A União Europeia se prepara para a guerra.
Na reunião do Conselho Europeu no início deste mês, os governos da UE concordaram em emitir € 150 bilhões em dívida para a defesa dos estados-membros e permitiram € 650 bilhões adicionais em gastos militares fora dos limites de empréstimos da UE—respectivamente R$ 935 milhões e R$ 4,05 bilhões.
O anúncio veio na esteira do ritual de humilhação pública ao qual Donald Trump submeteu o presidente ucraniano Volodymyr Zelensky em sua visita à Casa Branca em 28 de fevereiro. Lá—aos olhos e ouvidos da imprensa internacional—o vice-presidente JD Vance exigiu que Zelensky expressasse sua gratidão pelo plano dos EUA de retirar US$ 500 bilhões (R$ 2,85 trilhões) em minerais raros, petróleo e gás da Ucrânia em troca de apoio militar contínuo. “Vamos ter todo esse dinheiro na [Ucrânia], e eu digo: quero de volta”, declarou Trump, para choque e horror dos aliados dos EUA do outro lado do Atlântico.
“Estamos vivendo no mais importante e perigoso dos tempos”, disse a presidenta da Comissão, Ursula von der Leyen, em 4 de março, ao anunciar sua visão de ‘ReArmar’ o continente (ReArm, no original em Inglês) e mudar seu modelo produtivo para o ‘modo de economia de guerra’. “Este é um momento para a Europa. E estamos prontos para dar um passo à frente”, disse von der Leyen. “A Europa quer paz por meio da força.”
Na Alemanha natal de von der Leyen, políticxs de todo o espectro estão tão interessadxs na “economia de guerra” que estão rompendo o “teto de gastos” constitucional do país, antes considerado sacrossanto. Na semana passada, democratas cristãos, social-democratas e verdes da Alemanha concordaram em desbloquear até € 1 trilhão (R$ 6,23 trilhões) para investimentos na economia de guerra. “A Alemanha está de volta”, disse o líder conservador da Alemanha, Friedrich Merz, após garantir um acordo sobre a remilitarização da Alemanha.
Na Grã-Bretanha, o primeiro-ministro Keir Starmer aumentou os gastos militares para 2,5% do PIB e estabeleceu um curso para 3% no próximo mandato. Enquanto isso, seu governo corta o apoio a aposentadorias, pessoas com deficiência e doentes. Starmer se gabou da mudança de política como “o maior aumento continuado nos gastos com defesa desde o fim da Guerra Fria”.
Na França, o presidente Emmanuel Macron está pressionando por € 3 bilhões (R$ 18,7 bilhões) extras por ano para armamentos, preparando-se ansiosamente para a proliferação nuclear contínua e o envio de tropas da OTAN para a Ucrânia. Macron prevê um contingente de “alguns milhares de tropas por país” a serem posicionadas em locais-chave em todo o país, alimentado por novas políticas de recrutamento obrigatório adotadas por países vizinhos como a Letônia.
Na Polônia, o primeiro-ministro Donald Tusk vem tentando importar armas nucleares dos EUA para dentro solo polonês—ao mesmo tempo em que prometeu se retirar da Convenção de Ottawa e da Convenção de Dublin sobre minas antipessoal e munições de fragmentação. A Polônia se comprometeu a despejar quase 5% do PIB em suas forças armadas e a lançar um grande programa de treinamento para potenciais novos recrutas.
Todos esses anúncios foram feitos desde que Donald Trump assumiu o cargo, há menos de dois meses: uma onda vertiginosa de políticas belicosas sem precedentes na história da União Europeia.
Desde a crise financeira de 2008, a UE insiste que não tem dinheiro e impõe o ‘diktat’ de austeridade em qualquer país que ouse dizer o contrário. Agora, as comportas financeiras parecem ter se aberto, mas elas se abriram apenas para as armas—ainda que cidadãs e cidadãos europeus continuem sofrendo níveis duradouros de subemprego, subinvestimento e insegurança econômica.
Formuladores e formuladoras de políticas públicas da UE—cambaleantes com o retorno de Trump à Casa Branca—acreditam que podem matar dois coelhos com uma cajadada só. O primeiro é a sensação de abandono de seu principal aliado militar do outro lado do Atlântico, e seus compromissos anteriores de liderar o esforço de guerra na Ucrânia. O segundo é a crise da desindustrialização que põe em risco o status da Europa como uma superpotência econômica global. Os arquitetos da “economia de guerra” europeia acham que encontraram a chave mestra para lidar com as crises sobrepostas do bloco.
Mas o keynesianismo militar não reindustrializará a Europa—nem tornará as vidas de seus cidadãos e cidadãs mais seguras. “Economias de guerra” só funcionam quando governos empregam o povo trabalhador na produção contínua de armas a serem usadas no curso do conflito; sem uma guerra real para dar-lhe direção, a UE está simplesmente prometendo transferir escassos fundos públicos para contratantes de defesa dos EUA. Ou pior: o rearmamento da Europa dará a seus líderes o incentivo apropriado para começar tal guerra a fim de manter sua “economia de guerra” funcionando a todo vapor.
Tal risco aponta para uma contradição mais profunda na política de rearmamento da UE. Os mesmos agentes políticos que alertaram sobre a ascensão da extrema direita na Europa—com uma perigosa visão de supremacia étnica e dominação global—estão hoje apoiando a produção em massa de armas a serem colocadas à sua disposição. A receita para o desastre está claramente escrita na guinada para a direita da Europa.
A mesma contradição se aplica à política da Organização do Tratado do Atlântico Norte. Os mesmos políticos e políticas que celebraram a OTAN como a guardiã da segurança europeia e da democracia global estão hoje alertando que a sua força dominante—liderada pelo presidente Donald Trump—está determinada a incendiar o mundo. Nenhuma das beligerâncias de Trump parece ter produzido autorreflexão crítica entre a liderança da OTAN na Europa, que sorriu durante uma visita ao Salão Oval na semana passada, durante a qual o presidente dos EUA emitiu ameaças sinistras a países como Canadá e Groenlândia.
Em 1887, Friedrich Engels se viu atormentado por uma sensação semelhante de pressentimento. A Europa, ele escreveu, estava caminhando para uma “guerra mundial […] de uma extensão e violência até então inimagináveis”. As novas armas de guerra que a Europa havia implantado tão violentamente contra seus povos colonizados, ele escreveu, logo se voltariam contra os trabalhadores e as trabalhadoras que protestavam na Europa. Era imperativo, ele disse, que o povo trabalhador de todo o continente se unisse em torno de uma agenda de desarmamento.
É difícil não ver paralelos. Na era do rearmamento, os instrumentos mobilizados para policiar a periferia da Europa—uma “Fortaleza Europa” que afogou dezenas de milhares de pessoas no Mediterrâneo, aprisionou milhares em uma Líbia devastada pela intervenção da OTAN ou abateu dezenas no posto avançado espanhol de Melilla—podem novamente ser direcionados contra os cidadãos europeus. A campanha de repressão direcionada contra os oponentes do genocídio de Israel em Gaza pode ser apenas o começo.
A União Europeia, no entanto, parece incapaz de lidar com esse histórico de abuso, intervenção e cumplicidade em crimes contra a humanidade. Em vez disso, enquanto os EUA descambam para o descrédito, a UE prefere reivindicar o manto de policial global. "Hoje, ficou claro que o mundo livre precisa de uma nova liderança", declarou a chefe de política externa da UE, Kaja Kallas. "Cabe a nós, europeus, aceitar esse desafio."
Tal combinação de arrogância e beligerância deveria assustar qualquer estudante de história europeia. Mas a ruptura repentina da aliança atlântica também oferece uma abertura—para novas alianças, novas instituições e novos centros de poder que podem proteger contra tais ambições revigoradas para o poder global da Europa.
A tarefa, portanto, é dupla. Para os povos da Europa, a luta é transformar a guerra em bem-estar, aproveitando a oportunidade da nova doutrina fiscal da UE para construir escolas, casas e hospitais onde atualmente se propõe produzir bombas, tanques e balas.
Para o resto de nós, porém, a luta continua para defender os princípios de não alinhamento que deram origem ao Terceiro Mundo em um momento semelhante de turbulência geopolítica. À medida que a UE se rende a um mundo onde “o mais forte faz a lei”, os povos do Sul podem afirmar o poder coletivo de sua maioria para traçar um caminho para a igualdade soberana e a coexistência.
Ursula von der Leyen prometeu perseguir a “paz pela força” da Europa. Nosso desafio é inverter os termos de sua fórmula: “Força pela paz”.
Em Lahore, Paquistão, um ex-funcionário da Nestlé se autoimolou em protesto contra as políticas anti trabalhadores da empresa. Mohammad Asif Javed Jutt trabalhou para a gigante multinacional por mais de 16 anos e foi demitido devido à sua participação no sindicato. As autoridades paquistanesas ordenaram sua reintegração, mas a empresa contestou a decisão no Tribunal Superior de Lahore em um caso que se arrastou por mais de cinco anos, enquanto Jutt e sua família enfrentavam crescentes dificuldades econômicas; ambos graduados, seus filhos agora foram forçados a abandonar a educação primária e o trabalho.
O evento ressalta tanto a exploração brutal em que empresas como a Nestlé se envolvem em todo o mundo quanto a impunidade com a qual operam. Forças progressistas em todo o Paquistão e além estão pedindo responsabilização e exigindo indenização para a família de Jutt.
Abahalali baseMjondolo, o maior movimento popular na África do Sul, se mobilizou com sucesso para bloquear o esforço do Tribunal Superior de Pietermartizburg para limpar suas ocupações com vista para o Oceano Índico e abrir caminho para que os super-ricos do país construam comunidades fechadas.
O parceiro da Agência da Internacional Progressista, Al Alborada, está levantando fundos para finalizar um documentário de longa-metragem co-dirigido pelo documentarista Pablo Navarrete e pelo jornalista investigativo John McEvoy sobre o papel do governo do Reino Unido na morte da democracia do Chile e na ascensão do regime de Pinochet. O filme inclui entrevistas com o membro do Conselho da IP, Jeremy Corbyn.
Você pode descobrir mais sobre o projeto aqui.
Na quarta-feira, 26 de março, ativistas anti-imperialistas Emmy Rākete, Nadia Abu-Shanab e Paweł Wargan discutirão o que é internacionalismo e por que ele é importante em Aotearoa, Nova Zelândia, em um evento online.
O atual governo da Nova Zelândia tem uma agenda de direita alinhada com aqueles ao redor do mundo, onde poucos tomam recursos e poder de muitos, enquanto culpam e oprimem ainda mais aqueles que são mais vulneráveis.
Lideranças de partidos governantes estão incitando racismo e divisão, enquanto suas agendas minam o progresso ambiental e se alinham cada vez mais com os interesses militares dos EUA. Essas ações não apenas exacerbam ainda mais as desigualdades existentes: elas ameaçam nossa saúde, ecossistemas, economia e nossa segurança.
Palestrantes discutirão por que o internacionalismo importa e como podemos construir a solidariedade como mais do que um slogan.
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New Unions é uma campanha artística e política de Jonas Staal, iniciada após o reconhecimento de que a atual crise política, econômica, humanitária e ambiental na Europa exigirá uma visão de novas alianças por meio da "reunião de representantes de movimentos e organizações transdemocráticas".
Jonas Staal é um artista visual cujo trabalho lida com a relação entre arte, democracia e propaganda. Dentro desse escopo, ele fundou vários projetos em andamento, incluindo a organização artística e política New World Summit (estabelecida em 2012) e o Court for Intergenerational Climate Crimes (estabelecida em 2021) com a escritora e advogada Radha D'Souza.