Entrevistas

Colocando as pessoas e suas comunas em primeiro lugar: Uma conversa com José Luis Sifontes

O novo método de governança do presidente Maduro envolverá trabalhar de perto com as organizações comunitárias.
José Luis Sifontes tem assumido muitos papéis ao longo dos anos. Ele foi professor no bairro operário de Petare, depois uma figura central na [comuna de El Maizal](https://venezuelanalysis.com/interviews/15268/) e, mais recentemente, foi nomeado vice-ministro pelo novo ministro das comunas, [Angel Prado](https://venezuelanalysis.com/interviews/the-dialectics-of-constituted-and-communal-power-a-conversation-with-angel-prado/). Nesta entrevista, Sifontes explica o novo método de governança do presidente Nicolás Maduro, que tem como foco as comunas. Ao longo da conversa, ele aborda os processos de consulta comunitária que têm ocorrido nos últimos meses.

Vamos começar discutindo o plano atual do Ministério das Comunas para reativar os processos de tomada de decisão baseados em assembleias, da maneira como Chávez costumava promover.

As comunas e os conselhos comunais da Venezuela estão saindo de um período de dormência. Sua atividade e momentum diminuíram significativamente nos últimos anos. Uma parte importante da liderança e das bases se tornou inativa, em parte devido ao impacto devastador da situação econômica, mas também porque foram estabelecidas estruturas paralelas que obscureciam as organizações comunais de maneiras que estavam longe de ser produtivas. 

Por exemplo, cada conselho comunal tem um comitê de alimentos, mas a introdução dos CLAP, comitês de alimentos paralelos — nomeados pelo partido [PSUV] e não vinculados aos conselhos comunais — criou conflitos e distorções em nível local. Isso levou à desativação de muitos conselhos comunais e comunas e diminuiu o espírito original de trabalho coletivo.

Tudo isso corroeu o espírito que Chávez instigou nas comunas. O que consideramos como nossa tarefa principal no Ministério das Comunas é reacender e trazer novas dinâmicas para esses espaços de reunião.

As decisões em um conselho comunal ou em uma comuna não podem ser tomadas por apenas duas ou três pessoas. O objetivo é a autogovernança pelo povo e para o povo. É necessário reativar a assembleia comunal, que é o órgão máximo de tomada de decisões em uma comunidade. Todos os planos do Ministério das Comunas, de acordo com as orientações do presidente Nicolás Maduro, agora estão voltados para isso. O povo é quem deve tomar as decisões.

Que mecanismos vocês estão implementando para tornar esse plano de reativação das assembleias comunitárias uma realidade?

Nós estamos viajando pelo país organizando assembleias, pedindo às comunidades para reativar as reuniões e também os comitês em cada conselho comunal.

Deixe-me explicar melhor: existem 49.183 conselhos comunais no país, e cada um tem cerca de 20 comitês com diferentes tarefas, de finanças até esportes, educação e saúde. Para citar um caso específico, cada conselho comunal tem um comitê de saúde cujo porta-voz trabalha com a população para identificar e priorizar as necessidades de saúde.

Passando para o próximo nível: se uma comuna tiver dez conselhos comunais, dez comitês de saúde se reunirão para identificar problemas relacionados à área na comuna como um todo e elaborar um plano de saúde comunal, que deverá ser debatido e ratificado pela assembleia. Por fim, ao nível municipal geral, o plano de saúde é implementado em colaboração com o Ministério da Saúde.

Esse processo permite que as organizações comunitárias identifiquem suas necessidades desde a base. É assim que surge o plano de autogovernança da comuna. No momento, estamos na fase de identificar necessidades, sistematizá-las e elaborar planos de autogoverno em cada conselho comunitário e comuna. O objetivo é ativar mecanismos participativos para resolver problemas. Isso, por sua vez, reavivará o espírito comunitário que estava no centro da visão de Chávez para as comunas.

O presidente Maduro falou sobre um novo método de governança para a Venezuela. Isso está relacionado ao processo de reativação das comunas que você acabou de descrever?

O presidente incitou sua equipe de governo a inventar uma nova forma de governar e disse que ela deve envolver as comunas.

Vamos voltar ao exemplo dos comitês de saúde para ilustrar o que queremos dizer com essa nova forma de governança. Se os conselhos comunais, as comunas e os grupos de comunas (que são o caminho para as cidades comunais existirem) mapearem suas próprias necessidades de saúde, toda a maneira de fazer as coisas muda. Não será mais um processo de elaboração de planos em escritórios com ar-condicionado dentro do Ministério da Saúde.

Após a conclusão desse processo de auto-organização, o Ministério da Saúde pode elaborar um plano nacional de saúde com base nos diagnósticos feitos pelo povo em seus conselhos comunitários e comunas. Isso não é apenas um sonho; já está sendo promovido pelo presidente e se chama Plano de Saúde Comunitário.

Fale sobre as Consultas Populares Nacionais, mais conhecidas como "consultas comunais." Houve duas rodadas até agora — abril e agosto de 2024 — e uma terceira será realizada em breve. Você poderia explicar o propósito dessas consultas e como elas funcionam?

Uma comuna é um grupo de pessoas vivendo em um mesmo território, que se reconhecem como um órgão governante e têm um plano coletivo. Ao promover essas consultas públicas, o presidente Maduro está pedindo às comunas que identifiquem suas próprias necessidades e prioridades. Esse processo combina assembleias com votação — é um belo exercício porque permite que as comunidades vislumbrem um futuro melhor e, ao mesmo tempo, reconheçam que nem todas as necessidades podem ser atendidas imediatamente.

Funciona assim: em uma comuna ou circuito comunal, cada conselho comunal propõe três projetos que devem ter um amplo impacto na comunidade, o que quer dizer que devem atender às necessidades da comuna como um todo, e não apenas as do conselho comunal específico. Em seguida, a comuna ou circuito comunal seleciona sete projetos em uma assembleia. Finalmente, no dia da consulta pública, as pessoas votam em um dos sete projetos por voto secreto, e o projeto com mais votos é financiado pelo governo.

Você mencionou que tanto as comunas quanto os circuitos comunais participam do processo de consulta. Qual é a diferença entre os dois?

Atualmente, a Venezuela tem 3.642 comunas registradas e 866 circuitos comunais. Os circuitos comunais são agrupamentos de conselhos comunitários que ainda não foram oficialmente registrados como comunas. Em alguns casos, eles não concluíram o processo de formalização da comuna, enquanto em outros, o Ministério foi negligente no processo de registro. 

Estamos trabalhando arduamente para resolver essa questão, mas, enquanto isso, tanto as comunas quanto os circuitos comunais participam do processo de consulta.

Você poderia falar um pouco sobre os tipos de projetos que estão sendo selecionados nas consultas comunitárias?

Atualmente, a maioria dos projetos está se concentrando em questões relacionadas a serviços básicos, como água, eletricidade e reparo de estradas. No entanto, muitas comunidades estão consertando escolas ou centros de saúde, enquanto outras estão promovendo iniciativas produtivas para o benefício da população.

O processo de planejamento e deliberação coletiva que acompanha as consultas está ajudando as comunidades a vislumbrar um futuro melhor e a reavivar a autogovernança. Em outras palavras, essas consultas não são valiosas apenas porque os fundos são disponibilizados para resolver problemas reais, mas porque também incentivam e fortalecem o processo de autogovernança.

As consultas se mostraram eficazes para incentivar a autogovernança. No entanto, o valor do financiamento por projeto é pequeno. Isso é uma limitação?

Cada projeto recebe o equivalente a US$ 10.000, o que é, de fato, uma quantia pequena, especialmente se considerarmos que esses projetos têm o objetivo de impactar positivamente a vida de milhares de pessoas. Gostaríamos que o valor do financiamento fosse maior, é claro, mas os recursos de nosso país são limitados devido ao bloqueio dos EUA.

No entanto, ao contornar os canais institucionais tradicionais, como os governos municipais e regionais, os recursos estão sendo entregues diretamente do governo nacional para as comunas. Isso faz parte do novo método de governança que o presidente Maduro está promovendo.

Essas consultas são um passo em direção a uma nova forma de governar em que as pessoas estão no comando e tomam suas próprias decisões. Ao respeitar as escolhas do pueblo, o governo nacional está fortalecendo a autogovernança comunitária. 

Estamos nos aproximando de um sistema unificado no qual a governança começa no nível do conselho comunal, avança para a comuna e, por fim, culmina nas cidades comunais. Mas essas cidades comunais não podem existir apenas no papel. Neste momento, há, no papel, 200 cidades comunais registradas no ministério, mas as cidades comunais reais e operacionais surgirão depois que os conselhos comunais se reunirem para construir planos de saúde, fundi-los no nível da comuna e, por fim, unir várias comunas para a criação de projetos de governança coletiva no nível da cidade. Só então veremos o surgimento de verdadeiras cidades comunais com autogovernança genuína.

Depois que um projeto é escolhido por meio do processo de consulta, também é mais fácil pô-lo em prática na comunidade?

Com certeza. Não é segredo para ninguém o que acontece quando o Estado burguês implementa um projeto. Os recursos alocados pelo governo federal tendem a diminuir significativamente devido a ineficiências, corrupção e comissões que são inerentes à lógica do capital. Por exemplo, se um projeto em Petare for aprovado, quando os fundos chegarem ao bairro, a quantia originalmente designada se tornará uma fração do investimento inicial.

Por outro lado, quando os recursos são alocados diretamente às comunas, as coisas acontecem de forma muito diferente. As comunas entregam, consistentemente, um trabalho de alta qualidade. Por exemplo, se você comparar os resultados entre uma empresa contratada para pintar uma escola e uma comuna que assume a mesma tarefa, quase sempre verá que a comunidade conclui a tarefa por uma fração do custo e com melhores resultados. As empresas são movidas pelo lucro e, por isso, geralmente usam materiais mais baratos e ficam com uma grande parte do dinheiro para si mesmas. Por outro lado, as comunas investem em materiais melhores e realizam o trabalho com integridade. O resultado é que o Estado obtém muito mais valor pelo seu dinheiro quando trabalha com as comunas.

As consultas desempenharão um papel fundamental na nova forma de governança que o presidente Maduro está defendendo. Isso significa que o processo precisa ser aperfeiçoado e continuamente aprimorado.

Quais foram os principais desafios que você identificou nos dois primeiros processos de consulta?

Na primeira consulta, um dos principais problemas foi o fato de que as instituições estatais locais e nacionais não estavam engajadas na implementação dos projetos em conjunto com as comunas. Por exemplo, mais de 25% das comunas priorizaram projetos relacionados à água, mas as instituições que lidam com questões hídricas, tanto a nível local quanto nacional, não consideraram esses projetos como sua responsabilidade — elas tinham outras prioridades. Depois de identificar esse problema, o presidente instruiu todas as instituições relevantes a apoiarem totalmente os projetos comunitários.

Outro problema relacionado é que, meses após a consulta de abril de 2024, descobrimos que cerca de 1.000 comunas não haviam tocado nos fundos depositados em suas contas bancárias. Inicialmente, nos perguntamos se havia algum problema nessas comunas, mas após entrar em contato com elas, descobrimos que mais de 80% estavam simplesmente esperando por suporte técnico. Sem apoio, é difícil executar projetos de infraestrutura como água ou eletricidade.

Agora, todas as instituições devem trabalhar em estreita colaboração com as comunas — espera-se que elas se sentem com as pessoas para desenvolver um plano em conjunto. 

Além disso, embora US$ 10.000,00 talvez não sejam suficientes para resolver todos os problemas, já estabelecemos que os projetos podem ser implementados em fases para permitir mais financiamento.

As consultas transformaram o relacionamento entre o governo e o povo. Embora os recursos sejam limitados, o impacto foi substancial. Construir um muro para evitar um deslizamento de terra, fornecer água para 500 famílias ou restaurar a eletricidade em uma comunidade que ficou às escuras por anos são projetos que realmente fazem a diferença.

Ainda estamos trabalhando para superar alguns obstáculos, mas estamos progredindo. 

O chamado "Congresso para o Novo Bloco Histórico" já está em andamento. Entendo que as comunas desempenharão um papel importante nesse congresso. Pode nos contar mais sobre isso?

O Congresso faz parte de uma estratégia mais ampla do governo e teve início com a realização de assembleias pelos conselhos comunitários para definir projetos e planos com base nas necessidades locais. Esses planos foram então carregados no sistema do Ministério do Planejamento, que coleta planos de autogovernança comunitária. Com cerca de 49.000 conselhos comunitários na Venezuela, o ideal seria que houvesse 49.000 planos. Ainda não chegamos lá, mas estamos caminhando nessa direção.

A segunda etapa do Congresso é no nível da comuna ou do circuito comunal, onde cada um constrói um plano maior com base nos planos do conselho comunitário e, novamente, carrega um plano unificado de autogoverno no sistema.

A terceira etapa, a nível regional, será realizada em breve. Durante esse período, as comunas de cada estado se reunirão em grandes grupos de trabalho em diferentes setores. Esses planos também serão carregados no sistema.

Dessa forma, o processo de deliberação final a nível nacional estará vinculado ao que as pessoas estão identificando como problemas em seu território. Além disso, as instituições nacionais, regionais e municipais terão uma compreensão abrangente da necessidade das pessoas, o que lhes permitirá elaborar seus planos de acordo. 

O Congresso foi projetado para transformar a governança, garantindo que ela responda diretamente às necessidades do pueblo. A partir de agora, as instituições não criarão mais seus planos de forma isolada.

Chávez enfatizou a necessidade de um relacionamento sólido e recíproco entre o poder popular, de um lado, e o governo, de outro. Passos claros estão sendo dados nessa direção. Você tem alguma opinião geral sobre o assunto?

Em primeiro lugar, devemos nos lembrar do discurso "Greve no Leme" de Chávez em outubro de 2012. Nesse discurso, ele chegou a considerar a eliminação do Ministério das Comunas, pois achava que os outros ministérios não estavam apoiando a organização comunitária — eles viam as comunas como responsabilidade exclusiva do Ministério das Comunas. Ainda estamos enfrentando esse desafio, embora ele esteja começando a mudar.

Em segundo lugar, há algum tempo, tem havido uma falta de conexão entre o poder popular e algumas autoridades locais, que poderíamos chamar de "poderes de fato." Essas pessoas geralmente tentam controlar o poder popular, causando tensão e desgastando o movimento de base. Os líderes partidários e as autoridades eleitas devem reconhecer as organizações comunais em sua área e entender que os porta-vozes de base são legítimos porque são escolhidos por meio de eleições participativas, livres e diretas. A filosofia de Chávez era colocar as pessoas em primeiro lugar, mas alguns ainda tentam minar ou controlar os órgãos comunitários.

Uma das tarefas do Ministério das Comunas é promover um melhor entendimento entre as comunas e os poderes de fato nos territórios, garantindo que não haja divisões dentro do chavismo. Estamos progredindo nesse sentido. A comuna não é apenas mais um setor: não é um quarto nível de governo ou um sexto poder, como alguns dizem. A comuna é a base para o novo estado comunal que Chávez imaginou. Estamos trabalhando incansavelmente para fazer com que esse novo Estado — que acabará por dar um golpe final no Estado burguês — se torne uma realidade.

Foto: Venezuelanalysis

Available in
EnglishSpanishPortuguese (Brazil)FrenchGermanArabicItalian (Standard)
Author
Cira Pascual Marquina
Translators
Thiago Rocha Oliveira, Clara Telles dos Santos and ProZ Pro Bono
Date
30.10.2024
Source
Original article🔗
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