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Não estão a enviar as melhores pessoas para encenar um golpe na Venezuela

A recente invasão falhada da Venezuela por vários carros-palhaço, cheios de “combatentes pela liberdade” idiotas é quase demasiado absurda para ser verdade.
Mas tolos à parte, este infortúnio só pode ser compreendido no contexto da agressão crescente de Donald Trump contra a Venezuela e o desejo aberto de derrubar o seu governo.

Depois da CIA ter tentado derrubar o governo socialista cubano, utilizando um exército de emigrantes cubanos de direita e ter falhado colossalmente, o local de invasão, a Baía dos Porcos, tornou-se não só um atalho para a intervenção imperialista americana nesse hemisfério, mas também para a inaptidão e incompetência do estado securitário americano. A tentativa de golpe verdadeiramente bizarra, no mês passado na Venezuela - um “raid anfíbio” de poder militar cru que foi na verdade comprometido por pescadores locais - tem vários pontos de comparação com a Baía dos Porcos.

Mas comparado com a conspiração absurda contra a Venezuela, o falhanço ignóbil que foi a Baía dos Porcos parece um esquema bem preparado.

Não é claro quem foi o responsável pela tentativa para derrubar o governo venezuelano. Mas surge no contexto das tentativas crescentes da administração Trump para mudar o regime na Venezuela, uma campanha que vai de encontro com a longa história dos EUA em procurar manter os seus vizinhos do sul firmemente debaixo do polegar do Tio Sam.

O plano em si tem todas as características de um filme de acção terrível: um exército de sessenta iria derrubar o governo ao atravessar a fronteira e raptar o presidente venezuelano, Nicolas Maduro. A escolha de personagens podia ter saído de uma sátira social e política, uma talvez demasiado óbvia. Incluía uma empresa mercenária sediada na Flórida, um general venezuelano à espera de um julgamento nos EUA por narcotráfico, e ,possivelmente, um herdeiro de uma fortuna de queijo, descrita pelaAssociated Presscomo “excêntrico”.

Debaixo do nariz

Comecemos pelos factos mais básicos do caso, como foram relatados até agora. No centro da conspiração encontra-se a Silvercorp USA, uma empresa de segurança com fins lucrativos, sediada na Flórida.

Numa história única e desoladoramente americana, antes de se ramificar no derrube de governos latino-americanos de esquerda, esta firma foi fundada para combater tiroteios escolares ao colocar veteranos das forças especiais nas escolas. A empresa de segurança esperava tornar-se lucrativa no seu programa de segurança escolar ao cobrar uma subscrição mensal do tipo Netflix aos pais, no valor de $8.99, para proteger os seus filhos. Este plano parece não ter corrido tão bem como previsto.

O antigo boina verde americano, Jordan Goudreau, gere a Silvercorp USA e tem uma enorme presença, nas redes sociais e através dos seus materiais promocionais. Antes de ter entrado no mundo da segurança privada, serviu nos exércitos canadense e americano. No exército americano, Goudreau fez várias missões no Afeganistão e no Iraque, recebendo três estrelas de bronze. Perto do fim da sua carreira militar, Goudreaiu foi investigado por defraudar o exército em $62.000 em ajudas de custo para alojamento. Nenhuma acusação foi avançada.

A Silvercorp USA apresenta vários serviços que disponibiliza, incluindo um “projecto complexo de liderança”, “gestão de catástrofes” e “programas especiais”. A firma de segurança privada declara que os seus “operacionais deslocam-se rapidamente para avaliar ameaças impostas por movimentos políticos e sindicais, ou trabalhadores insatisfeitos ou despedidos, chamando recursos psiquiátricos quando necessário.”

A recentemente apagada conta de Twitter e Instagram da Silvercorp USA insinuava que a firma prestou serviços de segurança para o concerto Live Aid Venezuela em Fevereiro de 2019 na Colômbia, assim como pelo menos num comício de Donald Trump. Nas fotos partilhadas nas redes sociais e num vídeo promocional, Goudreau pode ser visto num comício de Trump em Charlottesville, North Carolina, estando numa das ocasiões precisamente atrás da estrela de televisão que se tornou presidente, utilizando um auricular. Numa publicação de Instagram pode ler-se “a proteger o nosso bem mais valioso”. Os Serviços Secretos, a campanha de Trump, e o local onde o comício se realizou negaram ter alguma vez contratado a Silvercorp USA ou Goudreau. (Submeti um pedido FOIA junto dos Serviços Secretos sobre o seu envolvimento com a empresa.)

O envolvimento de Goudreau com o concerto Live Aid Venezuela levou ao seu novo interesse pelo país. Ele apareceu numa reunião no JW Marriott em Bogotá, Colômbia, descrito à Associated Press por um dos participantes como “uma cimeira Star Wars de tolos anti-Maduro.”. Na Colômbia, Goudreau foi apresentado a Cliver Alcalá, um antigo general venezuelano actualmente acusado pelos EUA de tráfico de droga. Goudreau e Alcalá começaram a conspirar um golpe contra Maduro, utilizando 300 antigos membros militares venezuelanos na Colômbia.

Um antigo Navy Seal americano, que gere o que tem sido descrito como uma “ajuda humanitária” sem fins lucrativos que opera em zonas de guerra, foi encarregue de fornecer treino médico aos futuros soldados. Quando chegou, encontrou vinte homens a viver numa casa de cinco quartos sem água corrente e com pouquíssima comida ou equipamentos. Ficou tão chocado com o que encontrou que procurou Goudreau com esperanças de o convencer a abandonar os seus planos insensatos.

Alcalá, por outro lado, gabou-se do plano à inteligência colombiana, declarando que Goudreau era um antigo membro da CIA. Segundo a Associated Press, os serviços de inteligência colombianos contactaram a CIA, que negou que Goudreau tivesse sido um dos seus membros. Os colombianos disseram a Alcalá para “parar de falar de uma invasão ou então ser confrontado com a expulsão.”

Alcalá encontrou ainda mais problemas. A 23 de Março, autoridades colombianas interceptaram um carregamento de equipamento militar, incluindo 22 espingardas semi-automáticas americanas com os números de série apagados, que se dirigiam à Venezuela. Pouco depois, e no mesmo dia em que foi acusado nos EUA por tráfico de drogas juntamente com Maduro, Alcalá assumiu a autoria do carregamento. Com um prémio de $10 milhões pela sua cabeça oferecido pelos EUA, Alcalá rapidamente se entregou às autoridades, declarando não ter nada a esconder. Segundo o Financial Times, “Ele foi expulso do país poucas horas depois, apesar dos procuradores colombianos terem afirmado que não existia qualquer mandato de detenção e nenhuma solicitação de extradição.”

A hora amadora

Alcalá não foi a única personagem desta conspiração. Goudreau também abordou o segurança de Donald Trump, Keith Schiller. Segundo a Associated Press, Schiller apresentou Goudreau a membros da oposição venezuelana em Miami. Schiller terá, aparentemente, parado de o fazer depois de ter começado a preocupar-se com a natureza amadora do golpe de Goudreau.

O Washington Post relatou como Goudreau teve reuniões em Miami com um representante de um comité de representantes de Juan Guaidó. Eles concordaram em assinar um acordo para raptarem Maduro contingente da angariação de financiamento para a operação. Ao não ter existido qualquer investimento para a expedição de Goudreau e o empresário ter começado a exigir que a oposição lhe pagasse um adiantamento de $1.5 milhões, os contactos foram alegadamente cortados.

Adicionalmente, Goudreau procurou um assistente no gabinete de Mike Pence e virou-se para Roen Kraft - “um descendente excêntrico de uma família produtora de queijo,” segundo a Associated Press- em busca de financiamento. O gabinete de Pence nega qualquer contacto com Goudreau. Da mesma forma, Kraft nega ter fornecido qualquer financiamento e declara ter-se afastado de Goudreau por questões de estratégia militar.

A maior questão, no entanto, mantém-se por responder: que papel teve o governo americano ou a oposição de Guaidó na conspiração? A investigação daAssociated Pressnão revela nenhuma prova do envolvimento oficial do governo americano. O Secretário de Estado Mike Pompeo negou directamente o envolvimento, afirmando: “ se nós estivéssemos envolvidos, as coisas teriam corrido de forma diferente.” Donald Trump também negou o envolvimento no golpe, declarando que se estivesse por detrás do golpe, teria enviado o exército.

Apesar de não terem surgido provas de uma ligação directa dos EUA, teóricos da conspiração paranóicos não são os únicos a terem levantado estas questões. Os EUA têm uma longa história de acções confidenciais na América Latina, e a administração Trump tem escalado no número de chamadas bélicas para alterar regimes. Mesmo que esta não tenha sido uma acção oficial americana, o que se passou não pode ser inteiramente separado das actuais relações EUA-Venezuela. Parece também que os Estados Unidos tinham, muito provavelmente, pelo menos conhecimento do plano, tendo em conta os inquéritos dos serviços secretos colombianos.

No que toca ao “governo” de Guaidó, o caso é completamente diferente. Segundo Goudreau, Guaidó assinou um acordo com ele em que seria pago pelos seus serviços em $215 milhões. Guaidó negou esta declaração publicamente. Como prova, Goudreau forneceu aos meios de comunicação social uma cópia do “Acordo Geral de Serviços” com a assinatura de Guaidó, assim como um ficheiro áudio que afirma ser de Guaidó enquanto assina. E a história do Washington Post parece confirmar que alguém da parte da oposição assinou algum tipo de acordo com Goudreau.

A maior parte do mundo soube da Silvercorp USA e de Goudreau a 1 de Maio. A Associated Press publicou uma longa investigação sobre o golpe da Silvercorp. O artigo, baseado em entrevistas com 30 fontes independentes, apresentou o esquema tão moribundo como destinado ao fracasso.

Dois dias depois o mundo saber deste plano, o governo venezuelano anunciou ter parado um ataque de “mercenários terroristas” em lanchas, a norte de Caracas no estado de La Guaira. Como resultado, o exército venezuelano matou oito pessoas e deteve duas outras. Inicialmente, como é hábito, os opositores do governo venezuelano declararam que o incidente tinha sido fabricado. Mas Goudreau publicou um vídeo em que explicava que a sua operação tinha começado, e que eles tinham 60 homens na Venezuela.

Para além deste vídeo, a Silvercorp USA tweetou informação similar. Identificaram Donald Trump no tweet. A firma mercenária sediada na Flórida que encenou a mediocremente planeada excursão militar à Venezuela, aparentemente, tem uma conta Twitter. E de Instagram. Auge de 2020.

No dia seguinte o governo venezuelano apreendeu, com a ajuda de pescadores, mais 10 mercenários. Estes eram também homens de Goudreau. Incluídos nos capturados, encontravam-se dois veteranos, antigos membros das Forças Especiais americanas. À medida que a semana passou, detenções adicionais foram feitas.

Segundo Goudreau, ele nunca recebeu qualquer dinheiro da oposição, apesar do contrato assinado. Ele declara ter decidido avançar com o ataque por ser um “combatente pela liberdade” - é simplesmente isto que ele faz. Outros têm sugerido que Goudreau pode ter tido um motivo menos altruísta: ele esperava receber o prémio de $15 milhões que o governo americano tinha colocado pela cabeça de Maduro.

Um Estado Não-Autorizado em Fuga

A Venezuela está há muito na mira dos EUA, mas a administração de Trump tem procurado escalar os ataques ao país. Trump tem ininterruptamente aumentado as sanções contra a Venezuela, mesmo quando o país está a lutar contra a COVID-19. Muito antes da COVID-19, um estudo pelo Centro de Investigação Económica e Política descobriu que as sanções dos EUA aplicadas à Venezuela causaram 40000 mortos entre 2017 e 2018.

Na última eleição presidencial, a oposição venezuelana boicotou a eleição declarando fraude eleitoral. Os EUA deixaram claro antecipadamente que não iriam aceitar o resultado da eleição. Com a maioria da oposição a recusar-se a participar na eleição, Maduro ganhou facilmente. (Alguns têm sugerido que “a oposição poderia ter ganho, se não tivesse boicotado a eleição.”)

A oposição controla a Assembleia Nacional venezuelana (os frutos de se terem preocupado em contestar a eleição). Citaram uma cláusula da Constituição venezuelana em que no caso de abandono do posto de Presidente, o Presidente da Assembleia National toma o seu lugar. Apesar disto não se aplicar de forma alguma à situação actual, um político relativamente desconhecido, Juan Guaidó auto-proclamou-se Presidente da Venezuela, baseando-se nesta cláusula. Muito embora ele não tenha qualquer controlo sobre o governo, os EUA comicamente reconhecem-no como o presidente da nação.

Descaradamente desafiando a lei internacional, os EUA passaram a confiscar a propriedade do governo venezuelano e a confiá-lo ao “governo” de Guaidó. Quando o governo venezuelano saiu da embaixada americana foi permitido a activistas americanos anti-guerra, conhecidos como Embaixada Protectora do Colectivo, a aí ficar. O/a(s) activistas procuravam impedir que o governo americano tomasse a embaixada e a confiasse a Guaidó. Visto tratarem-se de convidados do governo actual da Venezuela, consideraram as suas acções como inteiramente legais.

Apesar da situação ter começado de uma forma relativamente discreta, após o colectivo ter organizado vários eventos , ficou claro que que, eventualmente, se daria um confronto maior. A 30 de Abril de 2019, Guaidó declarou que o exército não apoiava mais o governo da Venezuela. O que se revelou ser falso. A sua tentativa de golpe de estado foi rapidamente desrespeitada. Em Washington DC, no entanto, apoiantes da oposição juntaram-se em frente da Embaixada da Venezuela. Quando se tornou claro que não havia nenhum golpe, começaram uma agressiva campanha para forçar a Embaixada Protectora do Colectivo a sair.

Eu estava frequentemente fora da embaixada durante este período e testemunhei algumas das coisas que se passaram. O/a(s) apoiantes da oposição tentaram expulsar as pessoas da embaixada através de ruídos fortes e contínuo. Também tentaram propositadamente bloquear a entrega de comida para quem se encontrava no interior. Uma vez, um do/a(s) apoiantes da oposição correu na minha direcção e começou a bater numa panela enquanto gritava na minha cara “NADA DE COMIDA! NADA DE ÁGUA!”, apesar de eu não ter nenhum dos dois.

O/a(s) apoiantes da oposição agressivo/a(s), aparentemente, questionaram jornalistas e observadores legais sobre quem os estava a pagar para estarem ali. Num vídeo, activistas da oposição seguiram observadores legais da National Lawyers Guild rua abaixo, batendo frigideiras, tentando persegui-los. Eu próprio os vi em gozo de uma jornalista progressista local depois de ela ter desmaiado e a usado palavrões raciais contra um manifestante. Outros incidentes foram relatados ou registados por outras pessoas em vídeo.

Apesar do comportamento agressivo do/a(s) apoiantes da oposição, e da posição dos Serviços Secretos ser que ninguém obstruiu a entrega de comida, tanto os Serviços Secretos como a polícia de Washington DC deram rédea solta aos activistas da oposição. Por outro lado, activistas anti-guerra não receberam o mesmo tratamento.

Quando Gary Condon, o Presidente da Veteranos pela Paz, tentava entregar comida e foi impedido pela oposição, lançou um pepino por uma janela aberta. Foi violentamente detido. A activista do Código Rosa, Ariel Gold, também tentou fazer chegar comida à embaixada ao lançar um pacote de pão para dentro da embaixada. Ela foi agredida por um activista da oposição e detida pela polícia, que a acusou de lançar mísseis. A polícia de Washington DC também se envolveu numa detenção de retaliação contra o jornalista Max Blumenthal.

A cena mais bizarra a que assisti foi a polícia ler uma ordem de trespasse contra os activistas que se encontravam no interior da embaixada. Emitindo a ordem através de um megafone LRAD, anunciando que a polícia de Washington DC não reconhecia a legitimidade do “antigo regime de Maduro” e que nesse contexto os indivíduos estavam a invadir a propriedade. Activistas no interior foram capazes de identificar esta manobra de manipulação para tentar desocupar o local. A polícia entrou na embaixada, cortando uma das fechaduras da fachada. Após negociação com o advogado dos activistas, a embaixada foi novamente fechada e a polícia partiu. Alguns dias depois, os activistas foram removidos e acusados de interferência na função protectora do Departamento de Estado (um julgamento que acabou por ser anulado devido a um júri em impasse). O “governo” de Guaidó possui o edifício, mas não pode efectivamente desempenhar quaisquer funções consulares.

Associados a estes eventos, os EUA atraíram atenção significativa ao enviarem uma escolta de ajuda humanitária para a Venezuela. Tanto a ONU como a Cruz Vermelha pediram aos EUA que não o fizesse, visto ser considerada ajuda politizada. E a pessoa responsável por esta escolta de ajuda, Elliot Abrams, foi o arquitecto-chave da Política Central Americana de Reagan nos anos 80 e uma figura chave durante o escândalo Irão-Contra, quando vôos de ajuda humanitária foram usados para traficar armas para os Contras.

Com os EUA a exigir à Venezuela a aceitação desta escolta , muitos de Esquerda viram a situação como um esforço de relações públicas cínico desenvolvido por defensores da alteração de regime ou, pior, como uma tentativa de provocação. A 23 de Fevereiro de 2019, activistas da oposição tentaram trazer a escolta de ajuda pela fronteira Colombia-Venezuela, através de uma ponte há muito fechada. Na subsequente confrontação, a escolta foi incendiada. Desde cedo, muita da comunicação social assumia que o governo venezuelano era responsável. Porém o New York Times veio mais tarde relatar que provas em vídeo mostravam activistas da oposição, que lançaram cocktails Molotov, foram os responsáveis pelo incêndio.

Recentemente, num movimento perturbantemente semelhante ao da preparação para a invasão do Panamá, a administração Trump acusou Maduro de tráfico de droga (e ofereceu $15 milhões por informações que levem à sua detenção). Trump também enviou navios de guerra para as Caraíbas, o que estabelece paralelos com acções americanas no prelúdio da invasão do Panamá.

Este é o contexto em que Goudreau lançou o seu ataque.

O que está por detrás deste agravamento?

Por que fez Trump estas coisas? A resposta comum é que está a tentar criar distracções para os seus problemas internos. Apesar de provavelmente ser parcialmente verdade, esta ignora uma parte das realidades da política internacional americana.

Apesar do pânico moral nalguns facções sobre a suposta falta de belicosidade em relação à Rússia da administração Trump, Trump tem repetidamente trazido antigos adversários da Guerra Fria e outros falcões para gerir a sua política internacional.

Elliot Abrams tornou-se o Representante Especial para a Venezuela nos EUA. (Para além do seu mandato na administração Reagan, Abrams também serviu George W. Bush e terá alegadamente encorajado além de ter conhecimento antecipado da tentativa de golpe de 2002 na Venezuela que removeu Chavez do poder durante 47 horas). Enquanto a administração de Trump tem sido uma porta giratória de funcionários, alguns dos mais obsessivos defensores da alteração de regime na Venezuela, como John Bolton, trabalharam anteriormente com na sua administração.

Para além destes conselheiros beligerantes, Trump tem feito questão de atacar o socialismo. Ao fazê-lo, tem não só perseguido opositores internos, mas também atacado “inimigos” oficiais dos EUA como a Venezuela. Certamente, a fixação de Trump no socialismo é um sinal de que ele vê o crescimento de movimentos socialistas como uma ameaça, como demonstram as campanhas eleitorais de Bernie Sanders ou o aumento dos Socialistas Democráticos da América. Porém Trump está também a relacionar os seus oponentes políticos internos aos seus supostos “inimigos” estrangeiros. Enquanto a Esquerda sempre conviveu com a repressão, o surgimento da Guerra Fria permitiu a escalada desta repressão ao permitir que governos americanos tratassem radicais internoscomo pertencendo à mesma ideologia de um estado inimigo com o qual os EUA estavam em guerra.

Os EUA sempre tiveram por alvo governos independentes, especialmente os que aspiravam a políticas socialistas. Na América Latina e nas Caraíbas, esta história tem sido particularmente desdenhosa.

Os mercenários privados da Silvercorp USA, têm alguns antecedentes históricos em “aventureiros”como William Walker, que nos anos 1800 preparou expedições militares financiadas por privados contra nações da América Latina. Os EUA, claro, anexaram metade do México. Décadas antes da Guerra Fria, marinheiros americanos desembarcaram e ocuparam a Nicarágua e o Haiti. Em 1954, a CIA derrubou o governo de esquerda eleito democraticamente na Guatemala num golpe que serviria como matriz para as acções confidenciais futuras da CIA. Vergonhosamente, os EUA derrubaram o socialista chileno, democraticamente eleito, Salvador Allende.

Depois da Revolução Sandinista no Nicarágua, os EUA derramaram dinheiro nos Contras de direita, que habitualmente se envolveram em ataques contra infra-estruturas civis, como centros de literacia para adultos e clínicas de cuidados de saúde. A administração de Reagan dedicou-se tanto à campanha de terror dos Contra que desencadearam uma crise constitucional interna ao evitarem os limites de um Congresso pós-vietnamita e pós-Watergate, para colocar acções confidenciais americanas e fabricação de guerras no Nicarágua, no que ficou conhecido como o escândalo Irão-Contra.

Há muito que a Venezuela está na mira dos EUA. Em 2002, Hugo Chavez foi temporariamente removido num golpe apoiado pelos EUA. Sabemos pelas revelações do WikiLeaks que já há algum tempo os EUA têm activamente apoiado e procurado isolar a Venezuela. E foi Barack Obama que declarou que a Venezuela era uma ameaça extraordinária e inusual para a segurança nacional americana, impondo sanções homicidas ao país.

Hugo Chavez e a Revolução Bolivariana venezuelana romperam com o consenso neoliberal. Nesse contexto, atingiram-se resultados notáveis. Chavez presidiu durante quedas do desemprego, aumento do PIB, redução da pobreza, e aumento da literacia. Com Chavez, a pobreza diminuiu 50% e a pobreza extrema diminuiu 70%. A Venezuela passou para o mais baixo coeficiente de Gini da região, que é utilizado para medir a desigualdade de rendimentos. Estatísticas regionais durante os anos de Chavez mostraram repetidamente que os venezuelanos tinham um dos maiores graus de satisfação com a sua democracia do que qualquer outro país da região.

Estes ganhos não se limitaram à Venezuela. Chavez desafiou George W. Bush durante uma cimeira do comércio livre em 2005 e falou a dezenas de milhares de manifestantes que se encontravam no exterior. Foi acompanhado em palco pelo activista boliviano Evo Morales, que se tornaria em breve o Presidente da sua própria nação.

A Revolução Boliviana foi central para a Maré Rosa. Ao longo de toda a América Latina, governos de esquerda, muitos deles tendo por objectivo o que chamaram de “socialismo do século XXI”, tomaram o poder via a cabine de voto, o que permitiu cooperação regional e a redução dramática da intervenção dos EUA na região. O papel da Venezuela como alternativa ao neoliberalismo e à dominação americana tornou-a um dos seus inimigos mais poderosos.

Mas a situação desde então tem-se alterado drasticamente. Golpes parlamentares no Brazil e no Paraguai removeram governos de esquerda. Golpes nas Honduras e na Bolívia removeram os seus governos. E noutros países da Maré Rosa, governos de esquerda já não se encontram no poder.

E embora os ganhos notáveis da Venezuela tenham ajudado a destronar a ideia de que “não há alternativa” às políticas falhadas do Consenso de Washington, a situação venezuelana é muito diferente hoje devido à crise económica no país. Apoiantes e simpatizantes da Revolução Bolivariana debatem as origens precisas da crise e até queponto as políticas do governo contribuíram para ela. Porém, duas coisas são claras.

A primeira é que os EUA têm mantido uma guerra económica implacável contra a Venezuela através das sanções, desenhadas para destruir a economia. Nenhuma análise da situação actual pode ficar completa sem a indicação deste ponto. Como disse o economista Jeffrey Sachs, no ano passado, “a crise económica venezuelana é habitualmente culpada inteiramente na Venezuela. Porém, é muito mais do que isso. As sanções americanas estão deliberadamente a almejar a destruição da economia venezuelana e assim a levar à alteração de regime.” A segunda é que depende da esquerda venezuelana e do povo da Venezuela a determinação do seu futuro.

Tenha a Silvercorp USA recebido luz verde do governo americano para agir como corsários ou por conta própria, esta desventura só pode ser compreendida no contexto da agressão crescente de Trump contra a Venezuela. Apesar de ser Trump a escalar estas tensões, ele está a agir segundo a longa tradição do imperialismo americano na região. Em última instância, cabe aos Venezuelanos, e não aos EUA, determinar o curso do seu país.

Chip Gibbons é jornalista, cujo trabalho é apresentado naIn These Times e no The Nation. É também o director político da Defending Rights and Dissent, onde escreveu o relatório “Still Spying on Dissent: The Enduring Problem of FBI First Amendment Abuse”. As visões aqui expostas são as do próprio.

Foto: World Economic Forum, Flickr.

Available in
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Author
Chip Gibbons
Translator
Sofia Alcaim
Date
29.06.2020
Source
JacobinOriginal article🔗
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