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Saúde

As indústrias farmacêuticas venceram

Hugo Lopez-Gatellis, subsecretário de Prevenção e Promoção da Saúde do governo do México, discute o fracasso das negociações na OMC para o acesso mais igualitário às vacinas Covid-19.
A saúde global está perto da morte. Há quase dois anos, zombando da Organização Mundial do Comércio (OMC), um punhado de países ricos resiste a uma proposta apresentada pela Índia e a África do Sul que poderia acelerar a vacinação global da COVID-19 e assim salvar muitas vidas. Agora esses países tentam avançar com o processo para colocar os lucros das indústrias farmacêuticas acima das vidas das pessoas.

No mês passado, uma reunião crucial e por muito tempo adiada ocorreu na OMC para discutir as regras que regem as fórmulas das vacinas. Após dois anos de negociações fracassadas, a OMC precisava chegar a um acordo. Antes dessas reuniões surgiu uma nova proposta prejudicial, impulsionada pela UE e pela diretora geral da OMC, Ngozi Okonjo-Iweala. Esta proposta é pior do que proposta nenhuma. A proposta original da Índia e da África do Sul, de isentar as vacinas e tratamentos contra o coronavírus de de direitos de propriedade intelectual, democratizaria rapidamente a produção de vacinas e medicamentos contra a Covid-19. A nova proposta não fará isto. De fato, ela criará barreiras aos países que procuram produzir ou importar suprimentos genéricos.

No entanto, este é o texto que está sendo negociado atualmente na OMC. É difícil não ver nesta manobra um ardil. Ao apoiá-la, a OMC impede a discussão sobre a isenção inicial (apesar do apoio massivo que recebeu), bem como dá muita voz e muito poder aos países ricos e protege os interesses das indústrias farmacêuticas. Na tentativa desesperada de obter resultados - e salvar a reputação da OMC - tanto a democracia quanto um acordo significativo estão sendo sacrificados.

Quando a África do Sul e a Índia lideraram a iniciativa, em 2020, mais de 100 países - inclusive o meu - se juntaram para exigir o direito a tecnologias que pudessem proteger os nossos povos. Os nossos esforços se depararam com uma resistência feroz, especialmente da UE e dos EUA.

O coronavírus não será controlado por um enxame de cientistas. O seu fim será lento e gradual, e exigirá a coordenação contínua entre as nações na execução de intervenções de saúde pública adequadas a cada contexto.

Quando a Omicron pegou o mundo desprevenido, no início deste ano, John Nkengasong, diretor dos Centros Africanos de Controle e Prevenção de Doenças (CDC), escreveu que "o mundo deve finalmente aprender com os erros do passado". Isso repercutiu em mim. A COVID-19 não é a minha primeira pandemia. Quando o vírus da gripe H1N1 fechou a Cidade do México e varreu o mundo em 2009, desempenhei um papel central na equipe do Ministério da Saúde mexicano, que trabalhou 24 horas por dia para conter a propagação do vírus. Estávamos preparados para muitas coisas - surtos de infecção, escassez de oferta e contratempos de comunicação - mas não para o oportunismo político.

O plano da UE protege tudo o que está errado na saúde global. Ele permite que grandes empresas farmacêuticas não compartilhem tecnologias que salvam vidas, mantém numerosos países do Sul Global na fila da mendicância e finge que as fronteiras podem impedir as mutações. A sua proposta é uma manobra de relações públicas, destinada a eliminar a possibilidade de uma renúncia real à propriedade intelectual.

A proposta praticamente ignora o objetivo do CDC africano de aumentar a disponibilidade de testes caseiros rápidos de antígeno, que poderiam auxiliar pelo menos 200 milhões de pessoas até o final do ano. As baixas taxas de vacinação na África tornam a trajetória da pandemia no continente imprevisível e incerta, advertiu John Nkengasong, argumentando que "o acesso equitativo a medicamentos para tratar o Covid-19 é fundamental, para que as pessoas infectadas sejam tratadas desde o início, quando os medicamentos são mais eficazes". Nem os testes nem os tratamentos constam da proposta atualmente em discussão.

A Paxlovid, última pílula contra COVID-19 a receber autorização para uso emergencial da Administração de Alimentos e Drogas dos EUA (FDA), provavelmente já está inacessível. Em março, a Pfizer se opôs fortemente ao pedido de licença compulsória da República Dominicana para produzir a Paxlovid, como se vê nesta apresentação de 45 páginas. Não é de se estranhar, já que a empresa espera obter cerca de US$ 22 bilhões em receita com as vendas da Paxlovid.

Economistas, parlamentares e especialistas em saúde pública de todo o mundo criticaram a contraproposta, chamando-a de “farsa". Em dezembro do ano passado, 2,5 milhões de enfermeiros de 28 países, convocados pela Internacional Progressista e pela Global Nurses United, apresentaram queixa contra os autores da nova proposta por "violação brutal dos direitos humanos". Os enfermeiros têm razão. Como funcionário público, valorizo o debate e as deliberações, e a disposição de negociar ante escolhas difíceis. Contudo, no que diz respeito a esta proposta, não há escolha, apenas rendição.

Ao entrarmos no terceiro ano da pandemia de Covid-19, devemos urgentemente libertar a OMC das garras da indústria farmacêutica. A única maneira de sair desta pandemia é quebrar os monopólios e dar poder a cada fábrica, fabricante, cientista e profissional de saúde para produzir e entregar medicamentos que salvam vidas.

A OMC falhou durante esta pandemia. Recusou-se a ignorar as regras que impedem o acesso igualitário a tecnologias que salvam vidas. Suas regras deram prioridade ao lucro e não às pessoas, mesmo em meio a uma pandemia. A UE, o Reino Unido e a Suíça rejeitaram os apelos de governos de países mais pobres confrontados com a morte de seu povo, quando havia a tecnologia da vacina para salvá-los.

Os países ricos devem ceder terreno e retornar a um texto mais próximo ao proposto originalmente pela África do Sul e a Índia. A OMC deve começar a agir em nome de todos os países que afirma representar - e não em nome de um punhado de países ricos dominados pelos gigantes farmacêuticos.

Isto significa que os países pobres e de renda média precisam se unir e se organizar, para não ficarem à mercê dos países ricos e das corporações que eles promovem.

Hugo López-Gatellis, subsecretário de Prevenção e Promoção da Saúde, governo do México.


A versão deste artigo em inglês foi publicada por Al Jazeera English

Disponível em
Autor(a)
Hugo López-Gatell
Tradutores
Rafael Coca De Campos and Cristina Cavalcanti
Data
12.07.2022
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