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Entrevistas

Em Punjab: uma entrevista com Tariq Ali

 O ativista e escritor Tariq Ali fala sobre as lutas históricas do subcontinente indiano e seu impacto na geopolítica moderna.
Neste trecho, Tariq Ali investiga os motivos que levaram à formação de uma Índia extremista, a retratação dos britânicos pela colonização do Sul da Ásia e as formas de reconciliação do Estado de Punjab, atualmente dividida, entre a Índia e o Paquistão.

GSW: Muitas pessoas na Índia comparam a era de Modi com a do General Zia. Eles dizem que Modi está “hinduizando” a Índia, bem como Zia “islamizou” o Paquistão. Mas até que ponto Jawaharlal Nehru e Zulfikar Ali Bhutto, que são considerados liberais, plantaram as sementes das quais brotaram General Zia e Modi?

 TA: Concordo com isso. Veja bem, houveram inúmeras oportunidades para o Congresso Indiano se concentrar e trabalhar em prol da educação e saúde para unir o país. Não deveria acontecer de somente pessoas ricas poderem estudar, mas eles deveriam traçar planos simples para que todos tivessem acesso à educação — e nas suas línguas nativas (Punjabi, Bengali, Tamil etc.) bem como no inglês. Isso entrou em vigor, mas apenas os funcionários públicos e políticos, não para pessoas comuns.

 O Congresso também deveria ter feito uma campanha conjunta contra o sistema de castas. Mas a liderança do Congresso consistia de pessoas com opiniões diferentes sobre esse sistema. Nehru era uma pessoa educada com visão liberal, secular e democrática. Mas Gandhi tinha sua própria política e perspectiva de castas questionáveis. E as pessoas associadas a Sardar Vallabhai Patel eram, em diferentes graus, hindus extremistas sem qualquer distinção entre eles e a ideologia do RSS (Rashtriya Swayamsevak Sangh). Por causa de figuras como esta, o Congresso não confrontou as castas. Eles poderiam, e deveriam, ter construído escolas onde os vários estudantes de origem sikh, hindu, muçulmana e dalit pudessem sentar juntos para aprenderem de vários professores. Isso poderia ter tido muitos efeitos. Mas não seguiram por esse caminho. Foi por uma boa razão que B. R. Ambedkar, que contribuiu significativamente para a redação da Constituição Indiana, aconselhou repetidamente Jinnah a criar o Paquistão, caso contrário, os brâmanes os teriam comido vivos.

 Nehru também prometeu ao sheik Abdullah, o “Leão de Caxemira” que seria feito um referendo e que os caxemiras iriam decidir sobre seu próprio futuro, mas isso também não aconteceu. Todas as vezes que Abdullah perguntava a Nehru quando o tal referendo seria realizado, ele era preso. Nehru teve uma participação grande em atrapalhar as coisas. E sua filha, Indira Gandhi, trouxe a Emergência, que envolveu prisões generalizadas, suspensão das liberdades civis e até uma campanha de esterilização forçada para, supostamente, enfrentar a pobreza, embora muitos de seus alvos fossem dalits e muçulmanos. Na época, as pessoas ergueram slogans como “Nasalbandi ke teen dalaal Sanjay, Indira, Bansi Lal” [os três cafetões da esterilização: Sanjay, Índia e Bansi Lal]. A campanha acabou com a pobreza? Claro que não.

 De certa forma, tudo isso criou condições para a ascensão de Modi. A ascensão da direita também ocorre mundialmente, mas a diferença é que o RSS está aqui desde o começo. Embora eles insistam que a pessoa que matou Gandhi, Nathuram Godse, não era membro do RSS, o próprio Godse se identificou como membro. E seu irmão, Gopal Godse, deu uma entrevista há 20 ou 30 anos e lhe perguntaram: “Você se arrependeu que seu irmão tenha matado Gandhi?”. Ele respondeu que todos estavam envolvidos na conspiração e que não havia arrependimento. Tudo isso estava acontecendo na Índia, e todos testemunharam.

 O que o Congresso estava fazendo durante todo esse tempo? Ganhando dinheiro, se corrompendo e oprimindo grupos como os sikhs, os muçulmanos e os dalits. Muitos de seus líderes também eram amigos e conversavam em particular com o pessoal do RSS. Sem dúvida eles os prenderam, mas mesmo assim, eles cuidaram dos preparativos para a prisão. O Congresso não conseguiu se tornar um partido secular. Depois que Gandhi se baseou na mitologia hindu para defender Ram Raj e centralizou os símbolos hindus na política do Congresso, isso criou um problema. As pessoas que aconselharam o partido a não seguir este caminho — e outras pessoas progressistas na intelectualidade Sikh muçulmana e hindu — juntaram-se então ao Partido Comunista da Índia. É por isso que, depois de 1947, os comunistas foram os únicos em oposição ao Congresso.

 Não podemos esquecer esta importante parte da história. Os comunistas realizaram muita coisa para os agricultores e várias outras pessoas — coisas essas que Nehru suprimiu em lugares como Hyderabad, onde matou milhares de pessoas. Nehru e o Congresso não deveriam ser idealizados. As suas opiniões sobre a posição da Índia em um contexto global eram, até certo ponto, boas — que a Índia deveria ser sempre independente e não alinhada— mas não tinham qualquer visão, exceto para a criação de slogans.

 GSW: Você mencionou anteriormente que os britânicos poderiam ter adiado a divisão por um ano para evitar a violência, mas não fizeram isso. Você acha que o Estado Britânico deveria pedir desculpas oficialmente pela violência dessa divisão?

 TA: Eles vão se desculpar porque não é difícil pedir desculpas. Mas não farão mais do que isso — não farão reparações ou compensarão pela violência, por exemplo. Os caxemiras podem pedir compensação com base nas atrocidades cometidas contra eles na Índia, mas não receberão nada. A Índia nunca fará isso. O general Musharraf pediu desculpas aos bengalis até certo ponto — mas ao que isso levou? Não há nenhum benefício real em obter um pedido de desculpas.

Além disso, vamos supor que os britânicos peçam desculpas. Aceitamos isso? Porque um pedido de desculpas deveria justificar a violência, a angústia e a pobreza causadas pelo colonialismo?

 GSW: Então, o que deveria acontecer? Se não forem reparações entre a Grã-Bretanha e a Índia e/ou Paquistão, pode haver alguma reconciliação entre os Punjabis de ambos os lados?

 TA: Ambos os países precisam reconhecer que entre 1 a 2 milhões de pessoas perderam suas vidas na divisão. Não temos os números exatos porque algumas pessoas queimaram corpos e as mortes não foram documentadas. Ninguém se preocupava com os corpos dos pobres. As pessoas viajavam em ônibus — os sikhs para o Hindustão e muçulmanos para o Paquistão — então os ônibus também foram queimados. Ninguém tinha registro do número de pessoas nesses ônibus. Mas todas as estimativas feitas sugerem que entre 1 e 2 milhões de pessoas morreram.

 Devo dizer que deveria haver um grande monumento na fronteira de Wagah para comemorar a divisão. Os artistas do nosso país deveriam se unir para construir isso. E todos deveriam poder prestar suas homenagens, fazer orações e ler poesia nos dias 14 e 15 de agosto. Eles deveriam ir lá para perceber que isso não pode acontecer novamente no futuro. Terá efeito.

 GSW: Exatamente. No leste de Punjab, esta preocupação foi levantada muitas vezes quando Navjot Singh [político indiano de Punjab] visitou Kartarpur Sahib [no Paquistão, Punjab], e com isso, muitas famílias separadas puderam se reunir. Você acha que esse tipo de iniciativa é o caminho a seguir para unir as duas regiões?

 TA: É uma excelente iniciativa. Tudo o que pode ser feito, deve ser feito.

 Outro gesto nesse sentido é o esforço para homenagear o anticolonialista revolucionário Bhagat Singh em Lahore. É uma pena e extremamente triste que não haja nenhuma estátua sua na cidade. E também é uma pena que Gandhi não tenha tentado, nem sequer remotamente, salvar as vidas de Bhagat Singh e de seus camaradas. Se ele quisesse, ele poderia ter feito algo. Gandhi tinha poder, mas mal se comunicava com Lord Wavell sobre isso. Como se sabe, Bhagat Singh e seus companheiros foram mortos na prisão de Lahore. Essa prisão ficava em Jail Road, a apenas 10 a 15 minutos de bicicleta de onde eu morava. Agora essa prisão foi destruída. Quando estávamos na faculdade, os estudantes sabiam sobre Bhagat Singh e eles iam lá visitar.

 Certa vez, alguém me disse que o ex-primeiro-ministro do Paquistão, Nawaz Sharif, que não é nada progressista, também sugeriu erguer a estátua de Bhagat Singh em sua memória. Porém, os maulvis reclamaram. Mas quem são eles para se oporem a essa decisão? Antes de 1947, os maulvis do Paquistão opuseram-se à divisão. Eles nem lutaram contra os imperialistas e nem participaram na criação do Paquistão. Muitas pessoas visitam o local de nascimento do Guru Nanak Dev Ji para peregrinação religiosa e, se houvesse uma estátua de Bhagat Singh, mais pessoas viriam para Lahore também.

 GSW: Outra proposta que ouvimosfoi que o comércio deveria ser aberto em toda Punjab, através da fronteira de Wagah, especialmente porque esta é uma região agrária. Muitas pessoas dizem que o comércio já acontece através de Mumbai e Karachi, mas não através de Wagah. O que você acha que deveria acontecer? Você acha que os governos de ambos os lados podem ser convencidos a abrir o comércio em Wagah?

 TA: Nawaz Sharif, a quem critico muito, tinha apenas um bom plano: que o comércio fosse aberto em Wagah em ambos os lados. Nawaz Sharif também esperava que o aeroporto fosse aberto para o leste de Punjab também. E se alguém quiser passar pelos quatro aeroportos do Paquistão, a alfândega, propôs ele, seria na chegada. Nem mesmo o General Musharraf foi contra este plano. Mas do nosso lado, há alguns — especialmente nas Forças Armadas, no estado profundo — que não querem esta amizade transfronteiriça. Por quê? Há muitas razões, como o que aconteceu em Caxemira ou o que o governo Modi está fazendo agora aos muçulmanos na Índia. Agora existem muitas razões pelas quais eles não podem ser amigos desse tipo de nação.

 Mas isso não deveria ser uma questão de amizade. Os países negociam entre si, sem necessariamente concordarem entre si em todos os assuntos. Pelo menos abra o comércio para que as pessoas de ambos os lados se unam. Muitos indianos que vieram originalmente de Lahore dizem que, quando voltaram, foram tratados calorosamente lá e que se lembraram de quando seus avós e bisavôs moravam lá. Quando voltavam para suas casas de origem, eram servidos com chá e doces pelas pessoas que hoje moram lá — sem se preocuparem com sua religião — e se emocionam ao lembrar as palavras de seus avós. Isto acontece muito — então, porque não deveria ser institucionalizado? Abra o comércio e erga a estátua de Bhagat Singh para que as coisas avancem até certo ponto.

 Mas Modi também é contra isso. Ele nem sequer permite que as pessoas joguem críquete entre a Índia e o Paquistão, então como pode sancionar um comércio?

 GSW: Notamos que uma reunião da SAARC (Associação Sul-Asiática para a Cooperação Regional) não é realizada desde 2014. Estava prestes a ser realizada em Islamabad em 2016, mas aconteceu o ataque de Uri. Desde então, a SAARC funciona como um órgão extinto. Alguns pensam que a ideologia de duas nações do subcontinente indiano não trará paz para a Ásia Meridional. O que você acha das perspectivas de paz na região?  

 TA: Há muitos anos que desejo expandir a SAARC: tratados de paz antiguerra devem ser assinados e assim por diante. Muitas coisas poderiam ter sido feitas, mas a situação ficou difícil. Lashkar-e-Taiba atacou Mumbai. Muitos disseram que as equipes de críquete do Paquistão e do Sri Lanka foram atacadas pela RAW (embora eu deva dizer que, no Paquistão, os jihadistas raramente têm como alvo a equipe de críquete porque, tal como em outros países, eles gostam do esporte).

Para a paz regional, precisamos de políticos com autoridade em seu próprio país. Modi tem muita autoridade, mas não fará isso. É necessário um governo de coligação contra Modi, mas não tenho certeza se surgirá agora. Não podemos ter esperança no Congresso e os grupos familiares de Gandhi e Nehru deveriam ser removidos. No Paquistão, o Partido Popular do Paquistão perdeu influência, exceto em Sindh. A coligação formada contra Modi deve reunir-se com as pessoas e fazê-las entender que fazer a paz e a amizade com o Paquistão, jogar críquete e comercializar com eles, é benéfico para todo o subcontinente. Precisamos de políticos na Índia e no Paquistão que se levantem, falem a verdade e digam que esta é a direção na qual queremos que ambos os países avancem. Vejamos quem serão esses políticos progressistas. Não sei como surgirá essa liderança, mas certamente surgirá.

 GSW: Você vê algum potencial ou crescimento na nação Punjabi? Você mencionou Waris Shah e Amrita Pritam anteriormente, que as pessoas leem em ambos os lados da divisão. Você acha que a nacionalidade Punjabi existe além da religião?

 TA: Sim, sem dúvidas. Existe no idioma, por exemplo. Ambos estamos conversando em Punjabi para o seu programa. Uma vez fui a Delhi para uma entrevista para uma revista e conversamos em Punjabi. Deixando de lado Allah, há muitas semelhanças além da fronteira. Como você levantou a questão da nacionalidade, isso significa que Punjab pode ser unida — mas, na verdade, isso é apenas um pensamento fantasioso atualmente. Mas podemos estar unidos informalmente. Muitas coisas podem ser feitas.

 GSW: Anteriormente, você citou lindamente alguns versos do poema de Amrita Pritam. Tem algum outro poema ou canção antiga que seja muito apreciado no Paquistão?  

 TA: Essa geração está morrendo, mas uma coisa boa que aconteceu é que, por causa da Internet, poemas antigos estão voltando. A maior parte da geração mais jovem ouve e lê Faiz Ahmad Faiz, além de outros.

 GSW: Como você mencionou hum dekhenge, lembrei de uma pergunta. Você testemunhou muita coisa em sua vida — os sonhos e possibilidades radicais dos anos 60, destruídos nas décadas seguintes. Quando você reflete sobre tudo o que aconteceu, que esperança você vê para o futuro?

 TA: Muitos dizem que os anos 60 foram a era de ouro. Mas nunca houve uma era de ouro. Naquela época, ninguém via essa era como dourada. Essa era de ouro — essa crença na transformação — deveria estar sempre em seu coração. Se não está em nossos corações, ou os deixa, então não há nada.

 Temos um poeta, Habib Jalib, que também escreve em Punjabi: “Aise Dastoor ko, Subah benoor ko main nahi janta main nahi manta (Eu rejeito esta tradição, rejeito este amanhecer sombrio)”. E estas quatro linhas devem ser ditas até os dias atuais na Índia, no Paquistão, em Bangladesh e no Sri Lanka. Essas linhas que ele escreveu para o Vietnã: “eh dunia k sarparasto khamosh kyu ho, bolo insaniyat ki pakah hai veitnam jal raha hai (Ei, líderes mundiais, por que vocês estão em silêncio? A humanidade está chamando, o Vietnã está queimando”) — hoje pode ser reescrita como: Pakistan jal raha hai, Kashmir jal raha hai, Palestine jal raha hai, and Dunia k sarsparsto khamosh kyu ho? (O Paquistão está em chamas, a Caxemira está em chamas, a Palestina está em chamas, por que vocês estão em silêncio, líderes mundiais?). O poder da poesia é mágico. Tem um efeito sobre as pessoas que não entendem política comum e nem gostam dela. Sem poesia, a política não pode avançar.

 Gurshamshir Singh Waraich (@gurshamshir) é um videojornalista que mora em Punjab. 

Foto: 1947: Sikhs migram para o Punjab indiano. Punjab Partition Forum via Jamhoor.

Available in
Author
Gurshamshir Singh Waraich
Translators
Claudia Peruto, Jerônimo Cavalcante and ProZ Pro Bono
Date
07.03.2024