Economy

O Pesadelo da Eletricidade de Porto Rico foi causado pela privatização

Por anos, Porto Rico tem aguentado uma campanha cruel de austeridade e privatizações, incluindo o controle corporativo da então rede elétrica pública. O resultado? Quase 250 mil pessoas ficaram sem energia por duas semanas após o Furacão Fiona.
Mais de duas semanas após o Furacão Fiona atingir o sudoeste de Porto Rico, quase 250 mil pessoas ainda estavam sem energia elétrica. Além dos danos nas infraestruturas de trânsito, os porto-riquenhos sofreram com a interrupção prolongada de serviços como internet sem fio, telefonia, e água potável. Apesar das estações de tratamento de água, redes de esgoto, e das linhas telefônicas terem sofrido algum dano devido ao furacão de categoria 1, o principal gargalo dessas interrupções pode ser rastreado a um denominador comum:

O setor de energia de Porto Rico não é supervisionado por um departamento governamental desde 2014. A indústria de energia é controlada pela agência autônoma de energia Puerto Rico Energy Bureau (PREB), que supervisionou a privatização da então rede elétrica estatal, aprovando um contrato de 15 anos para a LUMA.

A agência tem uma diretriz para cumprir a Lei de Políticas Públicas de Energia de Porto Rico, uma ordem que requer que 40 por cento de toda a energia seja renovável até 2024, entre outros objetivos ambientais. A Lei de Políticas Públicas é um passo importante em direção a modernização da rede elétrica, com alguns especialistas apontando a centralização de usinas de combustível fóssil e suas redes de cabos quilométricas como a causa raiz dos problemas de distribuição. A ação prudente a se fazer, argumenta Tom Sanzillo do Institute for Energy Economics and Financial Analysis (Instituto para Economia Energética e Análise Financeira), seria expandir a capacidade solar da rede elétrica através de uma rede descentralizada entre usuários e prestadores. 

A rede elétrica porto riquenha já é lar para uma das maiores usinas de energia renovável do mundo - uma rede de painéis solares particulares de 55 mil unidades de força. A Agência Federal de Gerenciamento de Emergência (FEMA) alocou quase 10 bilhões de dólares para refazer a rede elétrica durante o governo Donald Trump em 2020 - dinheiro que poderia ter subsidiado painéis para casas e baterias para expandir a capacidade da rede para a ilha inteira. Infelizmente para o público porto riquenho, a LUMA não estava interessada em soluções prudentes, mas sim em lucros.

A Ascensão da LUMA

O estado livre associado (commonwealth) perdeu a sua habilidade de significativamente influenciar decisões estruturais com uma lei de 2016, da era Obama, chamada de Lei de Supervisão, Administração e Estabilidade Econômica de Porto Rico, conhecida como PROMESA ou La Junta. Essa lei permitiu que o Congresso americano infringisse a autonomia monetária da ilha através da nomeação de um Conselho de Supervisão Financeira e Gerenciamento (FOMB). Desde sua formação, o FOMB tem promulgado práticas severas de austeridade em serviços públicos com o objetivo de ajudar Porto Rico a “alcançar responsabilidade fiscal e por fim restabelecer acesso a mercados de crédito”, de acordo com o texto da legislação. La Junta também concede à FOMB jurisdição para negar o direito à greve aos trabalhadores sindicalizados das prestadoras de serviço.

A independência do FOMB dos legisladores porto-riquenhos significou que este conselho poderia abrir o caminho para a companhia elétrica pública de Porto Rico, a Autoridade de Energia Elétrica de Porto Rico (PREPA), vender ativos do estado livre associado e terceirizar serviços relacionados à geração e transferência de energia. Em 2018, uma lei foi aprovada para permitir o controle privado da rede elétrica de Porto Rico. Essa lei de 2018 revelou o verdadeiro propósito da La Junta: abrir espaço para capitalistas sujos que há tempos almejavam contratos de prestação de serviços no Sul Global. Desde então, foi inevitável que a PREPA procuraria uma parceria público-privada visando melhorar a rede elétrica pública. Foi aí que a LUMA entrou.

A LUMA Energia assumiu controle da distribuição elétrica do estado livre associado em junho de 2021, após seu antecessor estatal acumular 9 milhões de dólares em dívidas. As duas agora trabalham em uma parceria público-privada, na qual a PREPA lida com a geração de energia e a LUMA, a distribuição. A LUMA foi incorporada especificamente para a gestão privada da rede elétrica de Porto Rico, e lhe foi concedido um contrato de 1,5 bilhão de dólares. Em resposta ao acordo, técnicos do Sindicato dos Trabalhadores da Indústria Elétrica e Irrigação (UTIER) declararam uma greve de 24 horas.

De acordo com o presidente da PREB, Edison Avilés-Deliz, o objetivo de terceirizar a transmissão e distribuição para a LUMA foi para “transformar [a rede] em um sistema elétrico moderno, sustentável, confiável, eficiente, resiliente e de bom custo-benefício, consistente com práticas prudentes de prestação de serviços para aumentar a qualidade do serviço elétrico.” Isso foi em outubro de 2021. Desde então, a LUMA recebeu uma injeção de dinheiro de 71,4 milhões de dólares da FEMA, com mais de 12 bilhões de dólares ainda previstos – fundos que a LUMA falhou em aplicar em serviços ao menos equivalentes àqueles de sua predecessora mal gerida.

Sob a supervisão da LUMA, Porto Rico tem sofrido um aumento no número de apagões generalizados, incluindo o de abril de 2022, que deixou a ilha inteira sem energia. Em troca de apagões contínuos e um serviço de má qualidade, usuários recebem constantes altas nos preços  - em média, porto riquenhos agora gastam oito por cento de sua renda com eletricidade. Isso é um sintoma da dependência da rede elétrica em combustíveis fósseis, responsáveis por 97 por cento da energia gerada em 2020-21, e da resistência da LUMA de se afastar da rede elétrica centralizada. Com pouca resistência da PREB, a importante Lei de Políticas Públicas tem visto quase nenhum avanço ambiental desde que a LUMA assumiu controle.

Desconfiança do Trabalhador Gera Caos Corporativo

O fracasso da LUMA em melhorar sua própria rede baseada em combustíveis fósseis, ou mesmo cumprir os mandados de energia renováveis de Porto Rico, pode ser parcialmente associado ao gargalo decorrente dos problemas trabalhistas que se seguiram à sua tomada de controle.

O relato de Ricardo Cortes Chico para o El Nuevo Día em maio de 2021 mostrou que a LUMA, que estava pronta para assumir em poucas semanas, havia fechado apenas 250 contratos com técnicos dos 800 habilitados do sindicato UTIER. O contrato anterior da UTIER com a PREPA foi um ponto de disputa para a jovem LUMA, que forçou os trabalhadores da PREPA a se candidatarem aos seus empregos novamente. Essa recandidatura forçada veio quando a LUMA reconheceu o Sindicato Insular dos Trabalhadores da Construção Industrial e Elétrica (UITICE) como o representante de negociação dos técnicos. O UITICE ofereceu mais concessões e uma postura mais favorável às corporações na mesa de negociações.

Não é assim que as coisas deveriam acontecer. Em uma força de trabalho multi-sindical, o sindicato com maior representação é escolhido para representar os trabalhadores em negociações coletivas - o fator importante sendo a autonomia do trabalhador. Em vez disso, a LUMA escolheu por eles, roubando o direito deles de escolher a sua representação juntamente de inúmeros benefícios e acordos salariais duramente conquistados.

Esse movimento antidemocrático foi o último prego no caixão corporativo. Isso causou a alienação de mais de 3 mil trabalhadores da PREPA que se recusaram a se demitir da LUMA. Isso também confirmou os medos dos trabalhadores de que nenhuma agência governamental interferiria para ajudar.

A aquisição  pela LUMA teve a sua própria audiência com uma subcomissão da Câmara em outubro de 2021, com forte foco em problemas com o quadro de funcionários. Em um depoimento, o CEO da LUMA, Wayne Stensby, se atrapalhou ao responder “quantos apagões” Porto Rico tem sofrido sob sua liderança, admitindo apenas que “apagões acontecem diariamente”.

A solução da LUMA para os problemas crescentes com o quadro de pessoal foi terceirizar o trabalho, tanto para trabalhadores autônomos na ilha quanto para empregados das empresas controladoras da LUMA: a American Quanta Services e o grupo Canadian ATCO. Esse movimento veio com o seu próprio conjunto de debates trabalhistas, com os trabalhadores autônomos rejeitando o acordo trabalhista do sindicato Irmandade Internacional de Trabalhadores Elétricos (IBEW), o qual eles teriam que assinar para trabalhar com a LUMA.

Apesar das garantias, a terceirização não melhorou a situação que a LUMA enfrenta na realidade. Ela tem apenas agravado os problemas pré-existentes, resultando na contínua falta de serviço depois do Furacão Fiona. Os municípios são forçados a intervir para suprir as falhas, a exemplo do prefeito de Bayamón que planeja contratar técnicos de emergência para reconstruir postes que a LUMA ainda não consertou, e do prefeito de Auguadilla que contratou técnicos da PREPA. De acordo com o prefeito Julio Roldán Concepción, Aguadilla ficou sem assistência da LUMA por dias depois que o Fiona atingiu a ilha.

A gestão privada de prestação de serviços tem sido imposta por legisladores que estão priorizando o seu comprometimento com o conservadorismo fiscal ao invés do bem público. Enquanto isso, os porto-riquenhos sofrem com interrupções regulares na educação, nos serviços de alimentação, transporte, saúde e água potável. A privatização foi vendida como solução para os problemas energéticos de Porto Rico. No entanto, tem sido apenas um desastre.

Joe Wilkins é maestro, compositor e tubista.

Available in
EnglishSpanishPortuguese (Brazil)
Author
Joe Wilkins
Translators
João Afonso Diniz Paixao and Graciela Kunrath Lima
Date
11.11.2022
Source
Original article🔗
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