Health

A transparência tem sido a maior arma de Kerala contra o Coronavírus

Através de informações diárias aos meios de comunicação social e de boletins de saúde sobre pacientes infectados, o governo comunista assegurou que as pessoas conhecessem a ameaça representada pela pandemia.
Que medidas tomou o governo de Kerala para conter a propagação do vírus?
Que medidas tomou o governo de Kerala para conter a propagação do vírus?

A 30 de Janeiro, a Ministra da Saúde de Kerala, K.K. Shailaja, realizou uma conferência de imprensa extraordinária em Thrissur, à 1:30 da manhã. Cerca de 25 jornalistas estiveram presentes no Hospital Universitário em Thrissur, quando ela os informou sobre o primeiro caso confirmado de COVID-19, a doença causada pelo novo coronavírus, na Índia. A paciente, uma estudante de medicina que tinha regressado de Wuhan, na China, o primeiro foco do vírus, passou 23 dias isolada e agora está de volta à sua vida normal.

Durante 40 dias, após aquela conferência de imprensa tardia, Shailaja informou diariamente os/as jornalistas sobre o estado de preparação do governo, bem como sobre as medidas tomadas para manter a pandemia à distância. Depois disso, o ministro-chefe Pinarayi Vijayan chegou-se à frente e, desde então, tem informado os/as repórteres, com a "Professora Shailaja" - como é habitualmente conhecida a ministra da Saúde de 63 anos - a seu lado.

Independentemente de quem enfrentou os microfones e as câmaras, a Ministra da Saúde e o ministro-chefe foram muito claros e directos nas suas declarações. A dupla foi totalmente transparente quanto ao total de casos confirmados no Estado (3603 pacientes infectados, 1888 dos quais tiveram alta) e quanto aos pormenores de cada caso, sem prejuízo da identidade dos pacientes.

Esta atitude foi filtrada a todos os níveis de governo e o lema parecia ser "manter as coisas claras e simples". Um grande número da população de Kerala trabalha fora da Índia, especialmente na Ásia Ocidental, o que tornou o caso de Kerala particularmente sensível. O Governo adoptou a dupla estratégia delockdowne de testes em massa. O elevado número de casos comunicados deve-se também aos esforços do governo estatal para testar o maior número possível de pessoas, o que não aconteceu na maioria dos outros Estados da Índia.

Desde o primeiro dia, o departamento de saúde divulgou dados sobre pacientes e emitiu boletins sobre o seu estado de saúde. Isto continuou até que o primeiro grupo de casos (três estudantes de medicina que tinham regressado de Wuhan) foram curados da COVID-19 e tiveram alta do hospital.

"Quando o segundo grupo foi reportado e foram identificados mais casos, a estratégia de rastreio de contactos tornou-se progressivamente mais difícil. A vigilância nos aeroportos não se revelou eficaz e, a 3 de Março, uma família vinda de Itália escapou ao rastreio do aeroporto internacional de Kochi. A família tinha o vírus e disseminou-o a outras cinco pessoas".

"Dois outros pacientes em Thiruvananthapuram também falharam ao rastreio, criando caos em todo o sistema de controlo do departamento de saúde. Mesmo nessa altura, o governo continuou a fornecer actualizações regulares sobre o número de casos e o estado de saúde dos/das pacientes".

Os partidos da oposição tentaram atacar o governo na sua gestão da emergência sanitária. O líder da oposição, Ramesh Chennithala, instou também o Governo a que, em vez de tentar conter a propagação do coronavírus, o Estado adoptasse a estratégia de "mitigação" utilizada por países ocidentais como os EUA e o Reino Unido. O ministro-chefe rejeitou esta sugestão e, agora que os casos confirmados nos EUA e no Reino Unido continuam a aumentar exponencialmente, os partidos da oposição mantêm-se em silêncio.

O tratamento da pandemia pelo Governo Pinarayi tem sido elogiado por muitos, mesmo por aqueles que não são normalmente apoiantes dos partidos de esquerda. "Para ser franco, o ministro-chefe está a fazer um trabalho inacreditável de liderança", diz um alto dirigente do Congresso. “Ao contrário de muitos dos nossos líderes, os ministros do governo comunista têm um dom para lidar com situações adversas e calamidades". A Professora Shailaja ganhou grande popularidade entre o público após o surto do vírus Nipah. “A nossa liderança [Congess] errou ao vaiar a Ministra da Saúde dentro da assembleia quando ela falava das medidas tomadas pelo governo para travar a propagação do vírus. Esse acto isolado pôs a oposição na retaguarda", afirmou a dirigente.

Embora haja críticas sobre a forma como a máquina governamental tem funcionado, o Governo de Pinarayi tem ganho um enorme apoio entre a comunidade malaia em todo o mundo. A estatura de Pinarayi Vijayan como "O Capitão" - como é frequentemente chamado pelos membros do seu partido - tem crescido muito. Shailaja também recebeu elogios e é sem dúvida a Ministra da Saúde mais popular que Kerala alguma vez viu. As suas intervenções humanitárias mereceram-lhe o nome de "Teacheramma" (A Professora Mãe), uma vez que foi professora de ciências antes de entrar para a política eleitoral.

Vejamos que medidas tomou o Governo de Kerala para conter a propagação do vírus.

Quais foram as disposições para os testes? O Estado conseguiu adoptar a dupla política de lockdown e testes em massa?

A partir de 25 de Junho, Kerala enviou 203.574 amostras para análise. Destes, 156.401 deram negativo e 3726 foram confirmados como tendo a infecção viral. 1888 pacientes já recuperaram e tiveram alta hospitalar.

O Estado já tem 34 centros autorizados a testar a infecção viral, tanto no sector público como no privado. De acordo com o departamento de saúde, Kerala esteve sempre pronto para testar mais pessoas, e o governo está à espera de autorização para mais instalações de teste.

Como foram satisfeitos os requisitos dos produtos essenciais? Como é que o governo estatal planeou distribuir estes recursos ao longo do tempo?

O ministro-chefe Vijayan disse que o Estado estava bem equipado para fornecer produtos essenciais durante os primeiros três meses. Nos seus briefings diários aos meios de comunicação social, Vijayan deixou claro que nem uma única família no Estado passaria fome. "As pessoas podem não se sentir confortáveis em pedir comida, por isso estabelecemos números de telefone por Panchayat". Se as pessoas pedirem comida, ela será entregue à sua porta por voluntários", afirmou.

As cozinhas comunitárias funcionavam em pelo menos 861 panchayats, 84 municípios e seis empresas municipais. O Estado mobilizou 2,3 lakh (203’000€) voluntários em todo o Estado para garantir a entrega de bens essenciais. A distribuição de pensões sociais durante seis meses teve igualmente início em 28 de Março.

O Estado já tinha anunciado rações gratuitas de cereais alimentares para todo/a(s): Enquanto as famílias abaixo do limiar de pobreza receberam 35 kg de arroz, outras famílias receberam 15 kg. Além disso, foi também fornecido um kit de mercearia a todas as famílias.

O governo também garantiu que fossem fornecidos medicamentos e cuidados médicos a todos os/as pacientes em situação crítica. O departamento de assistência social tomou medidas para proporcionar alojamento e alimentação às pessoas transexuais afectadas pelo confinamento. "O departamento de alimentação providenciou o fornecimento de cereais alimentares às pessoas que vivem em casas alugadas sem cartão de racionamento. Depois de verificar o seu número Aadhaar e garantir que os seus nomes não são incluídos em nenhum outro cartão de racionamento, os cereais alimentares serão distribuídos", declarou Vijayan.

O que fez o governo estatal para renovar equipamentos como kits de teste, alas de isolamento, ventiladores e equipamento de protecção para os/as profissionais de saúde na linha da frente?

O governo estatal já se encontrava em hospitais privados "para se preparar para qualquer agravamento da situação", para além de utilizar todos os hospitais públicos. "Temos 69.437 camas disponíveis em 869 hospitais privados em todo o Estado. Estão também disponíveis 5.607 camas de Unidades de Cuidados Intensivos. Para além destas instalações hospitalares, podem ser instalados 15.334 quartos de isolamento em 716 hosteis", afirmou o ministro-chefe.

Religiosos e outros grupos, como o Conselho Episcopal Católico de Kerala, ofereceram os seus hospitais em caso de situação de emergência. Embora houvesse uma escassez de kits de teste, o governo tentou obtê-los com a ajuda de várias agências.

Que alívio económico foi anunciado pelo Estado para conceder alívio às pessoas susceptíveis de incorrer em prejuízos?

Mesmo antes de o Centro ter anunciado o pacote de ajuda COVID-19, o governo estatal tinha anunciado um pacote especial no valor de 20.000 rúpias.

O Ministro das Finanças do Estado, Thomas Isaac, escreveu recentemente que o pacote financeiro foi entregue porque é "muito importante fazer um esforço para colocar dinheiro nas mãos do povo". "Neste momento em que o emprego e os rendimentos das pessoas estão a diminuir rapidamente, decidimos antecipar os nossos empréstimos anuais. Para o próximo exercício financeiro, é-nos permitido um empréstimo anual de cerca de 27.000 rupias; deste montante, vamos antecipar cerca de 10 a 12.000 rupias no primeiro trimestre", afirmou.

O governo também alargou o apoio a viúvas, ao mesmo tempo que planeia implementar um programa de garantia de emprego no valor de quase 3.000 rupias. "Tudo isto permitiu que o pacote de 20 000 rupias - cuja parte substancial está a pagar uma grande quantidade de dívidas, em pensões de velhice, bolsas de estudo, subsídios". Também serão feitos alguns pagamentos adiantados", afirmou num artigo.

Quais são os principais desafios que o Estado enfrenta neste momento?

Kerala tem experiência na luta contra um vírus mortal, quando Nipah tirou 18 vidas em 2017. Aprendendo com essa batalha, o departamento de saúde, liderado pela ministra Shailaja, estava bem equipado para lidar com a pandemia.

No entanto, os/as residentes não-indianos que regressaram do Médio Oriente ao Estado após o surto da COVID-19 foram a principal causa de preocupação para Kerala. Quase 80% dos casos relatados no Estado têm história de viagens internacionais, especialmente para os Emirados Árabes Unidos. Alguns deles escaparam às autoridades e transmitiram a infecção a outros.

Mesmo funcionário/a(s) do governo ou políticos comportaram-se de forma irresponsável, sendo o último caso de um oficial do IAS que quebrou a quarentena apenas mais um exemplo. Com grande embaraço para a administração distrital, Anupam Mishra, o subcolector de Kollam, que foi colocado sob isolamento, fugiu para Uttar Pradesh, a sua região natal.

Um líder local de Idukki, que testou positivo no teste do vírus, afirmou ter estado em contacto com um líder estadual muito importante do Congresso. Ambos se tinham encontrado com pelo menos dois ministros do gabinete de Pinarayi, no âmbito de uma discussão para resolver uma greve em curso no distrito. Resta saber se algum destes líderes também foi infectado.

Rajeev Ramachandran é um jornalista independente baseado em Kochi.

Este artigo é uma versão actualizada do original publicado em The Wire India.

Foto: Facebook

Available in
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Author
Rajeev Ramachandran
Translator
Sofia Alcaim
Date
26.06.2020
Source
Original article🔗
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