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As forças reaccionárias do Equador abandonaram oficialmente a pretensão de democracia

A campanha de luta contra a oposição de esquerda no Equador é uma tentativa de última hora de conquistar o poder para as elites do país.
O objectivo da campanha é prejudicar a integridade do ex-presidente Rafael Correa e de outros líderes históricos da Revolução Cidadã através de uma perseguição judicial politicamente motivada.

A 8 de Setembro, o Tribunal Nacional do Equador decidiu manter um acórdão no "Caso Sobornos" contra o ex-presidente Rafael Correa, impedindo-o efectivamente de se apresentar como candidato a vice-presidente nas próximas eleições marcadas para Fevereiro de 2021. Em vez disso, Andres Arauz, economista e ex-ministro do seu governo, irá liderar a presidência da coligação "União pela Esperança" (Union Por La Esperanza), enquanto que o famoso jornalista Carlos Rabascall foi seleccionado para substituir Correa como candidato a vice-presidente da coligação.

De seguida começou, então, a campanha de Arauz e Rabascall, de que uma nova ameaça de bloqueamento das suas candidaturas emergiu da CNE, levando organizações progressivas e de esquerda a organizar mobilizações de massas em frente da sede dos órgãos eleitorais em Quito, a 29 de Setembro. Tanto a desqualificação de Correa como as tentativas de desqualificação de Arauz e Rabascall foram condenadas internacionalmente por ex-presidentes e ministros dos negócios estrangeiros latino-americanos, particularmente os pertencentes ao Grupo de Puebla, uma vez que representam a maior ameaça à democracia equatoriana na era moderna.

Tem sido alegado que a pressão para retirar a legitimidade às suas candidaturas tem vindo de várias direcções. Em primeiro lugar, todo o processo é uma nova escalada da campanha político-judicial do governo autoritário do Equador que tem visado Correa e os seus aliados desde que o governo do país voltou ao neoliberalismo sob a presidência de Lenin Moreno.

A decisão foi proferida em tempo recorde, uma vez que a equipa jurídica de Correa, chefiada por Fausto Jarrin, tinha recorrido da decisão anterior com o fundamento de que o caso carecia de provas substanciais ou de um processo justo — para não falar das motivações políticas óbvias. A 8 de Abril o Tribunal Nacional de Justiça do Equador condenou pela primeira vez o ex-presidente Rafael Correa e o ex-vice-presidente Jorge Glas a oito anos de prisão, ao mesmo tempo que tentava impedi-los de exercer cargos públicos durante os próximos vinte e cinco anos.

A acusação, chefiada pela Procuradora-Geral Diana Salazar, alegou repetidamente que o ex-presidente operou uma "teia de corrupção" durante o seu último mandato de 2013-17. De acordo com Salazar, o então partido Alianza PAIS de Correa serviu como organização de fachada para receber subornos de até 7,8 milhões de dólares de empresas privadas - como o famoso gigante da construção brasileira Odebrecht. A única suposta prova material foi de $6.000 que Correa pediu emprestado ao fundo presidencial e depois pagou de volta. Antes desta sentença, porém, Correa já enfrentava vinte e cinco outras acusações com motivações políticas, desde suborno a corrupção e até mesmo rapto.

Tal como o caso de Lula da Silva no Brasil, Correa tem sido vítima de uma campanha judicial. O objectivo é prejudicar a integridade do ex-presidente e de outros líderes históricos da Revolução Cidadã (Revolución Ciudadana) através da perseguição judicial politicamente motivada, manchando ao mesmo tempo o seu legado de prosperidade económica, de redução da pobreza e de estabelecimento de solidariedade entre as nações do Sul Global.

E Correa não tem sido o único líder histórico da Revolução Cidadã a enfrentar perseguição política. Jorge Glas, o seu antigo vice-presidente, está preso desde Outubro de 2017, na sequência de um caso semelhante de alegado suborno por parte da empresa brasileira de construção Odebrecht. Paola Pabon, da prefeitura de Pichincha; Virgilio Hernandez, antigo membro da Assembleia Nacional; e Christian Gonzalez, um activista popular da organização Bulla Zurda, foram todos presos na sequência do seu apoio à revolta em Outubro de 2019 contra o regime de Moreno. Gabriela Rivadeneira, a ex-presidente da Assembleia Nacional; Ricardo Patiño, o ex-ministro dos Negócios Estrangeiros e Sofia Espin, a ex-membro da Assembleia Constituinte, foram forçados a procurar asilo no México.

Ao longo deste tempo, Correa habituou-se aos ataques ininterruptos da notoriamente decadente imprensa privada do Equador e da oposição de direita alinhada com os EUA que nunca deixou de rotular o seu governo como uma "ditadura". O governo de Correa foi alvo de vários comícios de massas e protestos organizados pela oposição de direita contra as suas políticas propostas de aumento de impostos aos ultra-ricos em 2015. Há quase exactamente dez anos, a 30 de Setembro de 2010, o ex-presidente chegou mesmo a sobreviver a uma tentativa de golpe após um motim policial que recebeu amplo apoio e cobertura favorável de algumas das maiores empresas privadas de comunicação social e canais de televisão do país. A actual campanha de lei e perseguição política é um eco das tentativas de longa data para destruir a Revolução Cidadã e as suas conquistas.

Desde o seu início, o governo do regime de Moreno tem desde o início sido confrontado com uma série de crises sociais e económicas auto-infligidas desde que se posicionou contra à política da Revolução Cidadã e se alinhou com as tradicionais forças políticas de direita do país. Anteriormente vice-presidente de Correa durante os seus dois primeiros mandatos no governo, a eleição de Lenin Moreno na plataforma política da Revolução Cidadã pretendia marcar a continuação do projecto iniciado por Rafael Correa. Em vez disso, apenas meses após a sua presidência, Moreno começou a fazer alianças com as forças políticas tradicionais de direita do país, bem como a manipular várias instituições legais do Estado equatoriano, desmantelando gradualmente o sector público e os projectos sociais iniciados pelo governo de Correa.

E assim, o nível total das despesas sociais foi também gradualmente reduzido desde 2017, sendo os sectores da educação e da saúde os mais duramente atingidos. Os maiores prejuízos no sector público do país foram infligidos na sequência da assinatura de um novo pacote de dívida de 4,2 mil milhões de dólares com o FMI, em Março de 2019. Mais de 10.000 trabalhadores foram despedidos nos preparativos para o pacote de reforma desta instituição financeira, entre os quais estão entre 2.500 e 3.500 funcionários que trabalham no sector da saúde. Além disso, mais de 300 funcionários que trabalham no controlo e tratamento de pandemias foram também despedidos — quase exactamente um ano antes do início da pandemia da COVID-19.

Entretanto, as estruturas do Estado foram esvaziadas com a eliminação de treze das quarenta instituições até Abril de 2019, bem como 2 mil milhões de dólares de cortes e austeridade através da eliminação, privatização e fusão de uma série de empresas estatais e entidades públicas. Como resultado destas políticas, o nível de pobreza estrutural aumentou de 23,1% em Junho de 2017 para 25,5% em Junho de 2019. Alguns economistas projectaram que a pobreza estrutural atingirá 30 por cento até ao final do ano, se as novas medidas económicas forem promulgadas. A pobreza extrema também aumentou de 8,4% para 9,5% durante o mesmo período de tempo.

E enquanto os equatorianos estão a ficar mais pobres, o escândalo "INA Papers" revelou que Moreno tinha contas bancárias secretas no Panamá e Belize, dois países latino-americanos conhecidos por serem notórios paraísos fiscais. O governo de Correa tinha anteriormente aplicado uma lei que proibia funcionários públicos de deter quaisquer activos financeiros em paraísos fiscais estrangeiros.

A proposta de eliminação dos subsídios aos combustíveis e a prevista redução dos salários do sector público, a 1 de Outubro de 2019, provou ser a faísca que desencadeou a revolta liderada pelos indígenas durante esse mês, também conhecida como a "Revolução dos Zanganos" (Revolucion de los Zanganos). A ferocidade da repressão contra os protestos em massa mostrou ao mundo pela primeira vez a proporção do autoritarismo do regime de Moreno. Após 12 dias de protestos, com mais de mil feridos e pelo menos 8 trabalhadores mortos pela polícia em todo o país, o regime de Moreno recuou na implementação da remoção da proposta que retirava subsídios aos combustíveis.

Apesar desta vitória para os movimentos populares, as políticas económicas neoliberais continuaram até 2020 e não foram travadas com a chegada da pandemia COVID19. Mais de 324 milhões de dólares foram transferidos para as mãos de detentores de dívidas estrangeiras, apesar da necessidade evidente de investimento urgente em medidas de contenção da COVID-19, enquanto 1,4 mil milhões de dólares adicionais estavam previstos serem eliminados como parte da "optimização e redução" do Estado.

Não surpreende que a gestão da pandemia pelo governo de Moreno tenha sido considerada uma das piores do mundo, com numerosas investigações durante o mês de Abril de 2020 a alegarem que o número de infectados e mortos ultrapassou de longe os números oficiais, enquanto que o número total de infectados atingiu 122.000 em meados de Setembro.

Neste contexto, a campanha contra Rafael Correa não passa de uma derradeira tentativa da elite económica e política do país de impedir o regresso da Revolução Cidadã. Apesar de não poder participar, não há dúvida de que Correa e os outros líderes históricos da revolução continuarão a desempenhar um enorme papel na campanha e a Revolução Cidadã será liderada por uma nova geração representada por jovens líderes como Andrés Arauz.

Denis Rogatyuk é jornalista para o El Ciudadano, escritor, colaborador e investigador em várias publicações, incluindo Jacobin, Tribune, Le Vent Se Lève, Senso Comune, the GrayZone, e outras.

Foto: Agencia de Noticias ANDES, Wikimedia

Available in
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Author
Denis Rogatyuk
Translators
Ana Borralho and Sara Branco
Date
29.09.2020
Source
El CiudadanoOriginal article
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