‘Africans Rising’ (Africanos em Ascensão) é um movimento Pan-Africano de pessoas trabalhando e lutando por Justiça, Paz e Dignidade. O movimento criou uma carta para sua campanha, #ReRightHistory, que exige o reconhecimento honesto dos danos e custos humanos da escravidão e do colonialismo, cujos legados continuam a ter influência negativa sobre a trajetória econômica e política dos países em todo o continente africano, enquanto minam sua soberania ecológica. O texto também exigia reparações às vítimas da escravidão e do colonialismo e o estabelecimento de comissões da verdade e de cura para permitir o pleno reconhecimento dos legados da escravidão, do colonialismo e do racismo sistêmico.
A atitude de Rob, Daisy e Ben foi um lembrete para o governo britânico - o maior ex-colonizador do continente africano e de todo o mundo, além de um ator central na obtenção de lucros com base na escravidão humana - de sua responsabilidade no processo de justiça restaurativa. Em 6 de outubro, eles serão absolvidos ou condenados por sua parte em uma nova tentativa de responsabilizar o Reino Unido pela verdade.
Atualmente, todos concordamos que o capítulo da história humana marcado pela escravidão foi brutal. As pessoas escravizadas eram consideradas propriedade de outros seres humanos, incapazes de compreender sua dignidade e seus direitos, portanto indignos de ambos, e sujeitas a privações e sofrimentos indescritíveis. Estima-se que pelo menos 12 milhões de pessoas do continente africano foram embarcadas através do oceano Atlântico com rumo à escravidão nas Américas e no Caribe entre os séculos 16 e 19 - um dos maiores movimentos humanos forçados registrados na história.
As estimativas mais conservadoras situam em 1,5 milhão o número de pessoas africanas que perderam suas vidas durante a travessia transatlântica. Muitos morreram em decorrência das condições horríveis, outros se jogaram no oceano e se afogaram em tentativas desesperadas de evitar sua própria subjugação. Alguns navios também afundaram durante estas viagens, fazendo com que o fundo do oceano permanecesse repleto de ossos que contradizem histórias de dor, angústia e sofrimento inimaginável. Inúmeros esqueletos já foram erodidos pelo mar, desaparecendo do alcance da história. Mas, quase todos os dias novos registros e cicatrizes da escravidão estão sendo desenterrados, como os mais antigos destroços conhecidos de um navio negreiro, descobertos em 2005 no fundo do mar no Canal da Mancha.
A abolição da escravidão testemunhou o sistema capitalista-extrativista renovar os planos de colonização do continente africano, começando por volta de 1895, quando os países europeus convocaram a Conferência de Berlim. Tal colonialismo autojustificado aumentou mais ainda a fundação econômica da Europa ao permitir que países como a Grã-Bretanha tivessem acesso a matérias-primas, mão-de-obra barata ou forçada, e mercados ultramarinos para mercadorias processadas. Os impérios comerciais, marítimos e bancários da Europa e dos Estados Unidos devem uma enorme parte de seu desenvolvimento às épocas históricas da escravidão e do colonialismo, que denotavam períodos de crescimento econômico rápido e sustentado na história européia.
A carta que fez com que Rob, Daisy e Ben enfrentassem até seis meses de prisão foi escrita após o brutal assassinato de Geroge Floyd em Minneapolis (Minnesota, EUA) em 25 de maio de 2020 - uma morte que resulta de um profundo racismo sistêmico que faz parte do dia-a-dia da diáspora africana. Suas últimas palavras, "não consigo respirar", deram voz a protestos e marchas contra a injustiça atual e histórica. Naquele momento, reivindicações da #BlackLivesMatter (#VidasNegrasImportam) e movimentos aliados apelando por justiça racial, climática e de gênero e igualdade econômica reverberaram em todo o mundo.
Hoje, a Comissão Econômica das Nações Unidas para a África (UNECA) estima que a África perde de 50 a 80 bilhões de dólares anualmente para fluxos financeiros ilícitos (os números reais são muito mais altos). Empresas multinacionais, muitas com origem na Grã-Bretanha, Europa ou Estados Unidos, registram-se para paraísos fiscais, frequentemente utilizando instrumentos legais de fabricação britânica ou norte-americana, a fim de transferir lucros e despistar onde os impostos são devidos. Deixados em posições financeiras enfraquecidas, os países africanos têm, ao longo de décadas, emprestado enormes quantias de dinheiro sob acordos bilaterais e multilaterais que servem de forma desproporcional aos interesses dos ricos. Mais recentemente, os países africanos têm contraído empréstimos de instituições financeiras privadas. Os efeitos a longo prazo desse comportamento estão agora, mais uma vez, se tornando claros.
Duas semanas após a escalada dos Trio de Westminster no Parlamento britânico, a Zâmbia entrou em inadimplência nos pagamentos do serviço da dívida. No passado, choques como este desestabilizaram regimes e empobreceram milhões de pessoas. É um lembrete de que a pobreza nas economias neocoloniais é fabricada, não caiu do céu simplesmente.
O contínuo legado do colonialismo e das práticas imperialistas é hoje ainda mais visível através do "Acordo TRIPS" da OMC, que nega, de forma desnecessária e insensível, aos países do Sul Global, as renúncias aos direitos de propriedade intelectual que lhes permitiriam desenvolver vacinas para combater a pandemia de Covid-19.
Ao longo da história, nossa espécie se moveu em direção aos recursos disponíveis e se estabeleceu em torno deles. Os primeiros humanos se estabeleceram em terras que eram capazes de produzir e sustentar a vida. Mais tarde, a mudança dos padrões de propriedade da terra, as condições econômicas e a busca por sustento, levou muitos de nós a cidades e locais que tinham uma maior concentração de recursos industriais e financeiros e mais oportunidades de trabalho.
Portanto, não é de se surpreender que, apenas um século após a abolição da escravidão, milhares de vidas africanas ainda estejam sendo perdidas no mar. Todos os dias jovens africanos arriscam suas vidas tentando atravessar o Mediterrâneo e buscando melhores perspectivas na Europa, vítimas de forças tanto internas quanto externas ao seu continente.
Ainda, inúmeros outros fogem das dificuldades e privações causadas pelas mudanças climáticas que transformaram terras agrícolas ricas em solo seco e improdutivo. Em certas partes da África, as mudanças ambientais forçaram vilarejos inteiros a se mudarem para cidades onde as condições são ainda mais adversas.
Os jovens africanos arriscando ou perdendo suas vidas ao atravessar o Mar Mediterrâneo estão literalmente fugindo dos legados do colonialismo e do imperialismo que definem suas condições miseráveis na esperança de ter acesso à concentração de riqueza e oportunidades da Europa. Quantas mais vidas a África tem a perder? O fundo do oceano não está cansado dos esqueletos africanos?
Algumas semanas após a prisão do Trio de Westminster, o Parlamento Britânico debateu a Lei de Polícia, Crimes, Sentenças e Tribunais, em uma sala não muito longe de onde a Carta tinha estado pendurada. Se aprovada, esta legislação restringirá as liberdades de expressão, protesto, entre outros direitos. Ela é tão draconiana que o Primeiro Ministro Boris Johnson fez recentemente o desprezível comentário de que o Secretário encarregado do policiamento, Priti Patel (do partido Conservador), estava transformando o Reino Unido na “Arábia Saudita da política penal". A indignação com o projeto de lei desencadeou imediatamente uma campanha para detê-lo: #KillTheBill.
O Trio de Westminster colocou suas vidas e liberdade em risco em uma desafiadora demonstração de solidariedade com o povo oprimido da África. Eles não representavam perigo e não prejudicaram ninguém. Simplesmente disseram a verdade ao poder. Estão do lado certo da história. O fato de estarem sendo julgados nos faz lembrar que o que é legalizado e o que é certo nem sempre é o mesmo.
Aplaudimos sua coragem e camaradagem em nossa busca coletiva por justiça, paz e dignidade.
A luta continua!