É com alegria que nos juntamos aos povos do mundo para semear um futuro diferente; para construir e fortalecer as estruturas no nosso cantinho no mundo que esperamos se tornem as sementes de novos começos.
A Colômbia está cheia de processos populares, com diferentes graus de autonomia territorial legal ou de facto. A história permite-nos compreender que a colonização não foi um acontecimento isolado, mas que ainda está em curso; ainda estamos a resistir activamente nos territórios. Popular a Colômbia não ocorreu em poucos anos, mas sim durante os últimos 500 anos. Ao longo dos séculos, os "colonos" chegaram a "novos territórios". Em alguns casos, coexistiram harmoniosamente com os povos ancestrais indígenas ou Palenquero, embora isto tenha acontecido ao longo de séculos de rebelião, enquanto os afro-colombianos lutavam contra a escravatura. A colonização foi levada cada vez mais longe em marés, até recentemente quando a expansão se inverteu para encher megacidades, à medida que as pessoas procuravam uma vida melhor ou escapar à guerra.
A ausência do Estado é o nosso ponto de partida, onde, em alguns territórios da Colômbia, a única presença conhecida do Estado é a chegada dos seus helicópteros e tropas militares. Foi assim que algumas comunidades sempre se organizaram, resolvendo elas próprias as questões do acesso à água e à alimentação, e providenciando as suas próprias estruturas de auto-governo, tais como autoridades tradicionais, assembleias ou outras formas de expressão. Essencialmente, tivemos uma multidão de sociedades e povos, seguida da chegada de um estado centralizado à capital Bogotá. A principal forma do Estado se relacionar com o resto do que este considera o seu território nacional é a guerra—ou seja, uma guerra contra a autonomia dos povos.
É daqui que surge a maior parte das insurreições armadas da Colômbia: a falta de possibilidade de participar, de ser ouvido, e de existir. Estes povos armaram-se por várias razões. Alguns apenas para se defenderem, outros para tomarem o poder e outros na esperança de o criar. Durante décadas, a oligarquia colombiana tem mantido a guerra como a sua única forma de comunicação, sem hesitações, armando os pobres para ir para a guerra com o resto da população. Esta situação sombria permanece inalterada, com acordos de paz não cumpridos e a suspensão do diálogo como resultado. Isto constitui uma violação de todos os tratados internacionais e deixa os territórios e os seus sonhos de autonomia imersos em conflitos políticos, sociais e armados.
No entanto, muitos processos organizacionais que recriam a força da comunidade nascem destes desenvolvimentos históricos. O ano de 2008 foi um ponto de viragem, uma vez que, em plena guerra e com um governo paramilitar no poder, os povos indígenas do Cauca disseram: "Basta. Vamos fazer uma Minga sob o lema: ‘Preferimos morrer de pé do que de joelhos’. Todas estas comunidades organizadas e as suas expressões proclamaram em uníssono, "Aqui estamos nós. Este é o nosso território, e nós vamos lutar por ele".
A determinação inspiradora das comunidades indígenas, que compreenderam a necessidade de articular as suas reivindicações a nível nacional, foi o catalisador para o Congresso dos Povos em 2010. O Congresso já se reuniu três vezes, com 15 a 20 mil pessoas organizadas por delegação. O que chamamos Poder Popular é criado diariamente através das acções de organizações camponesas, governos tradicionais negros ou indígenas, e movimentos regionais organizados.
O Congresso dos Povos acolhe enormes sessões ao reunir povos negros e indígenas, comunidades camponesas, organizações de mulheres e sindicatos, partidos políticos, prisioneiros políticos, grupos LGBTI, centros de investigação, e activistas. Todos eles propõem a construção de mandatos populares e procuram tornar-se o Congresso soberano da Colômbia.
O mandato não é uma exigência; é uma lei nossa que nós damos a nós próprios. Assim, quando decidimos sobre a soberania alimentar, temos o dever de manter a nossa palavra e a transição para a agricultura biológica onde quer que a agro-indústria tenha devastado ecossistemas. Temos de preservar as sementes e manter os territórios livres de produtos químicos e OGM nocivos. Temos o dever de manter a nossa palavra e organizar o transporte de alimentos; abrir lojas nas cidades; e construir a nossa própria economia. Estes esforços implicam que, ao longo do caminho, teremos de fazer frente ao Estado. Em 2013, 2014, 2016 e 2018, foram levadas a cabo uma série de manifestações sociais e políticas nas ruas. Ao envolvermo-nos na desobediência civil, abrimos espaços para as autoridades negras, indígenas, e camponesas negociarem com o Estado.
A construção do poder popular implica a defesa do território e das estruturas sociais. Historicamente, a defesa do povo é levada a cabo por guardas indígenas e Maroon. Mas hoje em dia, movimentos de camponeses e de guarda urbana juntam-se à tarefa. Primeras lineas ("primeiras linhas", como estes manifestantes são chamados) tornaram-se famosos/as nas recentes mobilizações em toda a América Latina. Os grupos de defesa destas pessoas estão armados com um simples bastão — "o bastão do comando" — que representa a autoridade colectiva confiada a cada membro da comunidade. É um lembrete de que temos de cumprir os mandatos que nos atribuímos a nós próprios.
A legislação do Povo abrange todos os domínios, pelo que redigimos uma série de mandatos:
O acima exposto resulta do trabalho em mandatos populares em Congresso. Implica orientar a nossa noção de Colômbia de maneira a colocar as comunidades em primeiro lugar e criando o poder popular.
O Congresso dos Povos tem, desde o seu início, entendido que uma vida digna só é alcançável no quadro da luta internacionalista e da mudança sistémica global. A pandemia, que revela cruelmente a condição crítica em que se encontra o nosso mundo, torna a necessidade de unidade nos nossos processos democráticos mais urgente do que nunca. Temos de criar um movimento popular com capacidade para se erguer, disputar, propor, e substituir o nosso actual sistema político-económico por um baseado numa ética dos comuns.
As nossas críticas não podem limitar-se a analisar o neoliberalismo e o desmantelamento dos serviços públicos. É claro que devemos lutar pela saúde, educação, e todos os serviços públicos. Mas, se não formos à raiz do nosso problema, podemos enganar-nos a nós próprios ao pensar que, para desmantelar o neoliberalismo, temos de fortalecer o Estado. Lembrem-se: o Estado nunca estará ao serviço do Povo. A presença de movimentos populares no governo é essencial na disputa pelo poder. Embora o poder popular possa ser encorajado pelo governo, ele é criado pelo povo e feito fora do Estado. Exemplos de serviços públicos existentes fora do Estado incluem cooperativas, aquedutos, centros de saúde, e faculdades comunitárias. Temos de construir muito mais, mas temos também de reconhecer o que já conseguimos.
Hoje partilhamos convosco algumas das nossas experiências com o poder popular através do Congresso dos Povos. Esta é apenas uma das muitas histórias de luta popular na Colômbia, esta terra fértil onde muitos povos rebeldes têm as suas raízes.
Partilhamos convosco a nossa história na esperança de nos unirmos, de nos conhecermos uns aos outros e de nos reconhecermos como tal na criação de um movimento de Povos que nos permitirá agir de forma decisiva e mudar o curso do mundo.