Social Justice

A única solução é cortar financiamento da polícia

Os assassinatos de George Floyd e Breonna Taylor provam o que já sabíamos - a “reforma” da polícia falhou.
A explosão de protestos nos Estados Unidos nos últimos dias deixa claro que a crise em Minneapolis é uma crise nacional.

Já se passaram quase seis anos desde os assassinatos de Mike Brown e Eric Garner, e pouco mudou na forma como as comunidades de cor pobres estão sendo policiadas. É hora de repensar as superficiais e ineficazes reformas de processos policiais e, em vez disso, encaminhar a retirada de financiamentos à polícia.

Na sequência imediata aos assassinatos de Brown e Garner em Ferguson (Missouri) e Nova York, o governo Obama respondeu requerendo mais investigações federais e encomendou um relatório, da Força-Tarefa Presidencial sobre Policiamento no Século XX, que levou a milhares de reformas - as quais eu e outros criticamos na época. Essas reformas estavam enraizadas no conceito de justiça processual, segundo o qual se a polícia fizer cumprir a lei de maneira mais profissional, imparcial e processualmente condizente, o público terá mais confiança nela e surgirão menos confrontos violentos e protestos. Este conceito acaba por assumir formas de intervenção como treinamento sobre parcialidade implícita, sessões de encontro de policiais e comunidades, ajustes nas políticas oficiais de uso da força e sistemas de alerta prévio para identificar agentes potencialmente problemáticos.

O Departamento de Justiça do governo Obama utilizou esse esquema para defrontar com um pequeno número de casos e práticas-padrão alguns departamentos de polícia selecionados, como o de Ferguson, e obrigá-los a adotar estas medidas. Também despejou milhões de dólares em treinamento e iniciativas de relações comunitárias como a Iniciativa nacional para a construção comunitária de confiança e justiça, a qual incluía dinheiro para Minneapolis.

Mas essas formas de intervenção federal têm fracassado em mostrar qualquer sinal de mudança positiva no policiamento. Habitualmente, envolvem estabelecer um monitor que cria uma série de referências; a métrica para estas tende a ser baseada na implementação de recomendações e não em mudanças reais sobre impacto do policiamento naqueles mais intensivamente policiados. A análise interna desse processo por Matt Nesvet, auditor de um decreto federal de consentimento em Nova Orleans, mostrou o quão inútil foi todo este esforço. Como descrito por Nesvet, no jornalThe Appeal, os monitores exigiram coisas como fotos de policiais falando com membros da comunidade como prova de que o policiamento comunitário estava sendo implementado.

Não há evidências de que treinamentos sobre parcialidade implícita ou iniciativas de relações comunitárias ajudem. OUrban Institute, que fazia parte da Iniciativa nacional para a construção comunitária de confiança e justiça, avaliou as medidas e encontrou poucos resultados favoráveis. Tais tipos de reforma acabam tendo muito mais a ver com dar cobertura política à polícia local e aos políticos do que com a redução dos abusos do policiamento. Em parte porque eles assumem que a aplicação profissional da lei é automaticamente benéfica a todos. Eles nunca questionam a legitimidade do uso da polícia para fazer guerra às drogas, prender crianças na escola, criminalizar os sem-teto ou rotular jovens como bandidos e superpredadores, que devem ser encarcerados para toda a vida ou mortos nas ruas. Uma prisão por tráfico mínimo de drogas, mesmo que totalmente legal, processualmente adequada e perfeitamente imparcial, arruinará a vida de um jovem sem justificativa razoável. Não há justiça nisso - e dar às unidades de narcotráfico treinamento para imparcialidade não vai fazer nada para mudar este fato.

Muitas dessas reformas já foram implementadas em Minneapolis. Em 2018 a cidade emitiu um relatório apresentando todas as reformas de justiça processual que realizou, como o treinamento de concentração mental, treinamento de intervenção em crise, treinamento sobre parcialidade implícita, câmeras corporais, sistemas de alerta prévio para identificar policiais problemáticos, e assim por diante. Nada disso fez diferença. Na verdade, grupos ativistas locais como Reclaim the Block, Black Visions Collective e MPD 150 rejeitaram mais treinamento e supervisão como solução e agora pedem ao prefeito Jacob Frey que corte o orçamento da polícia em US$ 45 milhões e transfira esses recursos para estratégias de saúde e segurança lideradas pela comunidade.

Infelizmente, em nível nacional, os membros democratas do Congresso parecem ter aprendido poucas lições com os fracassos de seis anos de "reforma" policial. Um a um, eles condenaram o policiamento racista e pediram investigações e responsabilização. O presidente do Comitê Nacional dos Democratas, Tom Perez, anunciou os nomes das pessoas mortas nos últimos anos, mas não apresentou nenhuma proposta substantiva além de um vago apelo à justiça. A senadora Amy Klobuchar do estado de Minnesota, que constantemente se recusou a processar a polícia quando chefiou a Procuradoria do Condado de Hennepin, pediu mais investigações do Departamento de Justiça. E em uma resolução de 29 de maio condenando a brutalidade policial, até os representantes Ilhan Omar, cujo distrito inclui Minneapolis, e Ayanna Pressley falharam em propor uma redução significativa dos poderes policiais, preferindo pedir mais investigações e a criação de mais conselhos de revisão civil, que nunca demonstraram qualquer eficácia na redução do policiamento abusivo. (Um modelo mais interessante pode ser encontrado no People's Justice Guarantee, legislação introduzida por Pressley em novembro de 2019. Ela apresenta uma série de propostas importantes, incluindo a descriminalização de delitos de baixo nível e o redirecionamento de recursos para alternativas ao policiamento; Omar é uma co-responsável).

Essas estratégias em nada alterariam a missão básica do policiamento, que se expandiu dramaticamente nos últimos 40 anos. Outra investigação do Departamento de Justiça ou outro policial demitido ou indiciado não vai acabar com a guerra contra as drogas, a criminalização dos pobres, ou a demonização dos jovens negros.

Se os legisladores federais levam a sério o controle do policiamento abusivo, há coisas que podem fazer. Podem começar eliminando o escritório de Serviços de policiamento orientado à comunidade (COPS). Criado pela Lei criminal de 1994, ele tem sido o condutor central para contratar dezenas de milhares de novos policiais e equipá-los com uma gama de tecnologia de vigilância e equipamentos militarizados.

Um dos projetos que o COPS administra é a Operação Busca Incessante, iniciativa de combate ao crime com a assinatura da administração Trump, que pretende inundar sete grandes cidades com dezenas de agentes federais em parceria com a polícia local para ir atrás de gangues e cartéis de drogas, os fantasmas favoritos do presidente. O Congresso aprovou US$ 61 milhões para financiá-la, e esse dinheiro deverá ser retirado de quaisquer verbas futuras. Os legisladores também podem avançar mais alguns passos para desfazer os danos causados pelo Projeto de Lei Criminal de 1994, como cortar o financiamento do policiamento escolar em favor de mais conselheiros e programas de justiça restaurativa; investir em estratégias de redução de danos, como instalações de injeções seguras e troca de seringas, bem como tratamento médico de alta qualidade sob demanda para dependentes químicos; e repensar o uso do sistema de justiça criminal para administrar a epidemia de violência doméstica.

É hora de o governo federal, as grandes fundações e os governos locais pararem de tentar administrar problemas de pobreza e discriminação racial, desperdiçando milhões de dólares em reformas processuais inúteis e ineficazes que apenas fornecem cobertura para o uso ampliado do policiamento. É hora de todos pararem de pensar que a prisão de mais um policial assassino fará alguma coisa para mudar a natureza do policiamento americano. Devemos, ao invés disso, nos movimentar para cortar significativamente o financiamento da polícia e redirecionar recursos para iniciativas comunitárias que possam produzir verdadeira segurança e proteção sem a violência e o racismo inerentes ao sistema de justiça criminal.

Alex S. Vitale é professor de sociologia e coordenador do Projeto Policiamento e Justiça Social no Brooklyn College e autor de “The End of Policing”.

Foto: Jenny Salita/Flickr

Available in
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Author
Alex S. Vitale
Translators
Nikolas Passos and Rodolfo Vaz
Date
02.06.2020
Source
Original article🔗
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