Em 25 de fevereiro de 2021, o presidente chinês Xi Jinping declarou oficialmente em Pequim que a China finalmente está prestes a eliminar a pobreza absoluta no meio rural. Como o padrão usado na China para determinar a pobreza rural absoluta é mais elevado do que o padrão do Banco Mundial para pobreza extrema (Wang Pingping et al., 2006), a China permanece atrás das estimativas do Banco Mundial para eliminação da pobreza rural absoluta. Considerando o limiar de pobreza de 1,90 dólar por dia/pessoa do Banco Mundial, havia 878 milhões de pobres na China em 1981, com uma incidência de pobreza igual a 88,3%. Em 2015, este número havia caído para 9,7 milhões, com uma incidência de 0,7% (retirado da base de dados do Banco Mundial).
Crescimento econômico e redistribuição de renda são os indicadores geralmente aceitos de redução da pobreza. Com base na situação nos Estados Unidos, Anderson sugeriu em 1964 que o crescimento econômico era um importante fator de contribuição para a redução da pobreza no país (Anderson, 1964). No entanto, os países em desenvolvimento vivenciam uma experiência diferente. Os países da África Subsaariana, por exemplo, apresentaram, em graus variados, níveis relativamente altos de crescimento econômico nas últimas duas décadas, mas não conseguiram reduzir significativamente a pobreza. Isso mostra que o crescimento econômico é apenas um dos fatores envolvidos na redução da pobreza. Para reduzir a pobreza de forma efetiva, o crescimento econômico também deve ser direcionado para mitigar a pobreza. (Banco Asiático de Desenvolvimento, 1999) Em segundo lugar, o aumento da desigualdade de renda que acompanha o crescimento econômico é um grande problema para os países em desenvolvimento e para muitos países de renda média. A crescente desigualdade piora diretamente a pobreza relativa, um processo que a China começou a experimentar no início do século. No contexto da redução da pobreza, o principal desafio da China antes do novo século era colocar o crescimento econômico a serviço dos pobres. Desde então, a desigualdade tornou-se cada vez mais acentuada. Essas duas características influenciaram muito as mudanças estratégicas e políticas de redução da pobreza na China.
As visões sobre a redução da pobreza na China tendem a se dividir em duas categorias. Uma delas vê o desenvolvimento e a redução da pobreza na China como parte de uma tendência universal de transformação socioeconômica que se seguiu como resultado da assimilação da China à globalização. A outra considera o desempenho da China na questão do desenvolvimento e da redução da pobreza como um caso particular, com suas próprias características únicas (Li Xiaoyun et al., 2019). Este artigo apresentará e analisará principalmente o processo de redução da pobreza na China partindo de três aspectos o papel histórico do desenvolvimento na redução da pobreza antes de 1978, o crescimento econômico a serviço da diminuição da pobreza após 1978 e a meta de erradicação da pobreza face a face com o aumento da desigualdade — ao mesmo tempo em que considera seus elementos centrais e sua importância global.
Antes de 1978, o desenvolvimento da China teve três efeitos sobre a pobreza. Primeiro, diminuiu a pobreza alimentar; segundo, diminuiu a pobreza multidimensional, isto é, na educação, saúde, infraestrutura e baseada em gênero; e terceiro, forneceu uma importante base humana e material para um maior crescimento econômico. A China não se concentrou diretamente na renda dos grupos empobrecidos por muito tempo após a década de 1950, e as melhorias no bem-estar dos indivíduos foram lentas, com os objetivos nacionais de desenvolvimento social principalmente refletidos em serviços sociais inclusivos (Li Xiaoyun et al., 2020). Vale ressaltar que muitos estudos sobre a pobreza na China tendem a ignorar a relação entre desenvolvimento e redução da pobreza antes da reforma e abertura da economia. Na verdade, a pobreza meramente reflete condições socioeconômicas mais amplas; aumentos ou reduções da pobreza não acontecem de repente. Na China, a redução da pobreza em larga escala é um processo histórico (Li Xiaoyun et al., 2019).
No início da década de 1950, a expectativa de vida na China era de 35 anos, em comparação com 68 nos Estados Unidos e 63,68 na Europa no mesmo período. Em 1952, a população do país era de 575 milhões e a produção total de grãos era de 163,92 milhões de toneladas, com uma distribuição de grãos per capita de apenas 285 kg. Em 1950, antes de o governo chinês iniciar um programa de reforma agrária, 54,8% das terras aráveis da China estavam concentradas nas mãos de 14,5% dos proprietários. Camponeses, que representavam 85,5% dos agricultores da China, possuíam menos de 50% das terras aráveis. A distribuição desigual de terras rurais é considerada uma das principais razões para a pobreza prolongada na China (Guo Dehong, 1993). Após a reforma agrária, 92,1% dos camponeses pobres e de renda média eram donos de suas próprias terras. Entre 1949 e 1957, a produção de grãos da China aumentou de 113,18 para 195,05 milhões de toneladas, e a produção de grãos aumentou de 1.035 para 1.463 kg/ha (Ministério Nacional da Agricultura, 1989). Sistemas agrários sempre foram um foco da pesquisa sobre pobreza e, de forma geral, Keith Griffin et al. sugerem que a reforma agrária redistributiva, começando pela quebra da concentração e dos monopólios de terras agrárias, maximiza a eficiência econômica e a justiça social e ajuda a aliviar a pobreza rural (Griffin et al, 2002). Uma análise das experiências dos países com diferentes tipos de reforma agrária redistributiva argumenta que "as reformas redistributivas representadas pela reforma agrária, juntamente com a facilitação e o apoio do Estado, contribuem para benefícios reais aos pobres". (Li Xiaoyun et al., 2020; Putzel, 2000) Muitos países em desenvolvimento, como as Filipinas, têm tido grande dificuldade em reduzir a pobreza devido à alta desigualdade no sistema agrário. A prática vem demonstrando que os países que fizeram algum tipo de reforma agrária alcançaram uma redução significativa da pobreza, com a reforma agrária no Japão, Coreia do Sul e na região de Taiwan, que começou na década de 1950, desempenhando um papel positivo na redução da pobreza e na eventual eliminação da pobreza absoluta. (Zhang Guilin, 1994) A reforma agrária na China na década de 1950 teve um efeito direto na redução da pobreza e pode ser considerada uma política importante para a redução da pobreza institucional. Ao mesmo tempo, as mudanças no sistema agrário proveram uma base social para a equidade.
A erradicação da pobreza foi o objetivo primário da jornada rumo à modernização da China, adotada após a década de 1950. Com essa estratégia, a China começou a implementar amplas mudanças na estrutura da economia nacional, começando pela educação, saúde, ciência e tecnologia e infraestrutura. A taxa de analfabetismo na China caiu de 80% em 1949 para 22% em 1978 (National Bureau of Statistics, 1979). Sua área de terras irrigadas aumentou de 19,959 milhões de hectares em 1952 para 45,003 milhões de hectares em 1978, e a quantidade de fertilizantes utilizados em todo o país aumentou de 78.000 toneladas em 1952 para 8,84 milhões de toneladas em 1978. As reservas per capita de grãos da China ultrapassaram 300 kg em 1978, uma melhoria significativa, mesmo que o padrão da FAO de 400 kg per capita — uma medida de segurança alimentar — não tenha sido alcançado (Li Xiaoyun et al., 2020).
Na verdade, o entusiasmo dos agricultores pela produção estimulada pela reforma agrária foi baseado principalmente nos investimentos de longo prazo do país em infraestrutura agrícola — incluindo irrigação, maquinário, fertilizantes e especialmente ciência e tecnologia agrícola — antes da reforma e abertura. Quarenta e cinco por cento das terras aráveis do país eram irrigadas em 1978 e esse percentual não aumentou significativamente desde a reforma e abertura.
Outro fator importante no desenvolvimento da China e na redução da pobreza antes de 1978 foi o ponto de partida relativamente equitativo. Por volta de 1978, o coeficiente de Gini nacional era 0,318 (UNDP, 2016) e o coeficiente de Gini na China rural era cerca de 0,212 (National Bureau of Statistics, 2001), o que mostra a equidade da distribuição de renda na sociedade chinesa naquela época. Existe uma relação complexa entre o padrão de distribuição de renda e o crescimento econômico. De modo geral, considera-se que a disparidade de renda afeta o crescimento econômico de quatro maneiras. Uma visão sustenta que a distribuição igualitária de renda promove melhor a divisão do trabalho entre diferentes níveis de detentores de habilidades, promovendo assim o crescimento econômico (Fishman & Simhon, 2002). Uma segunda visão, baseada na suposição de imperfeição nos mercados de crédito, argumenta que a desigualdade de renda afeta o crescimento ao influenciar as escolhas ocupacionais, com grupos mais pobres encontrando dificuldades para acessar ocupações que exigem altos níveis de investimento (Banerjee e Newman, 1993). Uma terceira visão adota uma perspectiva de economia política, argumentando que as disparidades de renda são redistribuídas por meio de impostos e gastos fiscais do governo, o que tem um impacto sobre o crescimento econômico (Persson e Tabellini, 1993). Por fim, a quarta visão diz que, do ponto de vista da demanda do consumidor, a demanda é o principal impulsionador do crescimento econômico e que a desigualdade na distribuição de renda a reduz, e, portanto, restringe o crescimento econômico (Murphy et al., 1989). Assim, embora as políticas chinesas anteriores a 1978 sofressem de ineficiências econômicas, a distribuição social relativamente equitativa resultante delas forneceu uma base importante para o alto crescimento econômico e a redução maciça da pobreza que se seguiram à reforma e à abertura. Conciliar a distribuição de renda e a redução da pobreza é uma questão importante para muitos países em desenvolvimento à medida que eles entram em transição social e, para muitos países do Sul da Ásia e da África Subsaariana, um dos principais problemas na redução da pobreza é a alta incidência de pobreza, mas também a alta desigualdade na distribuição de renda. A incidência de pobreza nos países da África Subsaariana abaixo da linha de pobreza internacional de US$ 1,9 diminuiu lentamente de 54,9% em 1990 para 42,3% em 2015 (PNUD, 2019/2008/2000), e esses países ainda enfrentam uma pressão significativa para reduzir a pobreza. Durante o mesmo período, o coeficiente de Gini nos países da África Subsaariana ficou em um nível alto, entre 0,4% e 0,5%. A desigualdade na distribuição de renda afetou muito a eficácia da redução da pobreza, e sua desigualdade na distribuição de renda foi apenas melhor do que a da América Latina (ONU, 2019).
O crescimento econômico favorável aos pobres da China baseou-se principalmente no desenvolvimento agrícola, na industrialização e na urbanização que o país experimentou desde a reforma e a abertura. Desde então, a China desenvolveu diferentes mecanismos para a redução da pobreza em diferentes estágios de sua história, havendo uma relação orgânica entre esses mecanismos, que juntos formam um sistema contínuo e sustentável de ferramentas de redução da pobreza.
O alívio da pobreza não baseada em renda antes de 1978, a construção de infraestrutura e as condições de igualdade social formaram uma base importante para o alto crescimento econômico da China após 1978, e foi a mesma base que permitiu que os pobres se beneficiassem de forma relativamente justa do crescimento econômico, livrando-se da pobreza.
As reformas econômicas pós-1978 da China começaram no campo. A introdução do sistema de responsabilidade contratual desencadeou o entusiasmo dos agricultores pela produção. Entre 1978 e 1985, a agricultura da China entrou em uma fase de desenvolvimento extraordinário, impulsionada pela reforma da economia rural. Nessa época, a taxa média de crescimento anual do PIB agrícola da China era de 6,9%. (Huang Jikun, 2018) Em simultâneo, a renda anual per capita dos agricultores chineses também cresceu a taxas sem precedentes. Na Tabela 1, podemos ver que, de 1978 a 1984, a taxa de crescimento anual da renda per capita dos agricultores chineses foi de 16,2%. De 1978 a 1984, o crescimento agrícola da China e o crescimento da renda dos agricultores permaneceram relativamente altos em comparação com outros períodos (Huang Jikun, 2008).
Em termos das características da estrutura econômica e social, durante muito tempo após 1978, a população da China era majoritariamente rural, com apenas 17,9% da população chinesa vivendo em cidades em 1978. A renda dos agricultores’ era dominada por operações agrícolas. A agricultura perfazia mais de 35% do PIB nacional da China. Em termos de desenvolvimento, o extraordinário crescimento da agricultura nos primeiros anos de reforma e abertura se refletiu principalmente em dois aspectos. Primeiro, o rápido desenvolvimento da agricultura associada à produção de grãos. A produção total de grãos da China cresceu de 304,77 milhões de toneladas para 379,11 milhões de toneladas entre 1978 e 1985, e a disponibilidade per capita de grãos aumentou de 317 kg para 358 kg. A China ultrapassou oficialmente o limite de 300 kg per capita depois de 1978. O segundo é o rápido crescimento da indústria pecuária. A agricultura de cultivo e pecuária eram as principais ocupações dos pequenos agricultores na China e a principal fonte de subsistência para suas famílias. O crescimento econômico na China pós-1978, que começou com o desenvolvimento agrícola, foi vital para a redução da pobreza. De fato, Martin Ravallion e Chen Shaohua afirmam que o crescimento econômico no setor agrícola foi o principal fator contribuinte ao aumento da renda dos pobres. O impacto do crescimento econômico no setor agrícola sobre a subsistência dos pobres é quatro vezes maior do que no setor industrial ou de serviços (Ravallion, 2009). A política de reforma e abertura de 1978 utilizou efetivamente a base de recursos materiais e humanos estabelecida na área de desenvolvimento agrícola antes de 1978 e se tornou a segunda interface do mecanismo de redução da pobreza da China. A relação entre o desenvolvimento agrícola e a redução da pobreza nem sempre depende do crescimento da agricultura ou do tamanho da população agrícola. A capacidade efetiva do desenvolvimento agrícola de reduzir a pobreza também depende do crescimento populacional, que tem se mantido em menos de 2% desde 1978. A alta taxa de crescimento líquido na agricultura tem dois efeitos diretos, um que leva a um aumento na produção per capita e o outro que gera um excedente. Muitos países do sul da Ásia e da África Subsaariana conseguiram alcançar um desempenho relativamente bom no desenvolvimento agrícola após o ajuste estrutural. Embora esses países não tenham conseguido sustentar taxas de crescimento agrícola tão altas quanto as da China por mais tempo, os países da África Subsaariana mantiveram, em grande parte, taxas de crescimento agrícola entre 3,5 e 4% na última década, uma taxa que, na verdade, é bastante semelhante à taxa de crescimento agrícola convencional da China. A diferença é que as taxas de crescimento populacional desses países são mais altas, em alguns casos chegando a 3%. É por isso que a taxa líquida de crescimento agrícola é comparativamente baixa, o que explica em parte o fato de o crescimento agrícola não ter conseguido reduzir efetivamente a pobreza nesses países (Li et al., 2013).
Após 1986, o crescimento da agricultura da China passou de acima do normal para regular, e o aumento da renda dos agricultores começou a desacelerar. O papel do mecanismo de redução da pobreza criado pelo extraordinário crescimento da renda dos agricultores, por sua vez, impulsionado pelo extraordinário crescimento da agricultura, começou a declinar. Depois de 1986, o desenvolvimento econômico e social da China tomou um novo rumo. O capital agrícola excedente, impulsionado pelo rápido desenvolvimento da agricultura no período anterior, foi rapidamente transferido para empresas de municípios e vilarejos (TVEs) que antes eram principalmente empresas de comunas e brigadas (CBEs). A indústria rural então absorveu rapidamente o excedente e as matérias-primas, bem como a força de trabalho da agricultura, o que constituiu uma nova força motriz para a redução da pobreza na China. Depois de 1986, a renda não agrícola dos camponeses aumentou ano a ano e, após o final da década de 1980, surgiu um gargalo no desenvolvimento das TVEs e sua contribuição para a renda dos camponeses começou a ser prejudicada. Com base nisso, a China começou a atrair investimentos estrangeiros em larga escala e criou várias bases de industrialização com uso intensivo de mão de obra, principalmente em áreas desenvolvidas e costeiras, o que induziu o fluxo inter-regional em larga escala da mão de obra rural chinesa. Do final da década de 1990 até o início deste século, havia cerca de 121 milhões de trabalhadores migrantes na China a cada ano e, em 2012, a renda dos agricultores chineses atingiu 3.447,46 RMB, representando 43,5% da renda líquida per capita dos agricultores, de 6.977,4 RMB. Impulsionado pela industrialização, o ritmo da urbanização na China também se acelerou gradualmente. A urbanização da China cresceu de 17,9% em 1978 para 60,6% em 2019, com quase 300 milhões da população rural da China deixando o campo de vez. A industrialização e a urbanização têm dois efeitos sobre a redução da pobreza: o primeiro é que a indústria é um setor com remunerações altas e as cidades são espaços com alta assistência social. O deslocamento da população rural para a indústria e as cidades significa um aumento na renda e na assistência social e, portanto, a industrialização e a urbanização têm um efeito direto de redução da pobreza. Sem a industrialização e a urbanização, a redução da pobreza na China provavelmente permaneceria no mesmo nível de redução da pobreza que foi provocado pelo crescimento acima do normal da agricultura, sendo pouco provável que tivesse havido a redução maciça da pobreza alcançada até agora. O segundo aspecto é que o declínio significativo da população rural também significou um aumento relativo na produtividade do trabalho daqueles que permaneceram no campo e continuam a trabalhar na agricultura. A TVE e a industrialização rural associaram organicamente o desenvolvimento agrícola da China à industrialização e à urbanização, conferindo ao modelo de desenvolvimento da China um caráter de desenvolvimento endógeno muito claro. Ou seja, o crescimento da economia chinesa sempre esteve centrado na estrutura básica da economia chinesa e, ao mesmo tempo, os mecanismos de redução da pobreza na China foram organicamente alinhados à sua estrutura econômica e à transformação social da economia chinesa. O processo do desenvolvimento agrícola à urbanização sempre esteve intimamente ligado ao aumento da renda e à melhoria do bem-estar dos agricultores, o que constitui um padrão de crescimento econômico em favor dos pobres na China. Os acadêmicos, tanto nacionais como estrangeiros, realizaram muitos estudos sobre a contribuição do desenvolvimento agrícola, da industrialização e da urbanização para a redução da pobreza na China. As principais conclusões são relativamente coerentes, com alguns salientando que os fatores que estiveram na base da redução maciça da pobreza na China nos 40 anos de reforma e abertura foram múltiplos, mas o mais importante foi o resultado do impulso combinado de um elevado crescimento econômico e da redução da pobreza e do desenvolvimento, que não só contribuiu de forma notável para a causa global da luta contra a pobreza, como também proporcionou lições a outros países (Wang Sangui, 2008). Há também argumentos segundo os quais, durante as décadas de 1980 e 1990, havia ceticismo quanto à sustentabilidade do crescimento econômico e da redução da pobreza na China, e o papel do crescimento econômico começou efetivamente a declinar no século XXI. No entanto, com a promoção de um sistema de seguridade social inclusivo, o desenvolvimento da China se transformou gradualmente em um modelo de desenvolvimento inclusivo, a partir de um modelo relativamente favorável aos pobres no passado. Essa experiência de desenvolvimento começou a ser levada a sério no cenário internacional, e muitos países em desenvolvimento começaram a aprender com a experiência de desenvolvimento e redução da pobreza da China (Lin Yifu, 2012). Há também muita discussão e defesa em torno do "modelo chinês", com alguns estudos argumentando que, para muitos países em desenvolvimento do Terceiro Mundo, a adoção do modelo ocidental não resultou em desenvolvimento socioeconômico e funcionamento estável da democracia, e que a importância do modelo chinês está no fato de ele poder ser um modelo alternativo a outros modelos de modernização (Zheng Yongnian, 2009). Há também uma opinião na arena acadêmica internacional de que a singularidade do caminho de desenvolvimento da China se tornou uma fonte de ideias e de nova ajuda ao desenvolvimento, diferente de outras experiências existentes no período pós-colonial (Beyond, 2008).
Os mecanismos a favor dos pobres da transformação econômica e social da China em diferentes períodos são referências muito importantes para a redução da pobreza nos países em desenvolvimento. Qualquer país em desenvolvimento que deseje alcançar a redução sustentável da pobreza precisa estabelecer vínculos que conduzam à redução da pobreza em todos os diferentes estágios da transformação econômica e social, de modo que não haja dissociação entre o desenvolvimento econômico e a redução da pobreza. A África Subsaariana manteve taxas de crescimento econômico relativamente altas na última década, com um crescimento do PIB de 5,575% em 2010 e um crescimento médio do PIB de 3,32% de 2010 a 2018, apesar de ter caído para uma baixa de uma década de 1,6% em 2016 devido à desaceleração econômica global (Banco de dados do Banco Mundial). Entretanto, a taxa de declínio na incidência de pobreza na África Subsaariana durante o mesmo período não foi satisfatória. Um problema importante com o desenvolvimento econômico e a redução da pobreza nesses países é que há uma dissociação entre a estrutura do crescimento econômico e a redução da pobreza (Li, 2013). Por exemplo, em muitos países africanos, os setores que mais cresceram na última década foram os de transporte, comunicações e mineração, que se concentram, em grande parte, em indústrias com uso intensivo de tecnologia e capital. No centro da desconexão entre o crescimento econômico e a redução da pobreza está a incapacidade de enraizar o crescimento econômico nas características socioeconômicas subjacentes desses países, não apenas da perspectiva do crescimento econômico, mas também da perspectiva do desenvolvimento agrícola. O crescimento agrícola na maioria dos países da África Subsaariana na última década, aproximadamente, foi impulsionado por uma expansão da área cultivada, em vez de um aumento nos rendimentos por unidade de área de terra, o que significa que o crescimento agrícola não se baseou no crescimento da produtividade. Tendo passado por um período de ouro de desenvolvimento agrícola após o ajuste estrutural em muitos países africanos, a última década foi marcada por uma corrida para colocar o desenvolvimento agrícola no topo da agenda nacional de desenvolvimento e redução da pobreza. No entanto, em muitos países, o desenvolvimento agrícola não foi complementado pela industrialização e, portanto, seu desempenho na redução da pobreza não foi mais aprimorado ou sustentável. A pesquisa de Paul Collier sobre o desenvolvimento africano argumenta que, embora a agricultura seja importante para o desenvolvimento e a redução da pobreza na África, sem o impulso da urbanização, será muito difícil alcançar a transformação econômica e social e a redução da pobreza na África (Collier, 2014). Na última década, aproximadamente, os países do Sudeste Asiático passaram por uma rápida transformação socioeconômica, e esses países também alcançaram graus variados de redução da pobreza. Com base na linha de pobreza internacional de US$ 1,25 por pessoa por dia, a incidência de pobreza nos países da ASEAN caiu de 47% para 14% entre 1990 e 2015 (Secretariado da ASEAN, 2017). Ao mesmo tempo, porém, é preciso observar que o crescimento econômico e a transformação social nos países do Sudeste Asiático foram impulsionados principalmente pelo investimento externo, em vez de se beneficiarem do excedente de seu próprio desenvolvimento agrícola. Do ponto de vista da oferta de capital, o desempenho da transformação socioeconômica e da redução da pobreza que está ocorrendo no Sudeste Asiático é altamente volátil.
Diversos estudos realizados por agências de desenvolvimento, incluindo o Banco Mundial, e pelos economistas de desenvolvimento Fosu e Ravallion mostraram que a desigualdade persistentemente crescente afeta a tradução do crescimento econômico em redução da pobreza e, por sua vez, tem o efeito de corroer os ganhos da redução da pobreza (Ravallion, 1997). Ravallion et al. descobriram que, embora o desenvolvimento econômico tenha ajudado a aliviar a pobreza, o aumento da diferença entre ricos e pobres teve o efeito mais significativo no agravamento da pobreza (Ravallion e Chen, 2003). Muitos estudiosos chineses apontaram que o aumento da diferença de renda entre as áreas urbanas e rurais e dentro das áreas rurais na China reduziu o acesso dos pobres às oportunidades de renda e sua participação nos benefícios, o que não favorece o alívio da pobreza rural (Hu Angang et al., 2006). A China também teve um aumento na desigualdade durante seu rápido crescimento econômico e transformação social nas últimas quatro décadas. O coeficiente de Gini da China aumentou de 0,288% em 1981 para 0,465% em 2016, tornando a China um dos países com as maiores diferenças na distribuição de renda do mundo. Como a desigualdade continua a aumentar, o caráter pró-pobres do desenvolvimento econômico diminuirá gradualmente.
De fato, em meados da década de 1980, o governo chinês começou a reconhecer o impacto multifacetado do crescimento econômico na distribuição de renda e no desenvolvimento regional. Como a estratégia de desenvolvimento econômico da China desde a reforma e abertura tem sido incentivar algumas pessoas e algumas regiões a enriquecerem primeiro, isso equivale a dizer que as próprias políticas orientadas para o desenvolvimento do governo apoiam a ampliação das disparidades. Portanto, para abordar a questão da desigualdade, em 1986, o governo chinês estabeleceu formalmente uma agência líder para o alívio da pobreza rural, tanto ao nível central quanto local. Ao mesmo tempo, fundos especiais para o alívio da pobreza foram reservados ao nível financeiro central para designar áreas atingidas pela pobreza, dando início a uma estratégia de desenvolvimento e alívio da pobreza rural direcionada e planejada. A estratégia de desenvolvimento e redução da pobreza rural da China é, antes de tudo, uma política de redução da pobreza com o objetivo de complementar e corrigir as deficiências das políticas de desenvolvimento das prioridades regionais e de grupo. Por exemplo, com o apoio da política de reforma e abertura, as regiões costeiras e desenvolvidas aproveitaram a política de reforma e abertura de forma prioritária, e essas regiões se desenvolveram rapidamente. Ao mesmo tempo, muitas regiões marginais e atrasadas, que não têm a vantagem comparativa do desenvolvimento econômico regional, viram a diferença entre elas aumentar. O Programa de Desenvolvimento e Redução da Pobreza Rural da China teve como alvo essas regiões atrasadas por meio da designação de condados atingidos pela pobreza, ao mesmo tempo em que forneceu as políticas de apoio correspondentes. No final do século passado, especialistas internacionais e chineses realizaram estudos sistemáticos sobre o desempenho da redução da pobreza rural e do desenvolvimento da China. Em 1990, o Banco Mundial colaborou com o governo chinês para produzir o estudo "China: Strategies for reducing poverty in the 1990s" ("China: estratégias para reduzir a pobreza nos anos 90", em português) e, em 2001, o Banco Mundial e o Programa de Desenvolvimento das Nações Unidas lançaram o estudo "China: Overcoming Rural Poverty" ("China: superando a pobreza rural", em português), após um estudo abrangente e sistemático dos esforços de redução da pobreza na China. Esses relatórios concluíram que "a China é amplamente reconhecida por suas conquistas na redução da pobreza absoluta desde que adotou um amplo programa de reformas econômicas rurais a partir de 1978". E que a "escala e financiamento do programa de redução da pobreza da China, bem como sua dramática e estável redução da pobreza absoluta nos últimos vinte anos de reforma são exemplares se avaliadas por qualquer padrão" (Banco Mundial, 2001). Acadêmicos do país argumentam que desde a implementação do alívio e desenvolvimento planejados da pobreza rural, o desenvolvimento econômico em áreas pobres aumentou significativamente e a renda dos agricultores em áreas pobres continuou a crescer (Wang Sangui, 2018).
Desde a virada do século, a estrutura econômica e social da China começou a passar por uma grande transformação. Isso se reflete principalmente no aumento da taxa de urbanização, na ampliação da desigualdade ano a ano e no enfraquecimento do caráter pró-pobre da estrutura econômica ano a ano. Nessas condições, a relação urbano-rural da China também está começando a mudar, e elementos de apoio à agricultura estão começando a aparecer nas políticas de desenvolvimento da China. A abolição completa dos impostos agrícolas em 2006 marcou o início de uma mudança em relação à época em que a agricultura era uma matéria-prima e fornecedora de capital para a industrialização. A implementação do seguro rural de baixa renda em 2004 e a realização gradual da cobertura de atendimento médico cooperativo rural básico para todos os residentes rurais até 2010 marcaram o início de uma mudança na política de redução da pobreza da China, que deixou de ser focada principalmente no desenvolvimento econômico e passou a exigir um mecanismo duplo para a redução da pobreza, ainda centrado no desenvolvimento econômico e, ao mesmo tempo, exigindo a introdução de um mecanismo de distribuição para salvaguardas. A falta de proteção social da China tem sido o foco de críticas e preocupações acadêmicas e sociais. No entanto, em termos de eficácia da redução da pobreza, somente quando o benefício marginal da redução da pobreza por meio do desenvolvimento estiver diminuindo é que o mecanismo de redução da pobreza da seguridade social garantida poderá realmente desempenhar um papel eficaz. Esse é um mecanismo importante na resposta da China sobre como avançar na redução da pobreza em face da crescente desigualdade e uma parte integral da sustentabilidade da redução da pobreza na China. A combinação de desenvolvimento e garantia de seguridade social redução da pobreza com base no crescimento econômico é a característica mais proeminente do mecanismo de redução da pobreza da China. Garantir que as pessoas que não podem se beneficiar da concorrência econômica o façam por meio da segurança social garantida de alívio à pobreza e, ao mesmo tempo, apoiar as pessoas que podem pagar para sair da pobreza por meio de mecanismos de direcionamento para competir no mercado é fundamental para as conquistas da redução da pobreza na China.
O maior obstáculo à erradicação da pobreza num contexto de crescente desigualdade é a consolidação dos grupos de interesses e o enfraquecimento do caráter pró-pobre da própria estrutura econômica resultando em crescimento econômico e em estruturas sociais exclusivas para os pobres. Desde 2014, o governo chinês atualizou o alívio preciso da pobreza para uma campanha de erradicação da pobreza. O significado da guerra contra a pobreza é que, por meio da autoridade política do Partido Comunista da China (CPC) para liderar a sociedade e do fortalecimento da liderança do governo, os recursos são reunidos por meio de iniciativas administrativas extraordinárias, concentrando recursos humanos, materiais e financeiros nas áreas mais pobres e nos grupos mais necessitados. O governo chinês investiu um valor sem precedentes de RMB 1,6 trilhão na luta contra a pobreza nos últimos oito anos. Medida em relação à nova linha de pobreza definida pelo governo chinês em 2011, a incidência de pobreza na China caiu de 10,2% em 2012 para 0,6% em 2019 (veja a Figura 3).
A redução da pobreza na China foi um evento importante na história do desenvolvimento global nos séculos XX e XXI. O modo como a experiência chinesa de redução da pobreza é apresentada de forma objetiva e histórica é importante não apenas para a compreensão do processo em si, mas também para o desenvolvimento de outros países em desenvolvimento.
Em primeiro lugar, a redução da pobreza na China é o resultado de um processo histórico específico de mudanças políticas, econômicas e sociais no país. A infraestrutura que a China criou por meio de um grande volume de mão de obra antes de 1978 desempenhou um papel importante no desenvolvimento subsequente da agricultura. E os insumos de infraestrutura foram obtidos a um custo extremamente baixo, ao contrário do ônus da dívida criado pela dependência de muitos países africanos do dinheiro da ajuda para o desenvolvimento da infraestrutura. É por isso que as autoridades chinesas tendem a enfatizar a autossuficiência ao apresentar a experiência de desenvolvimento da China. O padrão de distribuição social equitativa que existia na China antes da reforma e da abertura foi, na verdade, uma base importante para o rápido crescimento econômico e a redução maciça da pobreza que foi possível após a reforma e a abertura da China.
Em segundo lugar, a base para a redução da pobreza em larga escala na China é o crescimento econômico de longo prazo, que, por sua vez, precisa gerar uma transformação social significativa. E este processo precisa de dispor de mecanismos que favoreçam os ganhos dos pobres. Como tanto a redução da pobreza em larga escala quanto a erradicação da pobreza absoluta levam muito tempo, os mecanismos de redução da pobreza precisam ter continuidade em favor dos pobres em termos de mecanismos de crescimento econômico.
Por fim, em um contexto de crescente desigualdade, a eventual erradicação da pobreza absoluta exige um forte compromisso político e um forte papel governamental. As práticas de redução da pobreza da China desde a virada do século, especialmente desde 2012, destacaram o papel do Partido Comunista e do governo. Em condições de crescente desigualdade e mobilidade social decrescente, a pobreza é facilmente estruturada, e a armadilha da pobreza não pode ser rompida somente por meio de uma função governamental geral. As experiências da Europa e dos Estados Unidos são os dois extremos mais proeminentes nesse sentido. A Europa, com sua longa tradição de socialismo e o governo repetido de partidos socialistas, viu a evolução do capitalismo em que muitas políticas em favor dos pobres se tornaram gradualmente lei, graças ao governo alternado dos partidos trabalhistas ou socialistas democráticos e à influência generalizada do pensamento socialista, bem como ao ímpeto do movimento dos trabalhadores, resultando em um sistema baseado no bem-estar social. Os EUA, por outro lado, têm tido dificuldades para fazer avanços em áreas de políticas com implicações gerais de redução da pobreza, com sua ênfase em indivíduos que trabalham para melhorar seus meios de subsistência no mercado e garantir seu próprio bem-estar principalmente por meio da renda pessoal em mecanismos de mercado, como o investimento da renda pessoal em mecanismos comerciais para educação, saúde e seguro de pensão para garantir a manutenção ou a melhoria de seu bem-estar futuro. Embora o governo dos EUA tenha programas de alívio da pobreza, especialmente assistência social de caridade, em geral, a governança da pobreza nos EUA não depende de transferências de renda (Rank, 2004). O principal motivo pelo qual a China conseguiu finalmente erradicar a pobreza rural absoluta foi o fato de o Partido Comunista da China ter contado com sua vantagem política de unificar a sociedade e ter integrado fortemente seu compromisso político com a redução da pobreza em todos os setores do governo e da sociedade, rompendo as restrições dos grupos de interesse e da burocracia administrativa e alcançando uma redistribuição de riqueza e oportunidades (Li Xiaoyun et al., 2020).
Li Ziaoyun é professor titular de Humanidades e supervisor doutor na Universidade Agrícola da China.
Foto: Li com funcionários de vilarejo na prefeitura de Nujiang, em Yunnan. China Daily.