Statements

Da Rebelião à Revolução

O membro de Conselho da Progressiva Internacional, Kali Akuno, argumenta que a rebelião causada pela morte de George Floyd deve ser seguida de uma greve geral e de assembleias populares nas ruas.
Nós, de esquerda - anarquistas, comunistas, soberanistas indígenas, nacionalistas revolucionários e socialistas - devemos resistir ao aumento das narrativas e posições dos partidos liberais e democráticos.
Nós, de esquerda - anarquistas, comunistas, soberanistas indígenas, nacionalistas revolucionários e socialistas - devemos resistir ao aumento das narrativas e posições dos partidos liberais e democráticos.

A rebelião causada pela morte de George Floyd está a mudar o mundo diante dos nossos olhos. Que tipo de mudança e em que medida irá alterar o equilíbrio de forças entre governantes e governado/a(s), pessoas ricas e pessoas pobres estamos ainda para ver. O que é evidente é que existe uma disputa política activa e aberta que vai moldar o resultado. De momento, a ala direita e os republicanos têm sido relativamente postos de lado neste debate. A verdadeira disputa neste momento, é entre liberais e democratas, por um lado, e a multidão radical que tomou as ruas de todo o país e do mundo, que está a examinar e a fazer avançar cada vez mais as exigências críticas da esquerda que emergem das tradições analíticas e organizadoras anarquistas, comunistas, nacionalistas revolucionárias e socialistas, tais como a abolição da polícia e das prisões, a democracia económica e a descolonização. Este debate está a ser travado nas ruas, nos principais meios de comunicação social e através das redes sociais.

Seguindo as tendências em todos estes parâmetros, parece que os/as liberais e Democratas ganharam terreno significativo nesta guerra, a guerra de posição, em vários pontos. Um ponto crítico é fazer distinções entre "bons/boas manifestantes" e "maus/más manifestantes". O domínio desta narrativa terá consequências, consequências negativas. Algumas dessas consequências negativas incluem: (1) estreitar o foco da rebelião, (2) reafirmar os mitos da reforma "democrática" e da correcção capitalista que apenas reforçam a perpetuação do sistema, e (3) limitar o alcance das possibilidades e potencialidades revolucionárias da actual rebelião.

O efeito líquido dos ganhos posicionais dos liberais é a rebelião mostrar alguns sinais claros de difusão, tais como o policiamento sério do movimento nas ruas que está a ocorrer em muitos lugares. Isto está a começar a isolar a esquerda de muitas formas críticas e a colocá-la e às suas propostas na defensiva. Isto exprime-se melhor nos grandes esforços para atenuar a exigência abolicionista de "desfinanciar" e "abolir" a polícia, a que voltaremos em breve. O objectivo dos liberais e do Partido Democrata é orientar este movimento de multidões para a política eleitoral, nomeadamente para as eleições de 2020, e para um conjunto limitado de correcções e reformas superficiais.

Onde os/as liberais e os/as democratas parecem ter feito o avanço mais significativo é na redução do alcance da rebelião nos principais meios de comunicação social. Se acreditarmos neles, trata-se, fundamentalmente apenas de aplicar reformas à polícia e de articular uma obscura repetição do quadro de exigência do movimento "Black Lives Matter". Isto minimiza os apelos claros à erradicação da supremacia branca, do capitalismo, da heteropatriarquia e do colonialismo, que têm estado bem patentes. Sem abordar esta questão é difícil compreender a remoção de todas as estátuas e símbolos que edificam o colonialismo e a escravização, ou os actos de redistribuição que ocorreram, e o desmantelamento forçado das instituições de repressão, exploração e gentrificação. A sua motivação deve ser óbvia. Os/as Liberais e Democratas não apoiam a revolução. Não têm qualquer interesse em desmantelar os sistemas de opressão que confinam a humanidade. O seu interesse é fazer o que for necessário para preservar o sistema capitalista existente. Para este efeito, estão disposto/a(s) a ceder em algumas coisas, desde que isso não quebre ou altere fundamentalmente as relações sociais que moldam a sociedade, em particular quem detém e controla os meios de produção. O quadro distorcido do movimento "Black Lives Matter" que estão a forçar consiste em tentar reforçar a sua base eleitoral para as eleições de 2020, particularmente entre Negro/a(s) e Latino/a(s), no/a(s) quais têm de contar para terem alguma hipótese de vencer. Assim, podem apoiar a reforma da polícia, condenando ao mesmo tempo o esforço para desmantelar a instituição e a sua função social como absurdo.

Quanto à exigência de "desfinanciar a polícia" ou "abolir a polícia", há que notar que esta questão é levantada na ausência de uma revolução - coisa que o momento actual não é, pelo menos por enquanto. A maior parte das respostas estão também a ser lançada a este respeito: "O que vai acontecer às comunidades sem polícia?" Esta questão pressupõe que as relações capitalistas de produção e reprodução social continuarão a existir - ou seja, a merda do costume. Nem o capital nem o Estado foram desmantelados ou destruídos, e poucos estão a propor esta possibilidade (ou seja, revolução) ou a preparar-se para isso neste momento. Se as relações sociais fundamentais não mudarem, então esta reforma só serviria como uma medida de apaziguamento temporário, que os agentes do Estado rapidamente atacariam e minariam. Transformá-la-iam num fiasco para criar um exemplo negativo que dissuadisse o povo de pensar que uma alternativa é possível. Em todo o caso, tudo o que a classe dominante der, também pode tirar.

E se não pensas que é esse o caso, existem vários exemplos históricos e contínuos de como o sistema capitalista e imperialista distorceu com sucesso os esforços limitados para sair do sistema e os transformou em instrumentos de propaganda através de vários métodos de estrangulamento e negação para criar a impressão de que não há alternativa. É assim que utilizam os exemplos do Haiti, de Cuba, e agora da Venezuela, de Chiapas, de Rojava, etc., como pelourinhos.

Para clarificar, penso que a exigência da abolição deve ser erguida para acentuar as contradições. Mas deve ser acompanhada pelo apelo à revolução e pelo esforço de organização para desmantelar todo o sistema. Enquanto não o fizermos, o império irá atacar que novo. Disso não restam dúvidas.

Mais uma vez, as consequências desta inflexibilidade não devem ser minimizadas. Agências estatais de todo o país estão à espera que a rebelião diminua para poderem caçar milhares de jovens partidários e colocá-los na prisão, em nome da justiça e do restabelecimento da lei e da ordem. Esta história deve ser instrutiva. Após a rebelião de Los Angeles de 1992, a polícia e os departamentos do xerife de Los Angeles perseguiram e prenderam mais de 15.000 pessoas que foram capturadas em filmagens que quebraram as chamadas "regras". Portanto, se tiverem êxito, será a negação efectiva da rebelião.

Nós, de esquerda - anarquistas, comunistas, soberanistas indígenas, nacionalistas revolucionários e socialistas -temos deresistir ao aumento das narrativas e posições dos partidos liberais e democráticos. Temos de afirmar uma contra-narrativa em todas as áreas - uma contra-narrativa que vise transformar a rebelião causada pela morte de George Floyd em algo potencialmente transformador. Isto deve incluir a manutenção de uma acção autónoma (com princípios), a diversidade de tácticas, a santidade da vida sobre a propriedade e os lucros, e a construção e execução de instrumentos de poder duplo para transformar as relações sociais e o equilíbrio de forças. E faça-se saber que se falharmos, a esquerda será a primeira vítima da execução focalizada do martelo do Estado, que está aqui e avançará, quer queiramos quer não.

Apesar dos desafios que enfrentamos nesta disputa de poder, a alternativa da revolução mantém-se. Existe actualmente um caminho para a revolução. A meu ver, assenta no avanço de uma estratégia ancorada na maior politização da ajuda mútua, soberania alimentar, economia cooperativa, produção comunitária, autodefesa, assembleias populares e movimentos de greve geral que já existiam e que surgiram de forma embrionária no meio da pandemia. Isto poderia ser aproveitado através de esforços democráticos para federar estas iniciativas a nível maciço, a fim de lançar as bases do duplo poder.

Nós, a Cooperation Jackson e a coligação de Greve Popular (People’s Strike) temos vindo a trabalhar para construir e desenvolver com várias organizações e aliados um programa neste âmbito para interceptar contra-narrativas de esquerda no movimento de massas. Uma das coisas centrais que propomos como nossa próxima contribuição para o movimento é o apelo para Assembleias Populares em massa. Com base nas experiências do movimentoOccupy, Assembleias começaram a desenvolver-se espontaneamente em Nova Iorque, Oakland, Portland e Seattle. Estes são desenvolvimentos pioneiros. Mas, precisamos de mais. A Greve Popular está a apelar à realização de Assembleias em todo o lado e, em particular, à realização de um primeiro dia de greve nacional no dia 1 de Julho. O que temos vindo a propor, e iremos propor neste processo, é que nos organizemos para a realização de uma greve geral. O início de uma greve geral nas condições actuais começa com as Assembleias Populares nas ruas a debater e votar a realização de uma greve geral. É assim que um grande movimento de protesto de rua pode desabrochar num instrumento de poder duplo que pode transformar radicalmente a sociedade.

Unite and Fight, Build the General Strike!

Kali Akuno é co-fundador e director executivo da Cooperation Jackson, e co-editor da Jackson Rising: The Struggle for Economic Democracy and Black Self-Determinationem Jackson, Mississippi.

Foto: Phil Roeder, Wikimedia

Available in
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Author
Kali Akuno
Translator
Sofia Alcaim
Date
18.06.2020
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