Um ano após o início do genocídio em Gaza e a intensificação da ofensiva militar e dos colonos na Cisjordânia, as crianças têm sido o grupo mais sistematicamente atacado por Israel em toda a Palestina histórica.
Todo ano, por volta dessa época, o novo ano letivo estaria em pleno andamento na Faixa de Gaza e os estudantes universitários começando seu primeiro semestre. No entanto, desde outubro do ano passado, não apenas as aulas foram interrompidas, mas toda a educação na Faixa de Gaza foi dizimada. Isso sem mencionar o assassinato sistemático de crianças durante a guerra — o secretário-geral da ONU, Antonio Guterres, declarou que Gaza havia se tornado um "cemitério de crianças" apenas um mês após o início da guerra genocida. Além disso, as crianças enfrentam efeitos mentais e de saúde de longo prazo, resultantes da exposição a doenças, desnutrição crônica e violência implacável.
Embora em escala menor do que em Gaza, as crianças na Cisjordânia também têm sido alvo das forças israelenses e dos colonos com alarmante regularidade. Desde 7 de outubro de 2023, a matança e a mutilação de crianças palestinas por forças e colonos israelenses aumentaram drasticamente, segundo grupos de direitos humanos, levando à morte de pelo menos 140 crianças (menores de 18 anos) no espaço de 11 meses — uma média de uma criança assassinada a cada dois dias.
Embora os efeitos da guerra de Israel em Gaza tenham, compreensivelmente, atraído a maior parte da atenção global, as violações israelenses contra a infância palestina tanto na Cisjordânia quanto em Gaza deixam claro que Israel declarou guerra contra toda uma geração na Palestina.
Em 29 de julho, o Ministério da Educação de Gaza anunciou que 39.000 alunos do ensino médio da Faixa de Gaza não realizaram o exame Tawjihi este ano, sendo que 10.000 deles foram mortos, assim como 400 professores.
O Gabinete de Mídia do Governo disse que, desde o início da guerra em Gaza, o exército israelense destruiu completamente 125 escolas e universidades e danificou parcialmente outras 336.
A agressão à educação é espelhado no ataque genocida contra todos os outros setores que fazem a sociedade de Gaza funcionar, desde a saúde até os sistemas de alimentação e os centros de gerenciamento de resíduos. No entanto, uma das partes mais perversas do ataque ao setor educacional é seu objetivo de apagar o futuro das crianças.
Sharif Alaa é um dos muitos estudantes originários de al-Shuja'iyya, na Cidade de Gaza, que agora vivem na "zona segura" de Mawasi, em Khan Younis, após ser deslocado sete vezes. Por volta dessa época, no ano passado, em seu antigo bairro em Gaza, ele estava começando o último ano do ensino médio e esperava se inscrever na universidade no ano seguinte.
Sharif se dedicou aos estudos durante todo o ano passado, mesmo em meio ao genocídio, para obter uma pontuação alta que lhe permitisse se especializar em ciências. Ele se agarrou ao seu sonho, mesmo quando isso parecia impossível, dadas as circunstâncias, e continuou estudando durante os vários deslocamentos que enfrentou. Sharif manteve a esperança de que pelo menos alguns alunos pudessem realizar os exames em áreas declaradas como "seguras" em Gaza.
Mas ele nunca viu o interior de uma sala de exames. Durante o verão, ouviu os anúncios anuais no rádio com muita dor, pois os resultados do exame tawjihi do ensino médio excluíram a Faixa de Gaza pela primeira vez na história. Em vez de divulgar os resultados dos alunos que foram aprovados, o Ministério da Educação de Gaza anunciou o número de alunos e professores martirizados (assassinados) na Faixa de Gaza.
"Eles destruíram meu futuro sem sequer me ferir fisicamente. E as pessoas que foram feridas, então? Sinto uma dor indescritível por perder meu futuro. Eu esperava iniciar um novo capítulo da minha vida, mas agora ele não existe mais", disse Sharif ao Mondoweiss.
Ironicamente, Sharif passou a maior parte de seu tempo em escolas que haviam sido convertidas em abrigos durante a guerra, primeiro no norte de Gaza e depois no sul.
"As escolas perderam seu valor como um local de educação", disse Sharif. "Elas se tornaram um local de deslocamento e perda de lar e segurança".
"Essas cadeiras, essas mesas, elas eram usadas para o aprendizado", continuou Sharif. "As manhãs na escola eram repletas de hinos nacionais… Agora, as salas de aula são usadas como quartos, abrigando várias famílias, e as pessoas acendem lenha nelas para cozinhar. Isto não é mais uma escola".
Em 1º de agosto, a UNRWA (Agência das Nações Unidas de Assistência aos Refugiados da Palestina no Oriente Médio) lançou um programa educacional para que as crianças recuperassem as partes do ano letivo que haviam perdido. O objetivo principal era, ao menos, oferecer um espaço seguro para que as crianças pudessem brincar, aprender, crescer e se reunir com antigos amigos.
"Em sua fase inicial, a UNRWA expandirá as atividades de apoio psicológico e social em andamento, com foco em artes, música e esportes — além de promover a conscientização sobre os riscos de restos de materiais explosivos", disse a UNRWA em um comunicado à imprensa.
"As crianças em Gaza estão traumatizadas e assustadas", afirmou Scott Anderson, diretor da UNRWA em Gaza, no comunicado. "Estamos lançando hoje o programa de volta ao aprendizado para ajudar as crianças a lidar com a situação e voltarem a ser apenas crianças".
Na Cisjordânia, as condições de segurança das crianças palestinas vinham se deteriorando já há um ano antes de 7 de outubro. Porém, desde o início da guerra no ano passado, essas condições pioraram drasticamente.
De acordo com um estudo publicado pela Defesa para Crianças Internacional-Palestina (DCIP) em 9 de setembro, forças israelenses ou colonos mataram pelo menos 140 menores palestinos com menos de 18 anos no espaço de 11 meses — uma média de uma criança morta a cada dois dias.
A vítima mais recente foi Bana Baker Laboum, de 13 anos, morta em 6 de setembro durante um ataque de colonos israelenses ao seu vilarejo, Qaryout, a sudeste de Nablus. Ela foi morta dois dias antes do início do ano letivo.
De acordo com depoimentos de sua família e de vizinhos, Bana estava em seu quarto quando colonos israelenses invadiram a parte sul do vilarejo, abrindo fogo contra casas palestinas. Uma das balas a atingiu no peito. Ela foi hospitalizada no Hospital Rafidia, em Nablus, onde mais tarde foi declarada morta.
Na escola de Bana, em Qaryout, um retrato dela, no meio de uma coroa de flores, ocupava seu lugar na sala de aula. Sua colega de classe descreveu Bana como "um coração muito bondoso, sempre pronta para confortar aqueles que choravam ao ver imagens de pessoas sofrendo em Gaza".
Em entrevista ao canal local Fajer TV Palestina, em meio a lágrimas, a colega de classe de Bana disse que "ela estava em seu quarto preparando seus livros e tinha planejado sair mais tarde naquele dia para comprar mais coisas para o início das aulas."
Sua professora de inglês e supervisora do grupo de escoteiras da escola a descreveu como "uma menina muito educada, alegre e estudiosa". Seu pai, Amjad Baker Laboum, disse à Palestine TV que "olho para seus colegas de classe e vejo Bana em cada um deles".
Enquanto as crianças da Faixa de Gaza são forçadas a perder o início do ano letivo pela segunda vez desde o início da guerra, o retorno às aulas na Cisjordânia tem sido marcado pelo aumento da insegurança ao longo dos dois últimos anos, especialmente nas áreas mais visadas pela violência israelense.
Já em dezembro de 2023, a UNICEF relatou que o assassinato de crianças palestinas na Cisjordânia, incluindo Jerusalém Oriental, havia atingido "níveis sem precedentes". Nas últimas 12 semanas de 2023, Israel havia assassinado 83 crianças palestinas na Cisjordânia, mais do que o dobro do número de crianças mortas em todo o ano de 2022, que já era considerado um dos anos mais mortais para as crianças palestinas. Mais de 576 crianças foram feridas no mesmo período.
"Viver com um sentimento quase constante de medo e angústia é, infelizmente, muito comum para as crianças afetadas", afirmou a UNICEF. "Muitas crianças relatam que o medo se tornou parte de sua vida cotidiana, e muitas têm medo até mesmo de ir à escola andando ou de brincar na rua devido à ameaça de tiroteios".
Desde o início de 2024, o assassinato e a mutilação de crianças só aumentaram a cada nova campanha militar israelense.
No último grande ataque israelense às cidades da Cisjordânia, batizado de "Operação Acampamentos de Verão", no final de agosto, as forças israelenses assassinaram 11 crianças e menores, com idades entre 13 e 17 anos. A maioria deles era de Tulkarem, Tubas e Jenin, onde se concentrou a maior parte das operações militares de Israel na Cisjordânia desde outubro do ano passado.
"As forças israelenses estão matando crianças palestinas com brutalidade e crueldade calculadas em todo o território palestino ocupado", disse o diretor do DCIP, Khaled Quzmar, em um comunicado.
Said Abu Eqtaish, também do DCIP, disse que "nenhuma pessoa foi responsabilizada pela morte dessas crianças, o que encoraja as forças israelenses a continuar matando impunemente".
A morte e a mutilação são apenas a parte mais visível do impacto da violência israelense contra as crianças palestinas na Cisjordânia.
"O desempenho escolar das crianças caiu drasticamente, pois muitas delas não têm ido à escola regularmente devido às repetidas invasões", disse Nehaya al-Jundi, mãe e diretora do centro de reabilitação de crianças deficientes no campo de refugiados de Nur Shams, ao Mondoweiss. "Muitos sofrem de distração, medo descontrolado e urinação involuntária, e, para aqueles com deficiência intelectual, é ainda mais difícil, porque eles não entendem o que acontece ao seu redor".
Nur Shams foi uma das áreas mais afetadas pela implacável campanha militar de Israel em agosto passado, que resultou na destruição generalizada da infraestrutura civil do campo de refugiados.
"Minha filha entende o que acontece no campo de refugiados, o que dificulta protegê-la da realidade", disse Al-Jundi. "Mesmo que ela se adapte e entenda, não consegue esconder seu medo, que é constante".
"Para nós, mães, é difícil proteger nossos filhos do trauma, porque nós mesmas estamos traumatizadas", acrescentou. "O trauma mais difícil para as crianças é a falta de segurança, inclusive dentro de suas casas, já que muitas delas testemunharam invasões em suas casas, além da prisão e o assassinato de familiares".
À medida que a repressão de Israel aos palestinos na Cisjordânia continua a escalar em meio a expectativas de uma repetição do "modelo de Gaza", as crianças palestinas continuam a ser o setor mais vulnerável à violência israelense, sofrendo a maior parte do impacto. De acordo com o relatório do DCIP, 20% das crianças mortas na Cisjordânia entre 2000 e 2024 foram assassinadas depois de 7 de outubro.
Enquanto isso, as crianças palestinas na Faixa de Gaza continuam sendo assassinadas diariamente, e os massacres não dão sinais de que vão parar. As que sobrevivem são privadas de educação, expostas a doenças e à fome, traumatizadas e tornadas órfãs, sem pais sobreviventes.
O resultado foi um ano de guerra contra crianças, tornando a Palestina o lugar mais precário do mundo para ser criança.
Tareq S. Hajjaj é o correspondente do Mondoweiss em Gaza e membro do Sindicato de Escritores Palestinos. Ele estudou Literatura Inglesa na Universidade Al-Azhar, em Gaza. Iniciou sua carreira no jornalismo em 2015, atuando como redator de notícias e tradutor para o jornal local, Donia al-Watan. Já colaborou com Elbadi, Middle East Eye e Al Monitor. Siga-o no Twitter/X: @Tareqshajjaj.
Qassam Muaddi é membro da equipe editorial do Mondoweiss na Palestina. Siga-o no Twitter/X: @QassaMMuaddi.
Foto: Mondoweiss