Em 4 de fevereiro, o presidente dos EUA, Donald Trump, fez um anúncio inesperado. Falando à imprensa na Casa Branca ao lado do primeiro-ministro israelense Benjamin Netanyahu—um fugitivo do Tribunal Penal Internacional—Trump declarou que os EUA "tomariam conta" e "seriam os donos" da Faixa de Gaza, transformando-a na "Riviera do Oriente Médio". Netanyahu saudou Trump como "o maior amigo que Israel já teve na Casa Branca".
Para dar lugar a essa fantasia colonial, Trump anunciou que os EUA expulsariam "1,7 ou 1,8 milhão de palestinos e palestinas" de Gaza. Antes da guerra, a população de Gaza era de cerca de 2,2 ou 2,3 milhões. Ainda não é claro se os números usados por Trump vieram da inteligência americana ou israelense, ou de alguma outra fonte. Mas, se forem precisos, eles implicam que o genocídio em Gaza já ceifou cerca de meio milhão de vidas.
Foi precisamente isso que Raz Segal, professor de Estudos sobre Genocídio, argumentou na sexta-feira, 5 de setembro, no Tribunal de Gaza do Reino Unido, convocado pelo membro do Conselho da Internacional Progressista, Jeremy Corbyn, para investigar o papel do Reino Unido no massacre. Testemunhando perante o Tribunal, Segal, com base em estudos publicados na revista médica The Lancet, explicou que o número oficial de mortes é provavelmente menos da metade do número real. Nesse sentido, considerando a última contagem do Ministério da Saúde de Gaza, de 65.000 mortes por lesões traumáticas, segundo Raz Segal, esses números apontariam para uma realidade próxima de 130.000 mortes.
Essas mortes não foram acidentais. O cirurgião britânico Nick Maynard, que realizou cirurgias em Gaza, testemunhou ter presenciado "soldados israelenses mirando em partes específicas do corpo de civis—um dia atirando na cabeça, no outro nos testículos".
E isso é só o começo. Mortes indiretas—por fome, doenças e destruição dos meios de subsistência em Gaza—elevam o número de vítimas a um patamar muito maior. "Também há consenso de que a proporção de mortes indiretas em relação às mortes diretas em situações como a de Gaza—devido à fome, à fome e às doenças—varia de 3:1 a 15:1", observou Segal.
O jornalista palestino Abubaker Abed descreveu o processo em primeira mão: “Fome significa que tivemos que comer carne especificada para animais e beber água contaminada”.
O bombardeio israelense em Gaza é o ataque mais intenso a qualquer território no século XXI. "A proporção, neste caso, é provavelmente maior, e não menor", acrescentou Segal. Mesmo uma estimativa conservadora sugere que, além das 130.000 mortes diretas por trauma, o ataque total de Israel criou as condições para a morte lenta e dolorosa de talvez mais 390.000 palestinos.
Em Church House, Westminster, o papel da Grã-Bretanha nessas mortes esteve sob escrutínio. O Tribunal ouviu Mark Smith, um funcionário do Ministério das Relações Exteriores que renunciou devido à venda continuada de armas do Reino Unido às forças de ocupação israelenses. Smith explicou que, quando ele e outros colegas questionaram a legalidade do fornecimento de armas para o ataque, foram silenciados—inclusive com advertências para que não expressassem suas preocupações por escrito. "Milhares de conversas dentro do Ministério das Relações Exteriores sobre os aspectos mais controversos de nossa política de venda de armas jamais serão vistas pelo público [e] jamais serão levadas a julgamento", disse Smith.
Uma das principais 'controvérsias' é o papel da Grã-Bretanha no programa do jato de ataque furtivo F-35, do qual o Reino Unido fabrica cerca de 15% de todas as aeronaves. "Pelo menos 75 empresas em todo o Reino Unido estão envolvidas na fabricação de componentes para o programa F-35", declarou Katie Fallon, Gerente de Suporte da Campanha Contra o Comércio de Armas. Sucessivos governos britânicos se recusaram a interromper essas exportações.
O Tribunal também ouviu jornalistas investigativos sobre o envolvimento militar entre a Grã-Bretanha e Israel. John McEvoy, repórter-chefe do Declassified UK, testemunhou que o Reino Unido esteve treinando tropas israelenses até o mês passado. Matt Kennard apresentou evidências de voos de vigilância e reabastecimento da base aérea britânica de Akrotiri, no Chipre. Sua avaliação foi contundente: "O envolvimento da Grã-Bretanha no genocídio adentra a esfera da participação. O governo do Reino Unido, por meio de suas diferentes agências militares e de inteligência, tem sido um participante."
Como disse Guillaume Long, ex-ministro das Relações Exteriores do Equador e conselheiro do Grupo de Haia: “O Reino Unido está claramente violando suas obrigações sob o direito internacional, escolhendo, em vez disso, proteger sua indústria armamentista em detrimento das vidas dos palestinos”.
Enquanto o Estado britânico protege sua indústria de armamentos, o povo britânico se recusa a apoiar esse caminho criminoso. Rami Khayal, do Movimento da Juventude Palestina, disse ao Tribunal: “Devemos nos orgulhar de que a vontade popular britânica esteja do lado certo da história. Agora, os poderes políticos devem implementá-la.”
O que essa vontade exige é exatamente o que o direito internacional demanda. Francesca Albanese, Relatora Especial da ONU para os Territórios Palestinos Ocupados, deixou claro: "Todos os laços com Israel devem ser cortados. É isso que significa cumprir o direito internacional." Ao encerrar o Tribunal, Jeremy Corbyn disse: "Não podemos ser apenas espectadores e testemunhas; podemos e temos que fazer algo a respeito."
Isso significa parar navios que rotineiramente entregam armas, combustível e bens de duplo-uso e que alimentam o massacre de Israel. Na quinta-feira, 4 de setembro, a campanha No Harbour for Genocide— liderada por uma coalizão que inclui a Internacional Progressista—publicou uma 'lista de bloqueio' com 36 'transportadores de genocídio', embarcações que enviam armas, combustível e suprimentos para Israel. O anúncio foi relatado pelo Middle East Eye e pelo El Diario. "Não permitiremos que eles passem sem contestação", disse David Adler, Co-Coordenador Geral da Internacional Progressista. "Dos portos aos parlamentos, dos tribunais às ruas, coordenaremos ações em todos os níveis a fim de parar essas embarcações e acabar com sua cumplicidade no genocídio."
À medida que o Tribunal expunha a cumplicidade britânica em crimes contra a humanidade, o mundo também vislumbrava a visão de futuro dos genocidas. Um plano que circulava na Casa Branca e que vazou para o jornal The Washington Post revela em detalhes o chamado "Projeto Riviera de Gaza" de Trump: resorts à beira-mar, campos de golfe e marinas de luxo construídos sobre as ruínas de Gaza, anunciados aos investidores como uma "oportunidade única em uma geração".
A limpeza étnica da Palestina não é um acidente de guerra—é a condição para o lucro. E a escolha, como o Tribunal nos lembrou, é clara. Podemos ser espectadores. Ou podemos agir, agora, para deter os navios, romper o cerco e salvar vidas.
Enquanto os Estados Unidos e a Europa continuam a apoiar Israel em seu genocídio contra o povo palestino, o Sul Global se mobiliza em solidariedade à Palestina. O Grupo de Haia assume a liderança na defesa do direito internacional e exige o fim da impunidade israelense e da cumplicidade global.
O ManiFiesta, festival cultural e político em Ostende, Bélgica, nos dias 13 e 14 de setembro, está organizando um painel para discutir esses acontecimentos. Moderado por Ikram Koudoussi (INTAL), xs painelistas Shahd Hammouri (Al-Haq), Layla Hazaineh (Internacional Progressista) e Marc Botenga (PTB), deputado europeu, examinarão o papel do Sul Global e do Grupo de Haia na defesa do direito internacional e no fim da cumplicidade global.
Mais informações sobre o painel estão disponíveis aqui e você pode comprar tickets para o festival aqui.
Na semana passada, enfermeiras e enfermeiros quenianos foram presos em protestos em Nairóbi após seus postos de trabalho terem sido revogados. Enfermeiros, enfermeiras, médicas e médicos recém-formados estão no centro de uma disputa trabalhista no Quênia, enquanto jovens profissionais de saúde lutam por empregos e para atender seus pacientes.
Assim como em outros protestos no Quênia, seus apelos por justiça são recebidos com policiamento severo e, muitas vezes, violento.
Após a Conferência de Emergência de Bogotá, promovida pelo Grupo de Haia, mais Estados estão tomando medidas e intensificando suas ações contra a máquina de guerra israelense.
O presidente colombiano, Gustavo Petro, ampliou e aprofundou o embargo energético da Colômbia a Israel. A Bélgica anunciou que imporá 'sanções firmes' a Israel, incluindo a proibição da importação de produtos de assentamentos israelenses ilegais na Cisjordânia ocupada. O fundo soberano da Noruega desinvestiu na gigante americana de equipamentos de construção Caterpillar devido a 'violações de direitos' na Palestina e em cinco bancos israelenses. O governo escocês anunciou que suspenderá o financiamento público a empresas de armas cúmplices do genocídio israelense.
Grupos que apoiam milhões de pequenos varejistas indianos têm pressionado o governo a negar o pedido da Amazon para facilitar as vendas da gigante da tecnologia para consumidores indianos e expulsar pequenos varejistas do mercado.
A Amazon tem pressionado o governo indiano para flexibilizar regulamentações no contexto de um potencial acordo comercial e de direitos de investidores entre os EUA e a Índia.
Após 5 anos de detenção sem julgamento, o Tribunal Superior de Delhi negou fiança a nove estudantes acusados do 'crime' de dissidência por sua participação nos protestos de Delhi em 2020, estabelecendo um precedente chocante de repressão política na Índia.
O período de detenção dos ativistas foi marcado por múltiplos recursos e subsequentes adiamentos e rejeições judiciais, o que defensores de direitos humanos em todo o mundo têm denunciado como uma farsa da justiça.
Na semana passada, o prefeito de uma pequena cidade na Hungria iniciou o novo ano letivo em uma assembleia de escola primária dizendo: "É bom ver que não há Mohameds por aqui". No contexto do crescente racismo no país, e com o apoio de mídia de Mérce, parceiro da Agência da IP, o Théâtre le Levain—um teatro francês independente fundado por Attila Piroth, voluntário de longa data da Internacional Progressista—está lançando a edição húngara de Como Ser Antirracista, de Ibram X. Kendi.
Você pode ler mais sobre a iniciativa e oferecer seu apoio aqui.
Electrical Gaza, um filme de Rosalind Nashashibi, documenta Gaza nos dias que antecederam a ofensiva militar israelense Operação Protective Edge no verão de 2014. O filme incorpora animação, filmagens de 16 mm, música, silêncio e a própria respiração dos artistas para retratar como era estar em Gaza naquela época, o que Nashashibi descreveu como "uma mistura carregada de euforia libertadora e profunda ansiedade".
Nashashibi é uma pintora e cineasta londrina de ascendência palestina e norte-irlandesa. Seus inúmeros reconhecimentos incluem ser a primeira mulher a ganhar o prêmio Beck's Futures, receber uma indicação ao Prêmio Turner e representar a Escócia na 52ª Bienal de Veneza. Seu trabalho foi incluído na Documenta 14, Manifesta 7, na Trienal Nórdica e na Sharjah 10. Electrical Gaza foi produzido por Kate Parker com fotografia de Emma Dalesman.
Grande parte do que é documentado no filme está agora em ruínas.