Nota do editor: Desde a publicação original deste artigo, o deputado trabalhista e membro do conselho da Internacional Progressista John McDonnell apresentou uma moção parlamentar condenando o papel do Reino Unido na promoção de ataques aos trabalhadores da Ucrânia.
Um plano de comunicação de 2021, preparado por uma consultoria internacional de desenvolvimento e marcado com o logotipo da Embaixada Britânica em Kiev, recomenda que o ministério ucraniano "ressalte" que a liberalização das leis trabalhistas trará "resultados positivos" para os trabalhadores ucranianos.
A estratégia de comunicação, que foi publicada pela Federação Europeia dos Sindicatos do Serviço Público (EPSU), inclui a visão geral da mídia e dos principais comentadores sobre a liberalização das leis trabalhistas e aponta que a reforma proposta é rejeitada pelo público ucraniano.
Para promover as vantagens da liberalização, a estratégia sugere que o ministério "crie mensagens mais fáceis e emotivas" para o público e encoraje, em reuniões em off, que os apoiadores de fora do governo façam mais apelos "emocionais" ao público sobre a liberalização.
"O Reino Unido está de fato tentando minar os esforços da Organização Internacional do Trabalho e da Comissão Europeia", disse a EPSU, e afirmou que o este país "financia propaganda" para "criar um clima" contrário aos sindicatos ucranianos.
Recomendações sobre como devem ser os comunicados do Ministério da Economia ucraniano sobre as reformas trabalhistas. | Fonte: EPSU
Uma fonte do governo britânico afirmou que o Ministério de Relações Exteriores contribui para o processo da reforma trabalhista da Ucrânia "com aconselhamento jurídico e assistência técnica baseados nas melhores práticas internacionais, bem como em recomendações de organizações internacionais respeitadas, tais como a Organização Internacional do Trabalho".
Em janeiro de 2020 o governo ucraniano voltou atrás numa tentativa drástica de liberalizar a legislação trabalhista e eliminar a propriedade e os direitos sindicais, depois de após reações e protestos públicos.
Agora, o governo apresentou dois novos projetos legislativos - os projetos de lei 5388 e 5371 - que visam à liberalização parcial dos direitos trabalhistas.
Com mais de três milhões de pessoas oficialmente estimadas como trabalhadores informais na Ucrânia, o governo argumenta que procedimentos de emprego mais simples podem estimular os empregadores a fazer contratações oficiais, atrair investidores estrangeiros e criar um ambiente empresarial mais flexível.
Especificamente, o governo quer simplificar os procedimentos de contratação e demissão, introduzir contratos de trabalho individuais como base principal das relações laborais — em vez dos acordos coletivos e do Código do Trabalho existente no país — e dar aos empregadores mais poderes para alterar as condições de trabalho.
A vice-ministra da Economia, Svitlana Hlushchenko, afirmou em setembro que estas medidas, "garantiriam regras honestas no mercado de trabalho, alcançariam um equilíbrio de interesses entre trabalhadores e empregadores, e estimulariam os negócios".
"O excesso de regulamentação das relações trabalhistas oficiais frequentemente leva a uma situação em que uma parte significativa delas permanece na sombra", disse Hlushchenko após a aprovação do projeto de lei 5388, na sua primeira fala no Parlamento. O Ministério da Economia não respondeu ao nosso pedido de comentários.
Mas os críticos, entre eles os sindicatos do país e a Organização Internacional do Trabalho, agência das Nações Unidas, estão preocupados porque, se aprovadas, essas leis podem reduzir drasticamente os direitos dos trabalhadores e não levariam as empresas a registrar oficialmente os seus trabalhadores.
"A razão pela qual os patrões ucranianos não empregam oficialmente seus funcionários não tem a ver com formalidade ou flexibilidade. Trata-se de poupar dinheiro e impostos", explicou Vasyl Andreev, presidente do sindicato de trabalhadores da construção civil da Ucrânia e vice-presidente da Federação de Sindicatos da Ucrânia (FPU), ao openDemocracy.
Segundo Andreev, o projeto de lei 5388, aprovado na primeira rodada no Parlamento em setembro, era "uma espécie de tentativa suave de diminuir o poder sindical", mas o projeto de lei 5371 pode deixar "70 a 80% dos trabalhadores completamente fora da legislação laboral ucraniana - inclusive os sindicatos, a regulamentação sobre dias trabalhados e as faixas salariais, bem como condições de trabalho saudáveis e seguras".
George Sandul, advogado da ONG de direitos dos trabalhadores ucranianos Labor Initiatives, disse que o projeto de lei é "absolutamente ilógico nas circunstâncias da Ucrânia, e não beneficiaria nem os trabalhadores nem as empresas".
"Nem os empresários ucranianos defendem a simplificação das contratações e demissões", disse ele.
Sandul qualificou a lógica da liberalização - trazer as pessoas para o emprego formal - como um "argumento pobre", e observou que depois do governo ucraniano reduzir consideravelmente o nível das contribuições patronais para a previdência social, em 2016, não houve provas de um aumento substancial no número de pessoas formalmente empregadas.
"Estes projetos de lei minam os próprios fundamentos das garantias laborais que temos na Ucrânia", disse ele.
Ao abrigo dos projetos de lei 5371 e 5388, as relações trabalhistas serão cada vez mais determinadas por contratos individuais, com empregadores e empregados negociando salários e condições de trabalho como partes iguais.
O papel dos sindicatos na mediação das relações entre patrões e trabalhadores será efetivamente reduzido, inclusive com a eliminação da norma segundo a qual o patrão precisa da aprovação do sindicato para despedir um empregado.
O projeto de lei também introduz disposições que parecem próximas dos contratos de "hora zero", ou seja, a passagem do salário mensal estabelecido para o pagamento por hora de trabalho contratado.
Um projeto conjunto da União Europeia e da Organização Internacional do Trabalho sobre "trabalho seguro, saudável e declarado" na Ucrânia respondeu com recomendações sobre estes projetos de lei, e críticas à tendência de liberalização laboral da Ucrânia de modo geral.
Por exemplo, sobre o projeto de lei 5371, o projeto UE-OIT argumentou que as suas disposições sobre um "regime paralelo e menos protetor" dos trabalhadores das pequenas e médias empresas "parece excluir parte significativa da mão-de-obra ucraniana" das Leis Trabalhistas.
Com a introdução do "emprego à vontade" e a possibilidade de os empregadores fazerem alterações unilaterais nos "termos e condições essenciais" dos contratos de trabalho individuais, o projeto UE-OIT observou que o projeto de lei 5371 poderia também "infringir as normas internacionais do trabalho" e contradizer "os princípios gerais do direito e da prática europeus".
O projeto UE-OIT também criticou a tendência de liberalização laboral na Ucrânia, por estar "baseada em pressupostos equivocados e tendenciosos", como a ideia de que "patrões e trabalhadores têm o mesmo poder de negociação" e, por isso, não haveria "necessidade de diálogo social, negociação coletiva e consulta aos representantes de empregadores e trabalhadores" no local de trabalho reformado.
Isto, o projeto acredita, viola as Diretrizes da UE sobre legislação trabalhista e as disposições sobre proteção laboral do Acordo de Associação da Ucrânia com a UE, e da OIT, inclusive sua convenção sobre o direito fundamental à organização.
Desde setembro de 2020 o Ministério de Relações Exteriores britânico tem financiado o projeto de "transformação da regulamentação trabalhista" na Ucrânia, para ajudar a "desenvolver ferramentas e estratégias legais e práticas" para "implementar reformas inclusivas nas Leis do Trabalho e legislação conexa", parte do pacote mais amplo de apoio militar, e de reformas da sociedade civil e do país.
Segundo documentos do Ministério, disponíveis ao público, o financiamento do Reino Unido para a desregulamentação trabalhista na Ucrânia se dá mediante o Fundo da Boa Governação do Ministério de Relações Exteriores, o qual apoia a liberalização, o Estado de direito, os meios de comunicação social independentes e a luta contra a corrupção na Europa Oriental e nos Balcãs Ocidentais.
Contudo, o plano de comunicação é apoiado pelo UK Aid Direct, um fundo do Ministério de Relações Exteriores gerido pela Mannion Daniels, consultoria de desenvolvimento britânica criada pela Abt Associates, uma consultoria global de desenvolvimento e investigação.
A Abt Associates não respondeu a um pedido de comentários.
UK Aid Direct afirma que "apoia pequenas e médias organizações da sociedade civil" com o fim de "alcançar a redução sustentada da pobreza".
Como parte deste esforço, a UK Aid também "financia organizações que buscam aumentar e diversificar a renda das comunidades pobres em países em desenvolvimento, e defender condições de trabalho livres e justas".
A openDemocracy perguntou à UK Aid como a desregulamentação da legislação trabalhista na Ucrânia apoiaria "condições de trabalho livres e justas" no país, mas não obteve resposta.
"Como acontece com todos os projetos de desenvolvimento e ajuda, este projeto passa por amplas consultas junto a uma vasta gama de interessados, dentre os quais os sindicatos, para assegurar que as recomendações incluam diferentes grupos sociais, mulheres, pessoas com deficiência, deslocados internos e veteranos", disse uma fonte do governo do Reino Unido.
Os sucessivos governos ucranianos têm procurado alterar as leis trabalhistas desde os anos 2000, deparando-se frequentemente com graves fricções com os sindicatos do país.
Segundo os autores do projeto de lei 5388, "procedimentos complicados e pouco claros, que exigem tempo e são exclusivamente formais, criam uma espécie de 'sinal vermelho' para o empregador que quer contratar um trabalhador".
Além do fardo dos documentos relacionados aos RH, os autores dizem que a atual legislação é um "sério obstáculo à condução das relações laborais em conformidade com a lei, e que muitas vezes assusta até os patrões que cumprem a lei".
O plano de comunicação assinala que o "emprego ilegal" na Ucrânia está numa "escalada catastrófica".
"A proporção entre trabalhadores formais e informais é de 1 para 2. Os direitos laborais de pelo menos 10 milhões de ucranianos não são protegidos por lei", relata o plano de comunicação.
No início de 2020, o Ministério da Economia do país tentou promover a liberalização do direito do trabalho. O projeto de lei propunha a rescisão de contrato sem justa causa, a redução do pagamento de horas extras, a obrigação dos trabalhadores de revelar qualquer informação (vagamente definida) que pudesse afetar o desempenho do seu trabalho, e a ampliação significativa do âmbito dos contratos de horas zero.
Em resposta, os sindicatos ucranianos organizaram a oposição pública à reforma proposta, num contexto de duras críticas online e protestos públicos - e a reforma foi engavetada.
"Derrotamos aquela tentativa [de liberalização], com uma luta ativa - não só nas ruas como também nos meios de comunicação social", disse Pavlo Prudnikov, chefe-adjunto do Sindicato de Trabalhadores da Indústria e Energia Nuclear da Ucrânia, que faz parte da FPU. "Não estamos habituados a uma cobertura positiva - em todo o mundo os sindicalistas são acusados de apoiar ideias de esquerda e impedir o desenvolvimento dos negócios - mas o assunto viralizou".
Agora, porém, os parlamentares e o Ministério da Economia "mudaram as suas tácticas" e "dividiram o projeto de reforma de 2020 numa série de projetos de lei menores" para conseguir aprová-lo, conta Prudnikov. Juntamente com o impacto do coronavírus, esta "fragmentação", explica, tornará mais difícil a mobilização contra a liberalização.
"Foi por isso que, até certo ponto, adotamos uma forma de atividade diferente: negociações sobre a reforma laboral por separado com o governo, as empresas e os sindicatos", diz Prudnikov.
Gregory Schwartz, sociólogo do trabalho na Universidade de Bristol, concorda. "Desta vez não será tão fácil para os trabalhadores se identificarem com as questões em jogo", disse ele. "Ao contrário do ano passado, as pessoas não ficarão totalmente privadas das aposentadorias".
Para Prudnikov, no entanto, permanece a questão da lógica subjacente à reforma proposta. "O que impede o desenvolvimento dos negócios e da economia ucraniana? Antes de mais nada, falamos de corrupção, tribunais não reformados, tributação difícil e complexa, problemas de infra-estrutura", enumera Prudnikov.
"Porém, na minha opinião, parece ser mais fácil para o Ministério da Economia reescrever as leis trabalhistas do que lidar com esses problemas".
Thomas Rowley é editor-chefe do oDR. Seu perfil no Twitter: @te_rowley.