As pandemias, por definição, são internacionais, e assim precisa ser a nossa resposta a ela. A pandemia de Covid-19, em particular, sobrepõe-se à ordem econômica internacional que tem favorecido múltiplas crises de desigualdade, a destruição ecológica, o racismo e as políticas antidemocráticas. Este momento irá criar uma economia mais democrática, ou reforçará ainda mais a atual economia extrativista. Estou motivada a trabalhar em conjunto com aliados de todo o mundo para assegurar que iremos escolher o caminho da democratização, de forma a construir uma prosperidade compartilhada em nossa resposta coletiva a esta crise.
Enquanto planejamos reconstruir as nossas sociedades e retomar nossas economias pós-Covid-19 devemos tentar fazer disto o ponto de partida para uma transformação profunda do nosso sistema econômico em algo que — pela própria concepção — promova a comunidade, a democracia, a sustentabilidade, a saúde e o bem-estar. As ações que tomamos agora (ou deixamos de tomar) terão consequências profundas a longo prazo. Não podemos permitir que esta crise consolide uma ordem político-econômica mundial nutrida pela destruição de povos e do planeta.
Para proteger a saúde pública devemos reivindicar e reconstruir a medicina pública. Podemos fazer isso transformando a indústria farmacêutica de um veículo de lucro privado em uma utilidade pública. A cartilha a seguir para esta transformação é muito clara: devemos (i) fazer da ciência aberta a lei da terra; (ii) fortalecer a capacidade do setor público para fomentar a pesquisa, o desenvolvimento e a manufatura de medicamentos; (iii) expandir o licenciamento compulsório; e (iv) colocar o desenvolvimento e a produção de vacinas sob o controle público. Esses passos poderiam redirecionar a indústria para a saúde e o bem públicos, em vez dos ganhos privados imediatos.
Atualmente, o setor farmacêutico restringe o acesso aos medicamentos que produz — assim como a informação sobre os verdadeiros riscos e benefícios desses medicamentos — mediante uma complexa rede de proteção à propriedade intelectual. Os imperativos de mercado criam carências perigosas e agravam questões de segurança pós-comercialização. Além disso, as inovações clinicamente significativas vêm declinando há décadas. Esses passos são necessários para assegurar que este setor chave da economia opere no interesse público, preparando-nos tanto para combater a atual pandemia quanto para melhor enfrentar as futuras emergências de saúde pública.
Não podemos nos permitir retornar à "normalidade" pré-pandêmica. Precisamos romper com as políticas e práticas econômicas fracassadas que devastaram comunidades ao redor do mundo, e construir do zero uma nova economia. A Construção de Riqueza Comunitária (CRC) é uma poderosa maneira de fazer isso. A CRC é uma abordagem de desenvolvimento econômico e transformação do sistema que atua de modo a produzir igualdade econômica, equidade racial e sustentabilidade ecológica por meio da reconfiguração das instituições e economias locais, com base em noções de propriedade, participação e controle muito mais democráticas.
As estratégias da CRC para restaurar e renovar as economias locais após a pandemia deveriam ter como objetivo o abandono da economia definida pela extração de riquezas em prol de uma economia generativa e sustentável em que a riqueza é compartilhada amplamente por aqueles que ajudaram a criá-la. Uma abordagem abrangente da CRC para a economia local deveria buscar: (i) expandir a propriedade democrática por meio de comunidades municipais, de trabalhadores e outras formas de propriedade comunitária das empresas e serviços; (ii) garantir o acesso das instituições locais ao capital financeiro; (iii) implementar a adjudicação progressiva de bens e serviços; (iv) incorporar políticas de emprego equitativas e práticas laborais justas; e (v) desenvolver o uso socialmente produtivo da terra e da propriedade.
Juntas, essas duas intervenções têm o poder de reorientar todo o sistema de saúde pública e nos preparar para proteger tanto as nossas comunidades quanto os nossos ecossistemas para as gerações que virão.