Economy

Novas leis em regime de urgência do Canadá reforçam promessa falsa de 'reconciliação econômica'

Uma série de legislações novas em todo o Canadá ameaça enfraquecer direitos indígenas e proteções ambientais.
Uma onda de leis novas no Canadá tem acelerado grandes projetos por diminuir avaliações ambientais e protocolos de consentimento indígena. Classificada como uma necessidade econômica, essa legislação reaproveita o termo "reconciliação econômica" para pressionar comunidades indígenas a aceitar projetos extrativistas. No entanto, ao desconsiderar a implementação do Consentimento Livre, Prévio e Informado, essas leis prejudicam os direitos indígenas e as verdadeiras relações entre nações.

Uma onda legislativa reformulou rapidamente a forma como o Canadá aprova grandes projetos de desenvolvimento. De Ottawa a Victoria e Queen's Park, os governos aprovaram leis nos últimos meses que enfraquecem proteções ambientais e centralizam a tomada de decisões sob a faixada de "urgência econômica". 

Uma das novas leis em vigor é federal: a Lei de Economia Canadense, conhecida como Projeto de Lei C-5, promete "agilizar projetos de construção nacional", considerados de interesse público por permitir que o gabinete os isente do cumprimento de certas leis. A aprovação deste projeto de lei, que passou rápido pelo parlamento federal em apenas três semanas, reflete movimentos semelhantes nas províncias.

Em Ontário, o Projeto de Lei 5 cria "zonas econômicas especiais" em que se podem desconsiderar avaliações ambientais, proteções de espécies em risco e regras de patrimônio. Na C.B. (Colúmbia Britânica), os projetos de lei 14 e 15 concedem ao governo provincial poderes amplos para contornar processos regulatórios padrão e acelerar o desenvolvimento de infraestrutura em nome da transição para energia limpa.

Enquanto essa legislação de “aceleração” se desenrolava, as Primeiras Nações, grupos ambientalistas, políticos da oposição e até mesmo alguns líderes empresariais alertaram que as leis novas sacrificariam direitos indígenas e proteções ambientais por conveniência. 

Os líderes do Canadá, por outro lado, apresentaram a nova legislação como ideias urgentes, necessárias e ousadas para agir em uma economia sob cerco de tarifas, incerteza global e regulamentações complicadas. O primeiro-ministro Mark Carney alertou para uma "crise nacional" decorrente das tarifas comerciais dos EUA e usou a ameaça de Donald Trump para reunir apoio ao projeto de lei federal. Líderes provinciais em Ontário e na C.B. deram alertas semelhantes. 

Tudo isso resulta em uma ameaça significativa aos direitos indígenas, à supervisão ambiental e à responsabilidade pública. Além disso, esses mesmos governos englobam essas leis como parte de uma promessa maior: “reconciliação econômica”. 

Eu já critiquei esse termo da moda como uma promessa falsa aos povos indígenas. Vi como essa linguagem é utilizada para pressionar comunidades indígenas a aceitar projetos prejudiciais sob o pretexto de prosperidade — uma oferta de inclusão econômica para prender as comunidades em projetos corporativos extrativistas que elas não projetaram, não controlam e não podem recusar facilmente.

Reconciliação "arregaçar as mangas"?

O Projeto de Lei C-5 apresenta seus objetivos como "reconciliação econômica" de forma bastante explícita, afirmando que a legislação "desencadeará crescimento econômico com a parceria indígena no centro". O primeiro-ministro Carney, em declaração no Dia Nacional dos Povos Indígenas, destacou “a criação de riqueza e prosperidade geracional” para as comunidades indígenas como “fundamental ao compromisso de avançar na reconciliação”. Em Ontário, o ministro Greg Rickford, supervisor da pasta recém renomeada “Assuntos Indígenas e Reconciliação Econômica das Primeiras Nações”, apoiou-se fortemente em uma retórica semelhante, dizendo: “Eu não falo sobre questões indígenas. Vou falar sobre oportunidades indígenas." 

Em outras palavras, governos de todo o país tentam sugerir que o desenvolvimento dos povos indígenas depende da extração de combustíveis fósseis e de minerais. Além de sentimentos superficiais, devemos perguntar: o que está sendo abandonado à medida que a visão de reconciliação do governo se estreita?

A Lei UNDRIP do Canadá, que consagrou a Declaração das Nações Unidas sobre os Direitos dos Povos Indígenas em 2021, e a DRIPA da C.B., que fez o mesmo nas províncias em 2019, foram celebradas como compromissos históricos para harmonizar as leis com os direitos indígenas, principalmente o direito ao consentimento livre, prévio e informado. Contudo, o Projeto de Lei 15 da C.B. menciona a DRIPA apenas uma vez e não oferece ferramentas de controle para defender o consentimento. O Projeto de Lei 15 autoriza o gabinete a anular revisões ambientais — o único processo formal com que as Primeiras Nações podem levantar preocupações sobre os riscos que os projetos representam às suas terras e hidrovias.

O Projeto de Lei 5 de Ontário e o Projeto de Lei federal C-5 vão além, isentando completamente os chamados projetos "estratégicos" de avaliações.

Embora muitos dos chamados líderes progressistas em várias jurisdições tenham elogiado a liderança climática indígena, eles criam agora caminhos para megaprojetos que vão passar por cima dos próprios compromissos climáticos e diminuir sua responsabilidade de promover direitos e títulos indígenas protegidos constitucionalmente. O premiê David Eby destacou que a C.B. precisa aumentar os minerais críticos para impulsionar a transição energética. Porém, está claro que as leis novas não serão usadas exclusivamente para infraestrutura “verde”. Logo após a aprovação dos projetos de lei 14 e 15, o Escritório de Avaliação Ambiental da província decidiu que o projeto Prince Rupert Gas Transmission (PRGT), um gasoduto de gás fraturado adiado há muito tempo, poderia prosseguir com uma licença de dez anos atrás, embora a construção ocorra agora em um cenário ambiental e político completamente diferente.

O PRGT enfrentou oposição de muitos povos indígenas ao longo do caminho, como os Chefes Hereditários de Gitanyow. No entanto, tem o apoio do governo de Nisg̱a’a Lisims, que fez parceria com a Western LNG para construir o projeto. A aprovação do projeto pelo governo da C.B. não é um descuido, mas sim uma escolha política deliberada para celebrar as nações indígenas dispostas a colaborar em megaprojetos — e marginalizar as que resistem. 

Em minha crítica anterior à reconciliação econômica, comparei a oferta do Canadá às Nações Indígenas da chance de participar de projetos, que geram lucros exuberantes para corporações, a entregar o pote de biscoitos com apenas migalhas. Mas agora, com o incentivo do governo a uma onda de legislação pró-empresarial, a indústria de combustíveis fósseis parece estar também com a língua na tigela.

Dado o histórico de políticas assimilacionistas do Canadá com povos indígenas, compromissos legislados com o consentimento livre, prévio e informado são necessários para reequilibrar o poder e restaurar um relacionamento real entre nações. Leis como a UNDRIP e a DRIPA da C.B. representam passos importantes, mas, na prática, os governos têm demorado para implementar protocolos de consentimento e cumprir suas responsabilidades com restituição de terras, autodeterminação e reparação sistêmica. A implementação total do consentimento informado significa mudar quem detém o poder real de tomada de decisão.

O governo liberal afirmou repetidas vezes que o “consentimento livre, prévio e informado não é um veto.” Mas por que não? Um veto não bloquearia todo o desenvolvimento. No entanto, forçaria os governos a negociar de boa fé e a respeitar os interesses definidos pelos indígenas. Em vez disso, o governo consolidou o poder quase absoluto dos legisladores, deixando as Nações Indígenas incapazes de dizer “não” sem enfrentar longas batalhas legais ou polícia militarizada. 

Uma falsa dicotomia

Por baixo de todos esses desenvolvimentos recentes está o que chamo de uma imaginação econômica sufocada. Ao aceitar a "reconciliação econômica" como suficiente, os governos e grande parte do público parecem abraçar a crença de que o único caminho para o florescimento indígena é o desenvolvimento intensivo por meio dos modelos econômicos existentes — os mesmos construídos com genocídio indígena e roubo de terras.

Essa visão restrita enquadra quaisquer barreiras aos megaprojetos — como cumprir regras ambientais ou obter consentimento indígena — como obstáculos que podem ser superados por meio de legislação centralizada. A escolha falsa entre a economia e os direitos indígenas reforça o estereótipo racista de que os povos indígenas são impedimentos ao progresso. É uma narrativa que força ainda mais os povos indígenas a apoiar projetos que não são benéficos a eles, pois muitos estão cientes de que quem levanta preocupações arrisca parecer anti-progresso ou alheio à necessidade de trabalho do próprio povo. Esse estereótipo desgastado justifica uma versão estreita e corporativa de reconciliação. Em vez de os governos cumprirem suas obrigações para com os povos indígenas, ficamos com fórmulas corporativas simplistas de empregos e crescimento, o que somos instruídos a aceitar — ou sair do caminho. 

Devemos rejeitar essa falsa dicotomia e o uso indevido de “reconciliação econômica”. É possível ter prosperidade econômica enquanto defendemos os direitos indígenas e proteções ambientais fortes se criarmos políticas com esse equilíbrio. Essa tarefa vai exigir criatividade, paciência e parceria genuína. Exige que todos nós deixemos de aceitar migalhas e ausência de imaginação econômica. Porque sejamos claros: os povos indígenas não são os únicos a ouvir mentiras sobre o que merecemos. Os líderes políticos estão vendendo a mesma história de escassez para os canadenses comuns. Temos que diminuir nossas expectativas enquanto as corporações expandem seus lucros. Nos últimos meses, os políticos nos disseram para “arregaçar as mangas” e comprar produtos canadenses enquanto o governo federal se aliava a Trump, e a C.B. aprovava um megaprojeto apoiado pelos americanos. As mesmas forças que atropelam os direitos das nações indígenas estão aumentando o custo de vida, destruindo proteções trabalhistas e transformando bens públicos em combustível para o lucro privado. Um governo que não respeita o consentimento indígena não vai respeitar seu sindicato, as necessidades de sua comunidade ou nosso futuro compartilhado.

Rumo a um novo imaginário coletivo

No momento, alguns questionam: "Bom, então qual é a alternativa?" Essa pergunta não é uma armadilha; é um convite. Em resposta, pergunto: e se descobríssemos juntos? E se parássemos de pensar em reconciliação e ação climática como assuntos secundários e, em vez disso, as víssemos como parte de nosso futuro compartilhado? 

As nações indígenas há muito praticam uma governança enraizada na reciprocidade e no cuidado com a terra. Em todo o mundo, vemos exemplos de sistemas energéticos democráticos, energias renováveis de propriedade comunitária e economias de bem-estar, que priorizam as pessoas e o planeta. Temos oportunidades de criar empresas e programas públicos novos, como um Youth Climate Corps. Esses tipos de ideias são produtos de uma imaginação coletiva e da recuperação tradicional que o governo está tentando eliminar com leis. Se há motivo para otimismo, é a união e a clareza com que as comunidades indígenas estão respondendo à legislação em regime de urgência. Hayden King, diretor executivo do Yellowhead Institute, traçou um paralelo com mais de uma década atrás, quando leis gerais que destruíram proteções ambientais desencadearam o movimento Idle No More. Minha esperança é que a resistência atual se transforme em rejeição total da “reconciliação econômica” e recusa em se contentar com qualquer coisa que não seja a implementação dos direitos e títulos indígenas.

Os canadenses agora encaram uma escolha. Ou exigimos melhor de nossos governos, insistindo que honrem os tratados e a Declaração da ONU, e lutamos com força pelos ecossistemas frágeis de que dependemos. Ou aceitamos esse futuro acelerado em que a reconciliação e a justiça climática ficam cada vez mais fora de alcance. 

Janelle Lapointe faz parte da organização de justiça climática e direitos indígenas da Stellat'en First Nation. Atualmente é convidada nos territórios Sḵwx̱wú7mesh (Squamish), Səl̓ílwətaʔ/Selilwitulh (Tsleil-Waututh) e xʷməθkʷəy̓əm (Musqueam).

Available in
EnglishSpanishPortuguese (Brazil)FrenchArabic
Translators
Luna Omine and Open Language Initiative
Date
23.10.2025
Source
Breach MediaOriginal article🔗
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