânia, e talvez com pessoas que não estão diretamente relacionadas a partidos políticos, mas que estão resistindo à ocupação. Não podemos ver aonde isso vai dar. Mas, como eu disse, o espírito de resistência está nas pessoas neste momento. O povo está tentando encontrar seu próprio caminho, recusando-se a viver sob essa ocupação.

James Hutt: Algo que acho que muitas pessoas no Norte Global não sabem é a extensão da vigilância de Israel sobre os palestinos. Há câmeras de reconhecimento facial nos postos de controle entre as cidades da Cisjordânia, há drones patrulhando os céus sobre eles e ficamos sabendo que Israel agora pode monitorar todas as ligações telefônicas. Como é se organizar quando Israel pode estar observando e ouvindo quase tudo o que você faz?

Khalida Jarrar: Essa é uma pergunta difícil, tanto para eu dizer quanto para você publicar [risos]. As pessoas aqui têm um mecanismo secreto que usam. Mas não posso revelar isso. Mas o pessoal tenta não ser vigiado, por exemplo. É mais difícil do que antes. Você não pode fazer coisas publicamente. Não se pode usar a tecnologia. Mas há muitas maneiras de resistir. As pessoas estão sempre desenvolvendo suas próprias maneiras de se organizar. Se houver violações e punições por parte da ocupação, isso também nos ensina. Aprendemos com eles e como eles operam. Aprendemos ao sermos pegos e punidos.

James Hutt: Qual é a importância da organização dos prisioneiros e dos esforços de solidariedade neste momento? E para o movimento mais amplo em geral?

Khalida Jarrar: Lembre-se de que somos um povo que vive sob ocupação. Mais de um milhão de palestinos foram presos por Israel desde 1967 até agora. É muito raro encontrar uma casa aqui que não tenha prisioneiros ou ex-prisioneiros na família. A condição dos prisioneiros ainda é muito sentida pelas pessoas. Isso é altamente respeitado. Tudo o que acontece dentro da prisão afeta o exterior também. Ben-Gvir, por exemplo, ameaçou com novas punições contra os prisioneiros. Assim, os prisioneiros organizaram um comitê de emergência de todos os partidos e elaboraram um programa de luta compartilhado. Isso afeta o restante das pessoas e a forma do movimento de libertação.

Agora, resta saber se Ben-Gvir poderá realmente concretizar suas ameaças. Se houver uma luta coletiva contra isso, e haverá, será difícil que todas as novas leis sejam implementadas. Estamos falando de seis mil prisioneiros políticos palestinos dentro das prisões israelenses, e eles estão organizados. Quando os guardas israelenses invadiram a prisão de Damon recentemente e puniram as prisioneiras, todas elas resistiram e agiram juntas. E  conseguiram forçar os guardas a recuar.

As prisões serão o foco da próxima luta, e veremos o que vai acontecer. Isso também afetará o lado de fora. Isso pode levar a um tipo de nova luta, que emerge de dentro da prisão, dos prisioneiros para fora. Eles estão conectados.

James Hutt: Você já foi presa várias vezes por Israel e enfrentou forte repressão. Como essas experiências a afetaram, suas atividades políticas e sua visão?

Khalida Jarrar: Veja bem, a prisão não vai quebrar as pessoas. Vivemos sob ocupação. Estamos convencidos de que temos o direito de representar nosso povo e de ser livres. É claro que é difícil, porque Israel prende pessoas só por falarem sobre seus crimes. Mas é muito difícil fazer com que essas pessoas parem. Somos guiados pela experiência de povos ocupados em todo o mundo. Nenhum povo que tenha sido ocupado continuará sendo ocupado para sempre.

Khalida Jarrar é socialista, feminista e ativista palestina, e é membra do Conselho Legislativo da Palestina.

James Hutt é um articulador sindical e escritor que vive em Ottawa, Canadá. Membro do Labour 4 Palestine, é colunista da Our Times Magazine.

Available in
EnglishPortuguese (Brazil)
Authors
Khalida Jarrar and James Hutt
Translators
Rodolfo Vaz and Fábio Meneses Santos
Date
08.06.2023
Source
JacobinOriginal article🔗
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