No dia 7 de setembro de 2022, o Brasil comemorou 200 anos de uma independência inacabada. Embora a ruptura com a metrópole portuguesa tenha sido objeto de negociações entre as elites da colônia e da metrópole, e não de guerras populares, a data historicamente é marcada por um amplo desfile militar. Desde o início do governo Bolsonaro, o dia também é representativo de discursos ameaçadores à democracia e retórica fortemente militarizada, como é marca do governo.
Bolsonaro saiu das fileiras militares e sabe que as forças de segurança foram o setor decisivo para sua conquista e permanência no poder. Antes da eleição, o então comandante do Exército, general Eduardo Villas Bôas, publicou uma nota no Twitter constrangendo o Supremo Tribunal Federal a tomar decisões contrárias a Lula, então líder nas pesquisas de opinião para a presidência. No dia da sua posse, Bolsonaro agradeceu publicamente ao general. Desde o final da ditadura militar, os militares se mantinham fora dos grandes holofotes, embora mantendo um certo grau de tutela sobre a política e elevada autonomia institucional. Contribuíram para o retorno ao centro da arena política a deterioração das relações com a ex-presidenta Dilma Rousseff; a criação da Comissão Nacional da Verdade; a grande participação brasileira na MINUSTAH (Missão de Estabilização das Nações Unidas no Haiti) entre 2004-2017; a expansão da presença militar na Amazônia; as operações de Garantia da Lei e da Ordem; e a atuação nos megaeventos esportivos no Brasil, como a Copa do Mundo e Olimpíadas.
No governo Bolsonaro, os militares, que chegaram a ocupar metade dos ministérios, inclusive o da Saúde em plena pandemia, apresentam-se como uma técnica e pouco ideológica, capaz de moderar os arroubos do presidente. O Brasil não tem um governo de militares, pois estes não ocupam o Estado enquanto pessoas físicas, mas como parte de uma mesma corporação apartada do restante da sociedade. Entretanto, diferente a Ditadura de 1964, não são as forças armadas (FFAA) quem escolhem seus representantes conforme a hierarquia e disciplina. Ocorre um híbrido, um governo militarizado, em que um Partido Militar, onde se forjou ao longo de décadas Jair Bolsonaro, coordena o atual bloco no poder. O Partido Militar tem um projeto de poder de longo prazo, e deverá seguir na cena política brasileira.
O que é observado nesse avanço das forças militares na cena política é um processo de militarização do Estado e da sociedade brasileira. A militarização no Brasil ocorre em múltiplas dimensões.1 A primeira dimensão da militarização é a crescente ocupação de cargos no sistema político, sejam eles de forma eletiva ou por indicação. Esta presença cria uma correia na qual os interesses militares são transmitidos para todo o sistema político. Dessa maneira, as FFAA foram incluídas como observadores internos da integridade da urna eletrônica – ferramenta eleitoral apontada como fraudulenta por Bolsonaro. Uma segunda dimensão da militarização do Estado é transpor doutrinas formuladas pelos militares – portanto, pensadas para a guerra – para outros ambientes por meio de políticas governamentais. É isso que historicamente ocorre na área de segurança pública, na qual a doutrina do inimigo interno orienta as polícias militares – responsáveis pelo policiamento ostensivo e preventivo – e se expande às instituições civis de segurança pública. Neste caso, aumenta-se a punibilidade dos pobres, a população carcerária, a vigilância eletrônica, as execuções sumárias, as prisões arbitrárias e outras graves violações aos direitos humanos. São extensões da guerra por outros meios, no interior da cidade. Uma terceira maneira é transferir valores militares para a administração. Nisso consiste a proposta de militarização das escolas, com valores de ordem, valorização das matérias exatas em detrimento das humanas, conservadorismo comportamental e exclusão dos considerados “menos capacitados”. Uma quarta dimensão é a de militarizar todo e qualquer problema, incluindo aqueles que dizem respeito a outras esferas do Estado, como a preservação do meio ambiente, ou o enfrentamento à pandemia da Covid-19, que não tem componentes bélicos, e sim de saúde pública. Uma quinta dimensão é a militarização do orçamento do Estado e o controle de estatais. Durante a pandemia, as FFAA receberam aumento salarial enquanto os outros servidores públicos tiveram seus salários congelados.2
Cabe esclarecer que a militarização não ocorre apenas no Executivo, mas também no Legislativo e no Judiciário. Apenas entre 2010 a 2020, mais de 25 mil militares e policiais concorreram a cargos eletivos, sendo 87% por partidos de direita e 1.860 foram eleitos.3 Um de seus efeitos é a tramitação de um Projeto de Lei Contraterrorista que criminaliza a luta popular.4 E a militarização não está apenas na estrutura do Estado. Na combinação de paz externa e guerra interna, o Brasil é exemplo ímpar: externamente pacífico, o país concentra 17 das 50 cidades mais violentas do mundo (34%).5 Isso sem falar na já histórica violência no campo e contra as populações tradicionais, ou na atuação de milícias em periferias urbanas, notadamente no Rio de Janeiro, berço político da família Bolsonaro. Soma-se a isso a violência como traço determinante da formação social brasileira, marcada pela escravidão. Além destas, segundo dados oficiais, a política governamental de incentivo ao armamento da população dobrou o número de armas registradas em circulação – de 637 mil em 2017, para 1,2 milhão em 2021, segundo registros da Polícia Federal, órgão regulador. Nesse sentido, é fundamental apontar que Bolsonaro tem em sua base segmentos armados e motivados para um golpe de Estado, embora sem condições suficientes para fazê-lo.
Mesmo Lula tendo sido eleito nas últimas eleições, a desmilitarização de um Estado não é algo simples. Há maioria contrária a Lula entre os militares, embora isso não signifique adesão automática a uma tentativa de golpe bolsonarista.
Diante desse novo cenário, muitos desafios se colocam para o campo popular. Nesse contexto, é preciso discutir qual a política de defesa capaz de sustentar um projeto popular para o Brasil, e quais as FFAA necessárias para isso. A seguir, oferecemos alguns apontamentos para a política de defesa do Brasil que queremos, onde a voz mais alta, é a do povo.
Nossa primeira pergunta sempre tem que ser: o que queremos defender? Há diferentes entendimentos sobre quais são os interesses nacionais que devem ser objeto de proteção. Os movimentos populares trabalham com uma percepção mais próxima da segurança humana, pensando a soberania alimentar, energética, informacional, em suma, uma vida boa para todos como a principal questão a ser defendida pelo país. Os movimentos também são protagonistas na preocupação com os recursos estratégicos, especialmente o meio ambiente, uma das principais funções do Brasil para a acumulação de mais valia global. Levando em conta a maneira como as guerras não convencionais do presente são travadas, o principal objeto de defesa deve ser as fontes de percepção/interpretação do mundo que forjam a vontade popular (não apenas durante o processo decisório). Sem liberdade para pensar, formular e decidir, inclusive sobre a forma de manejo ecológico dos recursos estratégicos (não apenas naturais, como também culturais), não existe autonomia.
Qualquer pequena ação doméstica que altere a posição do Brasil na ordem hierárquica internacional gera reação. Pensar na libertação nacional dos povos em Estados de periferia sem pensar como romper as relações de exploração do centro com a periferia é ilusão. Os ambientes doméstico e internacional são intimamente conectados. A classe dominante, mesmo em países periféricos, tem conexões globais. No caso dos latino-americanos, é preciso observar atentamente as movimentações dos EUA. A essência da manutenção da hegemonia estadunidense não está no seu enorme aparato bélico, muito superior aos demais países do globo reunidos. Está na capacidade de inspirar desejos, de emular e controlar vontades.
Por isso, a primeira capacidade que precisamos buscar para sermos um país soberano é a de autonomia no pensar. É necessário desconfiar (MUITO!) sobre o que nos apresentam enquanto ameaças para o Brasil. Por exemplo, somos um povo formado por migrantes que vieram voluntariamente ou escravizados. Entender a migração como uma ameaça é desconhecer a formação social do povo brasileiro. Segurança e insegurança são, assim, sentimentos relacionais. Quem detém a hegemonia na formulação das ideias detém também a capacidade de escolher o que deve ser entendido enquanto uma ameaça. Isso impede que os países de periferia identifiquem o que de fato ameaça o bem-estar dos seus povos, e não apenas seus Estados. Na América Latina, o narcotráfico (e outros crimes transnacionais) é apresentado como a maior ameaça ao bem-estar dos povos. No globo em geral, esse lugar cabe ao terrorismo. Além disso, seguem no imaginário ameaças tradicionais, mas pouco realistas, como a fragmentação territorial, que justifica a manutenção de organismos militares em regiões de fronteira.
É preciso identificar com o povo aquilo que ele entende enquanto ameaça. Constataremos que muitas questões, como falta de saúde, alimentação ou mesmo segurança pública, não tem nas armas uma resolução.
Autodeterminação dos povos. Construir um mundo de paz não significa ausência de conflitos, mas que estes deixem de ser mediados por meio do uso (ou ameaça de uso) da força. Mesmo sabendo que um mundo de paz é impossível enquanto o imperialismo, entendido como a forma atual do capitalismo, perdurar, a paz entre os povos deve ser construída desde já. A autodeterminação dos povos é ponto crucial, pois é ela que confere aos povos o direito de autogoverno e de decidir livremente sobre a sua situação política num mundo que é hierarquizado. No caso dos países de passado colonial, ela é particularmente relevante, pois em nome de uma nação abstrata alimentada pela elite interna dependente, a decisão popular é deixada em segundo plano. A autodeterminação não pode ser negociada inclusive em situações que, hipoteticamente, ameacem os direitos humanos, como é alegado no caso da Venezuela. Situações de alto risco humanitário são causadas pelo capitalismo, e impossíveis de serem resolvidas pela via militar, que, ao contrário, as agrava. Isso se escancara em momentos de guerra, como vemos no tratamento diferenciado e racista que refugiados da Ucrânia recebem diante de vários povos africanos ou mulçumanos na Europa.
Multilateralismo. Os princípios inscritos na carta de 1945 da ONU seguem importantes. Entretanto, a organização em si se mostra cada vez mais débil para cumprir as funções a ela inicialmente atribuídas, e funcionais aos interesses hegemônicos. Na Ucrânia, se manifestou favoravelmente à OTAN e se inviabilizou enquanto instância de diálogo para a resolução deste conflito. Por isso, segue pertinente a reivindicação histórica brasileira de reorganização dos mecanismos internacionais. O multilateralismo deve buscar quebrar os monopólios em 5 áreas, como ensina o professor Samir Amin: ciência e tecnologia, finanças, controle sobre recursos naturais, armas e comunicações. Por isso é bom para o Brasil aderir àquelas alianças que oferecem boas perspectivas para mudanças globais, como os BRICS; e segue fundamental engajarmo-nos na construção de mecanismos na América do Sul, como a Unasul. Mas essas iniciativas encontrarão um cenário mais difícil pós-guerra na Ucrânia e pandemia, que fortalecem sentimentos chauvinistas nos Estados, uma busca continuada por autossuficiência em todos os campos. O surgimento de novas variantes do vírus no mundo serve de lição: problemas globais precisam de soluções globais. Nos mecanismos multilaterais, deve-se priorizar a circulação de pessoas ou de possibilidades de melhorias na vida dessas pessoas, e não de mercadorias. Mais do que reformular o que já existe, é preciso forjar instituições que expressem os interesses dos povos (e também dos Estados) periféricos.
Desmilitarizar a política de defesa e de segurança pública. Interna e externamente, é preciso desmilitarizar! O espaço e a Antártida devem ser mantidos livres de armas. É fundamental limitar gastos com armas (sim! Ainda mais em tempos de guerra!) e construir ou fortalecer mecanismos para a erradicação de armas químicas, biológicas e nucleares; incentivando ações como a de desminagem. Ter uma bomba nuclear não tornará o Brasil um país mais seguro; pelo contrário, tornaria toda a América Latina um continente mais inseguro. O dilema da segurança é que quando um país compra armas, seus vizinhos também compram armas, pois se sentem inseguros quanto às intenções do primeiro. O resultado final são muitos países mais armados em geral, e também muito mais inseguros. Quebrar o dilema da segurança implica em, diante da escolha de investir recursos em armas ou em medidas que melhorem a vida do povo, como água e educação, escolher os segundos, inclusive estrategicamente. Desmilitarizar pós Bolsonaro implica em muito mais que tirar os 8000 militares do Executivo. Isso não significa deixar de ter um sistema de defesa, ou desarmar o país. Implica em pensar a política de defesa de um país de periferia voltado para a construção da paz, e com forte componente civil.
Construir o controle popular sobre os instrumentos de violência. O Brasil não é parte ativa de nenhum conflito internacional e desenhou suas fronteiras com poucas guerras. Só que essa paz em nível internacional convive com um país recordista em violência interna. Pro destinatário central da bala – o corpo negro jovem, masculino, e morador da periferia das grandes cidades – não faz muita diferença quem deu o tiro. Por isso, não é suficiente falar em controle civil sobre as FFAA. Ter um ministro civil à frente do Ministério da Defesa é o mínimo, assim como um corpo burocrático civil educado para a democratização da política de defesa. O controle popular diz respeito à construção de mecanismos de participação popular sobre a política pública, algo fundamental em democracias. E o controle deve ocorrer sobre os instrumentos de violência: armas (produção, circulação e venda) e instituições (FFAA, polícias, etc).
Separar rigorosamente defesa e segurança. Se na ponta da bala a percepção institucional é a mesma, a formulação e a gestão das duas áreas precisam ser rigorosamente distintas. A segurança pública que, ao menos em teoria, deveria proteger a vida antes da propriedade, lida no pior dos casos com cidadãos em conflito com a lei. A defesa nacional lida com o potencial inimigo externo, cujo destino é, em última instância, a eliminação. Policializar as FFAA e militarizar as polícias é a proposta dos EUA para a América Latina e a prática corrente no país desde sempre, quando o inimigo principal era (e continua sendo) identificado dentro das fronteiras nacionais. Assim, é preciso separar e diferenciar a segurança cidadã da defesa nacional, inclusive nos documentos orientadores nacionais, a começar pela Constituição, que permitem o emprego interno, brecha utilizada para a instauração de operações de Garantia da Lei e da Ordem e outros tipos de ameaças políticas domésticas.
Rever a concepção estratégica brasileira. Ter FFAA voltadas para o enfrentamento de um inimigo externo costuma levar imediatamente a duas reflexões: 1) o Brasil é frágil militarmente; 2) precisamos gastar mais dinheiro com armas e homens. É preciso questionar esse raciocínio. O Brasil é dependente em termos de formulação estratégica, pois copiou a resposta estadunidense à pergunta ‘como se defender?’: muitas armas, e de última geração, vencem guerras. Essa receita não é útil para países de periferia, com tantas urgências demandando gastos públicos. É preciso investir numa estratégia de defesa cuja principal base seja a própria população, e não o investimento intensivo de capitais (tecnologia militar de ponta). Quem defende um país é o seu povo. Apenas eventualmente as FFAA. O povo só defende aquilo que entende como seu, aquilo que acredita que lhe faz bem. Daí que construir um Brasil justo, que educar o povo, que construir a reforma agrária, urbana, são medidas que fortalecem a defesa nacional, pois aumentam a coesão social, a pertença e o engajamento do povo brasileiro na defesa do seu próprio território.
Rediscutir o orçamento e reorientar os gastos de defesa. Os dois termos em que a guerra vem ocorrendo são a economia (sanções) e comunicações. Em ambos, os mais atingidos são civis. Rediscutir o orçamento permite redirecionar gastos militares para diminuir outras vulnerabilidades nacionais. Permite também redirecionar gastos em áreas como assistência social ou esportes, atualmente executados por militares, para as suas pastas de origem. Por sua vez, a revisão estratégica possibilita a reorientação dos gastos de fato em defesa. Por exemplo, a redução do efetivo permanente libera uma parcela maior para investimentos em equipamentos. Uma vez que o objeto principal a ser defendido no Brasil é a vontade do povo, é isso que deve determinar as prioridades para a base industrial de defesa: áreas aeroespacial e cibernética, ambas voltadas para as comunicações. Em geral, as discussões ficam restritas ao como produzir armamentos, tendo seu auge na decisão sobre como fazer compras com transferência de tecnologia e produzir materiais de uso dual – civil e militar. É preciso rediscutir o que produzir em primeiro lugar. Paralelamente, é preciso interromper as compras de equipamentos que, ao invés de aumentar nossa autonomia, transferem recursos do povo para os potenciais adversários, notadamente os EUA, além de incrementarem nossa dependência e endividamento externo. Os países hegemônicos apenas no discurso transferem tecnologia. Na prática, transferem para os países periféricos sucata e vendem a assistência técnica para manter a própria sucata em funcionamento. Por fim, é preciso enfrentar o lobby das empresas de armamentos, nas quais militares da reserva são beneficiados pela porta-giratória FFAA – empresa – governo.
Rediscutir para que servem as FFAA. No Brasil, militares são empregados basicamente em atividades de ordem interna (que por si só já é injusta) e na defesa de fronteiras contra delitos transnacionais. Vivem numa situação oportunista orientada pelo estratégia de aferirem maiores ganhos para si mesmos, e variando entre serem políticos, policiais, militares, gestores, assistentes sociais... Sua percepção positiva pelo povo brasileiro não tem relação com as atividades de defesa, mas com as atribuições subsidiárias que elas cumprem utilizando recursos desviados de outras agências civis. As FFAA devem ser empregadas nas atividades de defesa nacional, e ocasionalmente em outras, como desastres. É preciso profissionalizar e modernizar as FFAA, repensando contingente, distribuição do efetivo, recrutamento universal, interoperabilidade, em função da discussão do que se defende e como se defende.
Romper com a autonomia militar. A tutela militar é um componente geral da política brasileira, sendo o período Bolsonaro uma expressão mais aguda disso. Para romper de fato com a autonomia, é preciso acabar com as três áreas de reserva de domínio que a instituição manteve mesmo com a Constituição de 1988: educação, justiça e inteligência. Esse legado é mais danoso do que a punição individual a torturadores da ditadura militar.
A tarefa número 1 de todos os lutadores e lutadoras do povo foi eleger Lula, aproveitando sua vitória no processo eleitoral para discutir a questão militar e da defesa dentro da esquerda, contribuindo para dar fim ao medo ou ao idealismo que envolvem o tema.
Para isso, precisa romper com o elitismo, construindo força social. FFAA gozam de alto prestígio e não terão a iniciativa para nenhuma das mudanças aqui sugeridas, pelo contrário, imporão forte resistência, e por isso mudanças precisam ser construídas de fora para dentro. As discussões das relações internacionais são elitistas, tanto a condução da política externa quanto a política de defesa. São comuns comentários como o povo não sabe, não tem visão de longo prazo, não tem interesse. Daí a esquerda alimentar dois tipos de expectativas: temos que acabar com as FFAA, pois ela é uma instituição que maneja a violência fora do controle popular; ou seu inverso, na ausência de força de sustentação social, buscar um seguro militar, buscando “um general para chamar de seu”. É necessário trazer os princípios da democracia e da participação popular para a gestão também das relações internacionais do Estado, fazendo com que o “braço forte e a mão amiga” não caminhem de forma paralela, mas sim subordinada a um projeto popular de país. A tarefa do momento é organizar a esperança.
Em última instância, devemos também questionar a ideia de que a preparação para a guerra é necessária para a construção da paz. Pelo contrário: construir a paz passa por priorizar um programa que tenha como foco o bem-estar da humanidade e do planeta, eliminando a fome, garantindo moradia segura, saúde de qualidade para todos e todas e defendendo o direito a uma qualidade de vida digna. Se você quer paz, você deve se preparar para a guerra, dizem. Na verdade, se você quer a paz, você deve se preparar, construir, educar e se dedicar à sua construção.
Para aprofundamento, sugere-se a leitura completa de dois textos publicados pelo Instituto Tricontinental de Pesquisa Social, disponíveis em: https://thetricontinental.org/dossier-50-brazil-armed-forces/ e https://thetricontinental.org/pt-pt/brasil/e-tempo-de-esperancar-debate-sobre-uma-politica-de-defesa-nacional/
Ana Penido é Doutora em Relações Internacionais. Pesquisadora do Instituto Tricontinental e do Grupo de Estudos em Defesa e Segurança (GEDES – UNESP).
Ilustrações: Gabriel Silveira